Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Henrique, 16 anos, cobra PM e governo pelas mortes em baile funk e pede aos moradores ajuda nas investigações
“Tenho certeza que os nove não foram pisoteados. O que fizeram com os nossos foi uma atrocidade. Quero provar para o mundo que meu filho não foi pisoteado”. A fala de Maria Cristina Quirino ressoou na rua Ernest Renan, no coração de Paraisópolis, favela na zona sul da cidade de São Paulo. Ali, exatamente uma semana atrás, na madrugada do domingo (1º/12), o filho de Maria, Denys Henrique Quirino, morreu no baile funk da DZ7 em confusão gerada pela ação da PM. A versão oficial é de que Denys e outras nove pessoas morreram pisoteadas.
Para a mãe, o relato dado pelos policiais militares envolvidos na ação, pelo governador do estado de São Paulo, João Doria (PSDB), e pelo secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, não convencem. Para ela e outros familiares de vítimas. Eles apontam que não haviam marcas de pisoteamento em alguns dos corpos, outros não puderam ver todo o corpo das vítimas e, principalmente, a ausência de registros que comprovem a versão de que uma moto entrou no baile e a PM agiu contra estes suspeitos. Para encontrar a verdade, ela pede ajuda da própria comunidade de Paraisópolis durante ato ecumênico em homenagens aos nove mortos.
“O que fizeram aqui com os nove foi desumano. Vamos lutar para provar que eles são culpados, nos ajudem a provar a culpa da polícia. Poderia ser o filho de qualquer um em qualquer baile”, prossegue Maria Cristina. A senhora vestia uma camisa com a foto do filho que se foi. O outro filho, Danilo Amílcar, seguia ao seu lado, como faz desde a morte do irmão e nas cobranças de respostas por parte do poder público.
Danilo esteve em reunião com o governador Doria em protesto feito na semana passada. Ele insistiu por mais de uma hora até ser recebido pessoalmente pelo político e mantém suas críticas. “Nosso menino se foi aqui por uma ação policial. Se não lutarmos, quantos mais serão vítimas da polícia?”, questiona, logo após a fala de sua mãe.
Aproximadamente 150 pessoas estiveram em frente à viela onde sete dos nove jovens morreram pisoteados, conforme dito pelos PMs envolvidos na ação. Eles apontam que uma moto teria furado um cerco, invadido o baile e atirado, forçando o revide e a confusão com as 5 mil pessoas presentes no baile. A versão de quem estava lá é diferente: os PMs chegaram com truculência, cercaram as pessoas e as agrediram, conforme registros em vídeos.
Maria Cristina e Danilo abraçaram familiares de outras três vítimas que estiveram presentes no ato: os de Luara Victoria de Oliveira, 18 anos, Marcos Paulo Oliveira dos Santos e de Dennys Guilherme dos Santos Franco, ambos de 16. Irmã de Dennys, Fernanda Santos também pediu apoio da comunidade nas investigações.
“Não foi acidente, não foi fatalidade, foi proposital. Infelizmente, eu não estava aqui, não sei o que aconteceu”, declarou, emocionada, ao microfone. “Precisamos da ajuda de vocês que estavam no dia do baile. Estão escondendo muita coisa. Se não tomarmos providências, não serão só eles”, prosseguiu a jovem.
Um tio de Luara, que pediu para não ser identificado, classificou a tragédia como “extermínio”. “É luta, não tem outro jeito e não será em vão. Temos que cobrar punição ao governador João Doria, ao secretário da Segurança e ao comandante da ação”, cobrou. “Podemos condenar os soldados? Vai chegar o momento. Temos que ir atrás desses três”.
Os familiares de Marcos Paulo preferiram não se pronunciar no microfone, optando por acompanhar a cerimônia e os discursos religiosos que se seguiram. Havia ali pastor evangélico, freis e kardecistas. A mensagem em comum era: é preciso força para a dor não ser maior do que a esperança por Justiça.
Frei Alamiro, 80 anos, 30 deles vividos na Brasilândia, zona norte da capital paulista, comparou o massacre de Paraisópolis com a escravidão no Egito, conforme passagem bíblica no livro de Êxodo. “Não há faraós agora, mas há outros tipos de faraós. Nem toda ordem é justa. Se alguém te der a ordem para matar, desobedeça”, cravou o frei. “Se te ordenar para comprar arma, não compre. Não é com violência que se acaba com a violência. Fogo se apaga com água, não com gasolina”, continuou.
O religioso ainda criticou a forma com que as periferias são vistas pela polícia e condenou a marginalização da sociedade com quem mora nas periferias. Fala completada por Marzialé, cristão kardecista presente no ato. “O que aconteceu é muito grave, mas não devemos ceder à tentação e sair do caminho da luz”, discursou.