Para promotor, mulher cometeu crime de abandono de incapaz com resultado morte; ela cuidava do garoto enquanto a mãe, trabalhadora da casa, passeava com seus cachorros
Publicado originalmente o Marco Zero.
A partir da denúncia oferecida nesta terça-feira (14/7) pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), cabe agora à Justiça decidir se Sarí Gaspar Côrte Real será processada judicialmente e irá a julgamento pela morte do menino Miguel Otávio. A acusada e ex-patroa da mãe do garoto foi denunciada por “abandono de incapaz resultando em morte”, assim como foi indiciada pela Polícia Civil.
O MPPE foi além do inquérito da Polícia Civil e, com base no artigo 61 do Código Penal, pronunciou Sarí, mulher do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker, com o agravante de que o crime aconteceu “em meio a uma conjuntura de calamidade pública”. Isso pode aumentar a pena prevista para a acusada.
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A denúncia segue para a 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital e o magistrado responsável, José Renato Bizerra, tem o prazo de três dias para apreciar a posição do Ministério Público. Esta atualização no caso não muda a atual condição de Sarí, que segue em liberdade.
O posicionamento do MPPE veio no último dia do prazo para o oferecimento da denúncia e um dia depois da realização de um ato público no Centro do Recife cobrando justiça por Miguel, promovido por entidades da sociedade civil e que contou com a presença de Mirtes e familiares.
Em nota, os advogados que representam Mirtes afirmam esperar que a “imputação seja integralmente recebida pelo magistrado competente”.
“(…) Caberá ao promotor de justiça, titular da ação penal pública, o protagonismo da acusação. O Tribunal de Justiça, por meio de seu presidente, tem implementado esforços para dar celeridade aos processos de natureza criminal durante a situação de emergência sanitária (COVID-19). Acreditamos que esse empenho se refletirá, também, nos autos do processo criminal que principia na 1ª Vara dos Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital”.
Relembre o caso
A morte de Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos, ocorrida no dia 2 de junho, expôs sem retoques a brutalidade do racismo por trás das desigualdades no Brasil. A criança caiu do 9o andar das Torres Gêmeas, no bairro de São José, centro do Recife, quando procurava a mãe, a trabalhadora doméstica Mirtes de Souza, que passeava com o cachorro da patroa Sarí Gaspar Côrte Real.
Em plena pandemia de coronavírus, Mirtes e Miguel deveriam estar em sua casa, protegidos e com o salário integral da mãe garantido.
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A patroa era atendida no apartamento por uma manicure e não cuidou de Miguel como Mirtes cuidava dos filhos dela. Sarí deixou a criança de apenas 5 anos entrar no elevador sozinha e, mais do que isso, apertou o andar que dá acesso à cobertura mesmo Mirtes estando no térreo. Depois, ela voltou para casa enquanto Miguel continuou no elevador desacompanhado.
Ao descer no 9º andar, o menino seguiu pelo corredor e foi de encontro à janela da área técnica. Escalou a parede e chegou do outro lado em uma unidade condensadora de ar. Ultrapassou a condensadora e subiu em um gradil até perder o equilíbrio e cair, de acordo com as perícias da Polícia Civil.
Logo após o ocorrido, Sarí foi presa e pagou fiança de R$ 20 mil para responder em liberdade por homicídio culposo. O nome da ex-patroa de Mirtes foi ocultado dos informes policiais sobre o crime. E, somente no dia 1º de julho, Sarí foi indiciada por “abandono de incapaz resultando em morte”.
O inquérito policial estava sob apreciação do MPPE desde o dia 3 deste mês.