O segundo episódio da série Cultura de Periferia em Tempos de Pandemia conta a trajetória da grafiteira Nenê Surreal, artista negra e periférica que transformou sua luta em arte
Mulher preta, periférica, mãe, avó, lésbica, grafiteira, artista plástica, educadora social e artesã. Em um cenário dominado por homens, Nenê Surreal se consagrou na arte urbana vivenciando a cultura hip hop desde a infância em Diadema (Grande SP). Convidada do segundo episódio de Cultura de Periferia em Tempos de Pandemia, série da Ponte em parceria com a Todos Negros do Mundo disponível no Youtube, ela se apresenta recitando o texto O Levante: “meus relatos são transmitidos através dos muros. Com os sprays, traço a minha revolução”. A série é dirigida por Anderson Jesus e tem coordenação de Antonio Junião, diretor de arte e projetos da Ponte.
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Durante a conversa com a apresentadora Stephanie Catarino, a grafiteira conta que descobriu a arte como estilo de vida sendo aprendiz da avó, que foi uma grande artesã. Nenê começou se expressando com o pixo e anos depois reconheceu que poderia seguir profissionalmente como mulher preta artista. “A cada vez que eu dava um passo pensando em sobreviver da arte, eu era empurrada para outros lugares que são os trabalhos comuns para nós”, relembra sobre quando decidiu fazer uma faculdade de Artes.
Na sua trajetória, a maternidade marcou o começo da vida adulta ao mesmo tempo que adiou alguns de seus sonhos. Ela perdeu o marido e criou a filha trabalhando na área da saúde, sem abandonar o grafite nas horas vagas. Com muita insistência foi ocupando o cenário da arte urbana e sendo reconhecida pelo seu trabalho artístico. “O movimento cultura hip hop me salvou”, ressalta.
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Nenê Surreal levou suas pinturas carregadas de ancestralidade e resistência para os muros de outras cidades pelo Brasil e pelo mundo, como em Viena, na Áustria, e ganhou prêmios. “Nesse processo da pandemia eu fui buscando [trabalhar], mas senti um apagamento gigante porque não estou na rua e a minha arte se faz muito mais quando estou presente do que virtualmente”, conta.
Diante da crise sanitária, a artista lamenta por não poder ter realizado alguns projetos e diz que ficou sem apoio financeiro em boa parte do ano passado. Nesse período, ela tem se dedicado mais à própria grife NeneSurreal Plus Size, estampando roupas com o grafite, organizou a Ocupação das Minas na Casa de Hip Hop de Diadema – a primeira do Brasil – e fez algumas exposições virtuais. Ela também divulga o seu trabalho no Facebook e no Instagram.
Hoje aos 54 anos, a grafiteria se vê sobrevivente de um sistema que marginaliza e silencia a história e as vozes periféricas e pretas por meio da violência e no âmbito da pandemia. “A gente está na mira. Acredito que a gente vai virar esse jogo, vamos mostrar para essas pessoas privilegiadas que elas precisam urgentemente se posicionar”, considera. Nenê acredita que a luta contra o racismo e a LGBTfobia deve ser coletiva: “os coletivos precisam estar unificados, precisamos montar uma rede de proteção”.