Por 4 votos a 3, jurados qualificaram mortes de quatro jovens praticadas pelos policiais em 2003 como homicídios culposos, quando não há intenção de matar
Novo júri popular inocentou três dos cinco policiais militares acusados pelo assassinato de quatro jovens no Morro do Borel, zona norte do Rio de Janeiro, em 2003. Para os jurados, o sargento Washington Luiz de Oliveira Avelino, o cabo Marcos Duarte Ramalho e o soldado Paulo Marco Rodrigues Emilio cometeram homicídios decorrentes de intervenção policial. Assim, acabaram absolvidos da acusação por crime hediondo por 4 votos a 3.
A tese aceita pelo júri popular é a de que houve legítima defesa na ação dos policiais. O crime foi desqualificado para culposo, diferentemente da tese do MP (Ministério Público) que os acusava de homicídio doloso, quando há a intenção de matar. Os jurados consideraram que os PMs não tiveram intenção de matar as vítimas. Agora, a Justiça Militar decidirá sobre o possível arquivamento do caso.
Carlos Alberto, pintor e pedreiro de 21 anos, Carlos Magno, estudante de 18, Everson Silote, taxista de 23, e Thiago Silva, mecânico de 19, foram mortos com vários tiros durante uma operação do 6º BPM (Batalhão de Polícia Militar), no dia 16 de abril de 2003. Após 13 anos da chacina, um texto foi publicado pela Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência relatando que cada um deles teria recebido de cinco a doze tiros da PMRJ, pela frente e pelas costas.
Ainda pela manhã um protesto foi organizado pela Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência em frente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Familiares das vítimas da Chacina do Borel e outros parentes de vítimas da violência do Estado, juntamente com apoiadores, compareceram para exigir justiça. Em entrevista à Rede TVT, Maria Dalva da Costa Correia, integrante da Rede e mãe de Thiago Silva, disse que no momento não há nenhum policial envolvido na chacina preso, e que o sargento Washington Luiz de Oliveira Avelino, protegido por um recurso no STJ (Supremo Tribunal de Justiça), seria julgado pela primeira vez naquela tarde.
Afilhada e prima de Thiago, Beatriz Costa Reis, de 20 anos, conta à Ponte que ele deixou uma filha, sua xodó, Gabriela, e que ela tem poucas lembranças dele porque era muito criança quando da sua morte. Contudo, sua mãe e seu pai sempre lembram muito de Thiago, principalmente quando fazem pudim, sua sobremesa favorita. Em festas de família, seu nome também sempre é lembrado. “Eu tô aqui hoje por sede de justiça. Depois de tantos anos, fazerem outro julgamento, passar por tudo de novo, eu espero que o resultado faça eu e minha família comemorar bastante”, conta na entrada para o Tribunal do júri.
‘Não quero que meu filho seja esquecido’
Sebastiana do Carmo Gonçalves Silote, a “Tiana” para os familiares e amigos, tem 59 anos e trabalhou mais de 30 como cabeleireira. Ela foi uma das testemunhas de acusação no júri e estava acompanhada de sua irmã Lúcia Helena Gonçalves. Teve quatro filhos, sendo Everson Silote o mais velho deles. “Ele era nosso dengo, e a gente era o dengo dele também. Era um menino muito bom, ele tirava a roupa para te dar, sabia? Não quero que o meu filho seja esquecido”, disse, emocionada.
Tiana diz ainda que seu filho ia completar 27 anos na semana em que foi assassinado. Até hoje, aponta que nada foi resolvido em relação ao seu caso e que nenhum suporte por parte do Estado para a família foi oferecido. Thiago era pai de duas crianças, uma de 5 anos e outra de 3 à época em que foi assassinado. “Não deram um nada para os meus netos, ele é que sustentava a casa com o trabalho dele. O mais velho tá com 20 anos e o caçula, 18. Eu continuo pensando nos estudos deles, para eles estudarem, terem uma casa para eles. A mãe foi ameaçada e teve que ir embora do Borel”, conta.
A Chacina do Borel e seu histórico de impunidade por parte dos órgãos estatais, em que a maioria das vítimas são pessoas pobres e negras, segue como roteiro similar à casos ocorridos mais de uma década depois das mortes de Thiago, Carlos Alberto, Everson e Carlos Magno. Em cinco meses de intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, comandada pelo general Braga Netto, as chacinas aumentaram 80% e as mortes em chacinas (casos com três ou mais pessoas mortas) subiram 128%, de acordo com o relatório “Vozes sobre a intervenção”. O documento pretendeu fazer um balanço dos seis meses da intervenção , decretada pelo governo de Michel Temer (MDB), em fevereiro deste ano.
* Inicialmente a Ponte publicou que o homicídio cometido pelos polícia era culposo, quando há intenção de matar. A informação foi corrigida.
* Em uma das fotos apontamos que a mãe de Thiago era a mãe de Everson. Corrigimos