Mulheres de presos de Avaré denunciam espancamentos e humilhações

    Grupo esteve na sede da Amparar, na zona leste de São Paulo, e contou que no final de agosto uma sessão de espancamento deixou pelo menos 15 feridos

    Os crimes que os maridos e filhos cometeram são os mais variados: tráfico, homicídio, roubo a banco, assalto a mão armada. As penas igualmente variam. Há mulheres que, há uma década, fazem a mesma peregrinação saindo da capital paulista e seguindo para o interior do estado para visitar o companheiro em Avaré 1 ou 2. O medo de represália é tanto que ela topam conversar com a reportagem da Ponte e da Pavio, mas com a condição de que não sejam identificadas. Uma delas toma a dianteira. Inicia seu relato.

    “Quando vão para o banho de sol, os agentes obrigam os presos a tirarem a roupa toda, abaixar três vezes e sair correndo pelados com as mãos na cabeça. É uma humilhação e não tem necessidade disso. Eles já estão pagando pelo que fizeram. Os que se negaram a sair para o banho de sol para não ter que passar por tamanha humilhação, apanharam dentro das celas. Tem 420 presos que não se submeteram a humilhação e estão de castigo desde quarta passada. Pelo menos 15 tem ferimentos graves. E estão trancados, sem banho de sol e ainda recebendo alimentação estragada. A fome bate, mas aí não come. Sabe por que? Porque se passa mal não tem hospital”, afirma uma delas, em uma das salas da sede da Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar), na zona leste de São Paulo.

    A revolta pela situação dos homens encarcerados inclui tiros de balas de borracha em quem resistir. Seja ele um jovem sadio ou, então, alguém doente ou idoso. “Tem uma marquise, mas eles não podem se abrigar, mesmo se estiver chovendo, por exemplo. Quem fica embaixo leva tiro do GIR [polícia que atua dentro das penitenciárias para reprimir conflitos]. Tem preso idoso, tem preso com aids, com tuberculose”, continua a mais falante e indignada do grupo.

    Esposa de um detento que cumpre há sete anos pena por homicídio, outra delas, bastante vaidosa e de fala calma conta que desde então as correspondências foram cortadas e a entrega do Jumbo – o pacote com comida, remédios e outros produtos que os parentes podem enviar aos presos – foi suspensa.

    “Quem é o responsável pelo sistema, quem está criando monstros? Sou eu? É você? É o Estado! Quem preso será devolvido para a sociedade? O Estado cria isso, maltrata, deixa os presos largados pelas ruas, sem direito a um emprego. A sociedade não esta nem aí para quem foi preso e para o Estado essa pessoa é só um número. Nós queremos, sim, uma mudança”, afirma.

    Bateria do desespero

    No meio da conversa, uma das mulheres afirma que recebeu um áudio de uma colega que teria falado com o advogado de um dos presos naquele mesmo dia e questiona a reportagem se não gostaríamos de ouvir a mensagem de Whatsapp. No áudio, a confirmação de que havia detentos machucados e um deles em especial estava em situação muito grave.

    “A situação da bateria ontem foi por causa do preso que tem problema no coração e estava muito ferido depois do espancamento”. Uma delas conta que a “bateria” é a forma que os presos encontraram para protestar: eles pegam as canecas de alumínio e batem nas grades das celas quando algo está acontecendo. Nesse caso, queriam chamar a atenção dos agentes para o preso que necessitava de ajuda.

    Defensoria Pública foi barrada em Avaré

    Na última segunda-feria (11/09), defensores do Núcleo de Situação Carcerária foram até a penitenciária para fazer uma vistoria, já que havia sido procurado por familiares que nas últimas semanas trouxeram relatos de agressões com balas de borracha, a suspensão do banho de sol, punições coletivas, de acordo com a assessoria de imprensa da Defensoria Pública de São Paulo. Contudo, a diretoria da penitenciária não deixou a Defensoria entrar nas áreas de aprisionamento.

    Ainda de acordo com a Defensoria, essa é uma situação que foge completamente do normal, já que a visita e vistoria em presídios do estado é uma prerrogativa da Defensoria. Os defensores que estiveram no local na segunda-feira (11/9), conseguiram, na área administrativa, entrevistar algumas presos que confirmaram todas as informações. Na quinta-feira (14/9), o Núcleo de Situação Carcerária protocolou um pedido judicial para permitir a entrada dos defensores. Quem vai decidir é um juiz corregedor do DEECRIM, da 3ª RAJ de Bauru, cidade próxima de Avaré.

    Visitas e o pavor da revista íntima

    No complexo de Avaré já existe um scanner. Mas, de acordo com as parentes de presos, ele não é usado e a revista vexatória é praticada. “A gente é revistada na entrada e na saída. A gente tem que tirar a roupa toda, agachar três vezes de frente e três vezes de costas. Se falam muito das mulheres levar as coisas para dentro da unidade prisional. E os agentes, passam pela mesma revista que a gente? Por que só os visitantes? Eles passam no detector de metal, mas isso não pega as drogas que têm lá dentro. É a gente que está levando? É uma boa pergunta para ser feita para o sr. governador Geraldo Alckmin”, afirma uma das mulheres. E outra completa: “Quando existe alguma desconfiança, mesmo depois da revista íntima, nós somos mandadas para o hospital para fazer exame de toque. E nessas, a gente perde quase a visita toda”, explica. Conforme divulgou a Ponte Jornalismo, a revista vexatória, proibida por lei, ainda acontece em quase 98% dos presídios do estado de São Paulo.

    A visita em Avaré acontece uma vez por semana, às sextas, e dura 4 horas. As parentes se queixam do aparato de armamento que os agentes usam e que, por vezes, se sentem intimidadas. Além disso, a visita acontece dentro das celas, que são trancadas e destrancadas apenas após o término da visita. “Eu não estou presa. Meu marido que cumpre pena. E eu e e meu filho temos que ficar trancados? Qual a lógica disso?”, revolta-se.

    Sem descarga e de luz acesa

    “Queremos deixar bem claro que não queremos regalias. Queremos apenas os direitos deles. Eles estão presos, estão sob custodia do estado. Qual preso que eles vão devolver para a sociedade? Se não é a família pra ajudar não tem um ali que não vai sair para a rua com o psicológico abalado”, afirma uma das mulheres. Ela conta que as celas, que são individuais – do período em que Avaré ainda era RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) – tem privada, mas a descarga fica do lado de fora e os detentos não têm acesso. Ou seja, precisam ficar pedindo para os carcereiros acionarem a descarga. Elas afirmam que os companheiros contaram que o interruptor é a mesma coisa, fica fora da cela, e que, muitas vezes, como castigo os presos dormem de luz acesa.

    Outro lado

    A Ponte procurou a Secretaria de Administração Penitenciária para saber qual a real situação de Avaré 1 e 2, mas, até o momento, não obteve retorno.

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