“O policial bateu no meu filho até ele entrar em coma”

    Segundo moradores, PM é conhecido na comunidade como “Negão da Madeira”, pelo hábito de agredir jovens da favela com um pedaço de pau

    G., 16 anos, em UTI onde está internado | Foto: Arquivo pessoal

    A comerciante Zilda Regina de Paiva, 46 anos, criou sete filhos no Jardim Domitila, região de Cidade Ademar, zona sul da cidade de São Paulo, para que todos fossem pessoas boas e trabalhadoras, algo bonito de se ver e de se viver. Faz quatro dias, porém, que a a única imagem que Zilda tem para ver de seu filho G., 16 anos, é um rosto inchado e coberto de ataduras, com os olhos fechados e uma boca muda e aberta, por onde um tubo o ajuda a respirar.

    O mais novo dos filhos homens de Zilda permanece em coma, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Regional de Pedreira, após sofrer um traumatismo craniano. Testemunhas dizem que o menino foi espancado por quatro policiais militares do 22º BPM/M (Batalhão da Polícia Militar Metropolitano), um deles armado com um pedaço de pau, por volta de 23h de domingo (16/4). A agressão ocorreu em um beco ao lado da Rua Antonio Benedito Palhares, durante uma ação em que os PMs expulsaram um grupo de jovens da frente de um bar numa rua próxima.

    Não foi a primeira vez. O mesmo policial já teria espancado outros garotos do bairro com o mesmo pedaço de pau, parecido com “um cabo de enxada” ou “um taco de beisebol”. “Esse PM se auto-intitula ‘Negão da Madeira'”, conta Zilda. Nas redes sociais, moradores do bairro espalharam relatos de outras agressões cometidas pelo mesmo policial e postaram a foto de um outro adolescente, com o rosto inchado, coberto de ataduras, também numa cama de hospital. Na postagem, a informação é que, assim como G., o garoto teria sido atacado pelo mesmo Negão da Madeira.

    Boné usado por G. abandonado no local da agressão | Foto: Arquivo pessoal

    “Houve várias outras agressões, só que as pessoas não tiveram coragem de denunciar, como eu estou fazendo agora”, afirma Zilda. Ela faz questão de expor o próprio nome. “Quero a mídia em cima para que os policiais não cheguem perto de mim. Estou indignada. Mesmo que meu filho fosse maloqueiro, não justificava tacar um pedaço de pau na cabeça dele, mas nem isso ele é. Meu filho é estudante, não mexe com nada, não tem passagem, não tem nada”, desabafa.

    Na noite de domingo, segundo testemunhas, G. havia se reunido com um grupo de cerca de 30 amigos para conversar e fumar narguilé diante do bar Tabacaria São Jorge. Pouco depois, policiais do 22º BPM/M foram até o local e expulsaram os jovens dali. “Eles sempre fazem isso. Já chegam dando tapa na cara dos moleques. Não sei o que se passa na vida deles”, conta um morador.

    Um dos irmãos de G. conta que estava se dirigindo ao bar quando, no meio do caminho, encontrou amigos que voltavam de lá e disseram que a situação estava perigosa. “Tá ‘moiado’ lá embaixo e os policiais estão agredindo. Acabaram de derrubar um com a madeira lá”, ouviu de um conhecido. Antes de ir embora, resolveu que iria procurar o irmão mais novo.

    À distância, viu quatro policiais agredindo um jovem caído. Também viu quando os PMs começaram a caminhar em direção à viatura, abandonando a vítima no chão, mas foram impedidos por uma moradora, que gritou para eles: “o menino tá vivo, vocês não vão socorrer?”. Só então colocaram o garoto ensanguentada numa viatura e o levaram para o Hospital Geral de Pedreira, também na zona sul. Até então, ele não sabia quem era o menino agredido. Somente depois que os policiais partiram, é que as testemunhas lhe disseram: “era o seu irmão”.

    E contaram que, ao entrar na rua, vindo do bar, G. teria sido atacado pelas costas e golpeado na cabeça pela arma do Negão da Madeira.

    Manchas de sangue no local da agressão | Foto: Arquivo pessoal

    Do Pedreira, G. foi transferido para o Regional Sul e depois voltou ao Pedreira. Segundo a família, o estado dele é grave, mas estável. Já a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Saúde afirmou que não passaria detalhes sobre as condições de G. por não ter autorização dos familiares.

    Na terça-feira (18), após a repercussão do caso nas redes sociais, a família do menino recebeu uma visita em casa de um oficial do Batalhão dizendo que as denúncias estavam sendo apuradas.

    Ontem, o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), enviou um requerimento ao ouvidor das polícias, Júlio César Neves,  pedindo instauração de inquéritos na Corregedoria da Polícia Militar, na Polícia Civil e no Ministério Público Estadual para apurar “os indícios dos crimes de abuso de autoridade, tortura e tentativa de homicídio”.

    Para Zilda, tão grande quanto a revolta é a sensação de impotência. “Eu cuido dos meus filhos até hoje, todos são trabalhadores, levo minha vida pagando minhas contas, meu aluguel, trabalhando, aí meu filho sai para se divertir e volta em estado de coma. Como a gente se sente? Estou me sentindo revoltada e ao mesmo tempo fraca, porque a gente não pode fazer nada, porque tem medo que a polícia faça algo com a gente.”

    Outro lado

    Atualizado às 14h – A respeito das denúncias, a CDN Comunicação, empresa responsável pela assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública, enviou a seguinte nota:

    A Polícia Militar informa que as circunstâncias do fato estão sendo apuradas por meio de Inquérito Policial Militar instaurado pelo comando do 22º BPM/M. Os policiais que atenderam à ocorrência estão sendo ouvidos e testemunhas sendo convocadas a prestarem depoimento. Os PMs foram afastados do serviço operacional. A Corregedoria da Polícia Militar acompanha as investigações. A Polícia Civil também investiga o caso por inquérito policial instaurado pelo 80º DP. A vítima será ouvida assim que o estado de saúde permitir. Os familiares também serão chamados para prestar depoimento.

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