O corpo de Diogo, negro e gay, passou quatro dias no IML sem a família saber

    Polícia investiga causa da morte de Diogo da Silva Paz, que foi levado a hospital depois de supostamente ser agredido. Jovem morreu na semana passada no centro da capital paulista

    Diogo da Silva Paz gostava de viajar e estar no mar | Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

    A Polícia Civil de São Paulo investiga a morte de um homem negro e gay, socorrido após ser agredido no centro da capital paulista. Mesmo identificado, ele permaneceu por quatro dias no IML (Instituto Médico Legal), enquanto amigos e familiares ainda procuravam notícias sobre seu paradeiro.

    Diogo da Silva Paz, 30, foi socorrido por soldados do Corpo de Bombeiros por volta das 10h de domingo (13/12) na altura do número 207 da Rua Pirapitingui, na Liberdade, região central, e encaminhado para o Hospital do Servidor Público Municipal, localizado na mesma região.

    Segundo consta no Boletim de Ocorrência, Paz foi “vítima de agressão por terceiro”. Outro trecho do documento aponta que ele foi socorrido consciente, já que afirmou ter consumido álcool e drogas. Não há informações sobre o suposto agressor ou agressores.

    Mesmo com todos procedimentos médicos, Paz não resistiu e morreu às 15h15 do mesmo dia. De acordo com a declaração de óbito, o homem morreu em decorrência de edema pulmonar bilateral. No entanto, a causa da morte ainda não está esclarecida para a Polícia Civil. O boletim de ocorrência consta como morte suspeita, já que laudos produzidos pelo IML (Instituto Médico Legal) ainda não ficaram prontos.

    Trecho do Boletim de Ocorrência que aponta socorro após “agressão por terceiro” | Foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal

    De acordo com o empresário Jared Baungartner, 32, um amigo de infância da vítima, Paz sempre trabalhou como visual merchandising, mas estava desempregado após os trabalhos reduzirem devido à pandemia.

    Mesmo identificado ao chegar ao hospital, assim como consta no BO, com nome de pai e mãe, além do endereço em que residia, Baungartner conta que seu amigo ficou na geladeira do IML (Instituto Médico Legal) por quatro dias, enquanto seus amigos e familiares acreditavam que ele estivesse desaparecido. Seus pais moram em Rio Claro, no interior de São Paulo, enquanto o jovem morto morava em um flat na Vila Burque, na capital.

    Baugartner conta que, pensando que Paz estivesse vivo, pediu ajuda no Facebook para ele ser localizado. Foi quando um amigo, cujo pai trabalha no IML, contou sobre a permanência na unidade de um homem com aquelas características. Só assim soube que o corpo de Paz padecia no Instituto Médico Legal Central. Segundo Baugartner, Paz estava prestes a ser enterrado como indigente, mesmo tendo identificação.

    O empresário afirmou ter recebido um telefonema do IML na tarde de sexta-feira (18/12) e através da confirmação do nome dos pais e de tatuagens descobriu sobre o real paradeiro de seu amigo. Assim, esperou o pai de Paz chegar do interior e se dirigiram até o IML. Lá, reconheceram, já à noite, o cadáver de Diogo da Silva Paz.

    “A Justiça e o funcionalismo público privilegiam pessoas brancas e heterossexuais. Ele foi largado numa gaveta como um indigente por ser gay, não branco e estar em uma região desvalorizada. Houve dois crimes: um pelos autores que o espancaram até a morte e outro pelo sistema que negligência a causa da morte e trata como indigente um homem com história, amigos e família”, afirmou Baugartner.

    O homem foi enterrado em Rio Claro, às pressas, sem velório.

    Morador da Vila Buarque, também na região central, Paz era visto como um cara tranquilo por seus amigos, que buscam entender o que de fato ocorreu. Para eles, seria impossível Paz ser agredido por uma só pessoa, já que tinha 1,86 de altura e quase 100 quilos.

    “Para ele morrer por espancamento, uma pessoa não daria conta. E ele nunca brigou na vida. Ele era a pessoa mais da paz que eu conhecia, não à toa o sobrenome. Não consigo compreender o que aconteceu”, disse Baungartner.

    Ativista dos direitos da População LGBTI+, Agripino Magalhães se mostra indignado com mais um caso de violência na capital. “Ainda falta muito para a gente acabar com o racismo e com a LGBTfobia. Quando ainda é um gay e negro sofre duas vezes. Triste a gente ver um jovem agredido no meio da rua. Um jovem gay e negro. Imagina o sofrimento dele”.

    Nascido em Rio Claro, o jovem gostava muito de viajar, principalmente para fora do país. De acordo com Baungartner, Paz chegou a visitar países como Argentina, Chile, Espanha e México. “Ele era sonhador, amava viajar, conhecia muitos países. Amava moda. Trabalhou a vida toda com moda e visual merchandising. Mas nada mais deixava o feliz do que o mar”.

    Questionada sobre a morte, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) informou que o “caso foi registrado no 5º Distrito Policial (Aclimação) como morte suspeita e segue em investigação. A equipe médica que atendeu o paciente será ouvida e a autoridade policial aguarda laudos periciais para análise”. Ate a publicação do texto, o órgão não se pronunciou sobre o motivo de o IML não ter procurado avisar a família sobre o ocorrido.

    Em nota, o Corpo de Bombeiros informou que “o atendimento foi realizado na Rua Pirapitingui, bairro Liberdade — SP. As informações de cunho pessoal de qualquer vítima atendida pelo Corpo de Bombeiros somente serão informadas nos seguintes casos: para a própria pessoa, para parente, ou para representante legal devidamente autorizado judicialmente”.

    Também em nota, a “Superintendência do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM), da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), lamenta a perda do paciente Diogo Paz, 30 anos, branco (informações dadas pelo próprio paciente), que deu entrada no Pronto-Socorro do HSPM, no dia 13 de dezembro de 2020, às 10h45, conduzido pelos Bombeiros, sem acompanhantes. O paciente informou verbalmente ter sido vítima de agressão física duas horas antes do atendimento. De maneira imediata foi atendido na sala de emergência, realizou avaliação completa, seguindo protocolo de suporte avançado de vida no trauma (ATLS), sem evidências de lesões focais, exceto por ferimento na face. Paciente estava consciente, porém agitado, recusou-se a proceder à sutura do ferimento e retirou inadvertidamente a imobilização cervical. O paciente foi submetido a exames laboratoriais e de imagens que não evidenciaram a necessidade de conduta cirúrgica de emergência. Permaneceu em observação na sala de emergência por cerca de quatro horas quando o quadro evoluiu com parada cardiorrespiratória em assistolia. O Serviço social do HSPM realizou o contato telefônico em dois números diferentes (obtidos através do cadastro do Cartão SUS), infelizmente, sem sucesso. O hospital notificou a Polícia Civil para a investigação do caso. O corpo foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) e a equipe médica do HSPM está à disposição para o que couber”.

    Também procurada, a Polícia Militar não haviam se pronunciado até a publicação desta reportagem.

    ATUALIZAÇÃO: reportagem atualizada às 18h30 do dia 21/12/2020 para incluir o posicionamento da Superintendência do Hospital do Servidor Público Municipal

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