MPF pede informações ao Google sobre vídeos de policiais que confessaram crimes em podcasts

Procuradoria dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro solicitou esclarecimentos ao YouTube e a responsáveis pelos canais em que entrevistas exaltando violência foram publicadas; pedido é baseado em reportagem da Ponte

PMs confessam crimes em videocasts: Danilo Rosa, Henrique Brito, Thiago Raça, Miquéis Arcênio, Wagner Almeida
PMs confessam crimes em videocasts; da esquerda para a direita, de cima para baixo: André da Silva Rosa, Henrique Brito, Thiago Raça, Miquéias Arcênio, Wagner Almeida

O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro solicitou informações ao Google sobre vídeos publicados no YouTube em que policiais aparecem confessando crimes e exaltando violência. O pedido tem como base reportagem da Ponte, publicada em 15 de abril, que revela policiais narrando episódios em que atuaram durante entrevistas a podcasts e videocasts transmitidos na rede social.

Responsável pela solicitação, o procurador regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro, Julio José Araujo Junior, requereu “as estatísticas completas desses vídeos e a descrição de seu conteúdo”. Os donos dos canais em que as entrevistas foram divulgadas também foram oficiados para prestar esclarecimentos.

No despacho, que data de 17 de abril, o procurador considerou que “em diversos canais do YouTube, há policiais exaltando uma cultura de violência e ódio através da rede mundial de computadores, ensejando a incitação de crimes, violação da presunção da inocência e violação do devido processo legal”.

Além disso, ele aponta que “canais oferecidos e mantidos pelo Google têm comunicado, em diversas oportunidades, discurso de ódio e a prática de crimes cometidos por agentes do Estado”. “Esses discursos veiculados por policiais merecem apuração e enfrentamento”, disse em nota do MPF.

Na tarde de sexta-feira (28), a Defensoria Pública da União (DPU) também fez o mesmo requerimento ao Google com base na reportagem. “Os conteúdos acessíveis pela internet podem alcançar qualquer pessoa, exercendo sobre os consumidores verdadeira influência, além de possuírem potencial para modelar discursos e costumes entre determinados grupos da sociedade”, argumentou no pedido o defensor regional de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, Thales Arcoverde Treiger.

“Nessa medida, milhões de usuários vêm sendo influenciados por narrativas impregnadas de ódio, veiculadas em canais comandados por policiais ‘influencers’. Com muita naturalidade, os atores envolvidos relatam episódios de extrema violência, que constituem crimes contra a população civil, sobretudo contra pessoas em situação de vulnerabilidade”, prosseguiu.

A Ponte mostrou que programas de entrevistas que convidam policiais e ex-policiais viralizam no Youtube e em plataformas de áudio com milhões de visualizações. Na conversa com clima amistoso e compreensivo, policiais debocham de vítimas, comemoram assassinatos e naturalizam a violência.

Um dos exemplos é de um videocast em que o sargento Henrique Brito, do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, contou sobre o dia em que reagiu a uma provocação e agrediu uma criança e uma mulher grávida no conjunto de favelas do Pavão-Pavãozinho, na zona sul da cidade. “A grávida voltou, eu peguei, enrolei pelo cabelo e ‘pá!’ (bate com uma mão na outra, como se mostrasse um tapa na cara), tomou! Voou longe (risos no estúdio)!”, descreve o PM Henrique Brito. Em seguida, ele diz que foi obrigado a pagar algumas cestas básicas para as vítimas.

Em outro programa, o fuzileiro naval e sargento do Bope Wagner Luís de Almeida, conhecido como “Cachorro Loco”, falou de uma operação no morro do Cruzeiro no Rio: “quanto mais tiro eu dava, mais eu ficava: mais! Mais! Mais!”. Na conversa, ele também justifica a fama de “Cachorro Loco” ao contar outro episódio do início da carreira: “joguei três ou quatro (criminosos) para o alto. Pô, ocorrência maneira para car#lho!”. A entrevista ao podcast Fala Glauber, apresentado pelo policial penal Glauber Mendonça, tem sete horas de duração. Wagner foi o único a atender pedido de entrevista da Ponte e negou estar exaltando violência.

O desejo de matar também é comentado pelo policial licenciado Miquéias Arcênio, pelo Sargento Costa e pelo policial civil Thiago Raça. “O Bope quando entra… ele faz o diabo mesmo. Ele entra e mata os outros na faca mesmo”, declarou Arcênio sobre as operações ilegais do Bope.

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Abordagens violentas também são contadas com bom humor no podcast Danilo Snider, do apresentador Danilo Martins. Ele conta que decidiu empreender e fazer “um podcast mais suave”. “Não sou responsável pelas palavras deles”, disse sobre os discursos agressivos dos entrevistados.

Reportagem atualizada às 10h17, de 1/5/2023, para incluir menção ao requerimento da DPU.

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