Após ataque de hackers, grupo criado no Facebook para unir mulheres contra o candidato do PSL agora se prepara para os protestos de rua
Quando elas se uniram para criar uma articulação nas redes sociais entre mulheres contrárias ao candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL), não sonhavam que em poucos dias teriam criado um dos maiores grupos de discussão política do Facebook. Nem que se tornariam alvos de todo tipo de ataques, de ameaças verbais à ação de hackers.
“Não imaginávamos que o movimento teria essa dimensão”, comenta uma atriz de 34 anos do interior de São Paulo, que é uma das moderadoras do grupo Mulheres unidas contra Bolsonaro. Ela pede para não ser identificada, porque teme represálias, e não é para menos: mulheres que se assumem publicamente como críticas em relação a Bolsonaro logo se tornam alvos de importunação nas redes sociais.
O grupo foi inicialmente criado por oito mulheres de estados do Nordeste e logo recebeu a adesão de mulheres de várias partes do País. O critério para ser aceita é ser mulher e contrária a Bolsonaro, independente da preferência política. Mulheres unidas contra Bolsonaro nasceu em 30 de agosto e, uma semana depois, já reunia 700 mil pessoas. Atualmente, o número de membros chega a 2,5 milhões.
Depois que o grupo atingiu um milhão de seguidores, na quarta-feira (12/9), começaram os ataques. Os primeiros vieram na forma de exposição: simpatizantes de Bolsonaro passaram a mostrar nas redes as identidades das coordenadoras do grupo, o que gerava uma série de mensagens ofensivas contra elas. “Comecei a sofrer várias ameaças e fui bloqueando quem fazia. Nunca tentavam um diálogo, um debate político. Era sempre xingamento. Os homens me ameaçavam, diziam que era melhor eu parar, porque não sabia o que podia acontecer”, conta. E faz uma constatação triste: “Muitas mulheres me assediaram também. Falavam que eu precisava de um tanque para falar, que eu era vagabunda”.
No sábado (15/9), ela tomou um susto ao acessar o grupo e ver que tudo estava diferente. O grupo agora era aberto, chamava-se Mulheres com Bolsonaro #17, tinha vários homens como membros e expunha o recado da fundadora do grupo dizendo que havia mudado de ideia e agora apoiava o candidato do PSL. “Aí eu me dei conta de que tinham tomado o grupo e invadido os perfis das administradoras”, conta. “Eu fiquei bem revoltada.”
Começou uma guerra dentro do grupo, com diversos apoiadores do candidato fazendo postagens pró-Bolsonaro e sendo rebatidas pelas mulheres. Com a orientação de advogadas e policiais que faziam parte do grupo, as vítimas fizeram boletins de ocorrência e denúncias ao Facebook. No início da madrugada deste domingo (16/9), a página saiu do ar.
Horas depois, por volta do meio-dia, o Facebook reconheceu oficialmente o ataque e transferiu de volta o controle do grupo para as proprietárias originais. Depois disso, a página passou a oscilar. “Tem horas em que o grupo está no ar e horas em que sai. Ainda não sabemos o porquê”, diz.
Para as ruas
A atriz ainda não sabe qual será o futuro do grupo, mas já guarda a sensação de dever cumprido. “A gente entende que o grupo cumpriu uma função importante e por isso incomodou tanto”, avalia. Os ataques, acredita, longe de intimidar, levaram mais mulheres a se unirem. “Eles podem tomar nosso grupo, mas não vão tomar nossos votos.”
O próximo passo é tentar levar para as ruas ao menos parte da força que o grupo demonstrou nas redes. O teste será em 29 de setembro, data em que estão marcadas manifestações de mulheres contra Bolsonaro em diversas cidades brasileiras.
Sobre os motivos para repudiar Bolsonaro, ela explica: “As mulheres e as minorias em geral demoraram muito a conquistar direitos dentro de um sistema que é patriarcal, e esse candidato não só não propõe ampliar os direitos, mas diminuir os que já existem. As declarações sobre gays e negros que ele faz são inaceitáveis. A ignorância do sujeito é imensa, beira a truculência. Acho que ele é capaz de tudo, inclusive de instaurar uma ditadura”.
Mulheres, a fraqueza de Bolsonaro
Em pouco tempo, o grupo Mulheres unidas contra Bolsonaro tornou-se “um dos maiores, senão o maior grupo de discussão política hoje do Facebook”, segundo Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP (Universidade de São Paulo) e fundador da ferramenta Monitor do debate político no meio digital, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso a Informação da USP.
O sucesso da mobilização do grupo de mulheres contra o candidato do PSL se deve, segundo o professor, a ter se baseado na “principal vulnerabilidade demográfica” de Bolsonaro, que é a de ser um fenômeno essencialmente masculino. “O público feminino é muito numeroso e particularmente avesso, de maneira muito evidente, ao programa de Bolsonaro. Acredito que essa mobilização não teria funcionado tão bem com nenhum outro grupo. Não há um recorte racial no voto em Bolsonaro, por exemplo”, diz.
“É um grupo muito relevante, que reuniu um número muito expressivo de pessoas. A grande contribuição, na minha opinião, foi a de fazer as pessoas saberem que as mulheres que estão insatisfeitas com Bolsonaro são numerosas e que elas têm força política”, avalia. O ataque dos hackers, segundo ele, apesar de ser “um jogo sujo”, não terá qualquer impacto para desmobilizar as mulheres. “O grande efeito será sentido na manifestação que estão organizando e que deve ser grande.”