‘O policial falou que eu tinha sorte por não morrer’, diz amigo de jovem morto pela PM em favela de SP

    Testemunha estava com Jean Jhonatan da Silva, 25 anos, quando ele foi morto com 5 tiros na porta de casa, na zona leste da cidade; após matéria da Ponte, ouvidoria apura execução

    Jean foi morto na porta de casa, tanto esposa quanto testemunhas afirmam que não houve troca de tiro | Foto: arquivo pessoal

    Há dez dias Jean Jhonatan da Silva, 25 anos, foi morto na porta de sua casa, na Favela da Caixa D’água, no Cangaíba, zona leste da cidade de São Paulo. O jovem foi morto com 5 tiros. Segundo nova testemunha, que estava com Jean na hora da ação, a PM (Polícia Militar) não disse nada e começou a atirar no jovem.

    A testemunha, que é um amigo de Jean, preferiu não se identificar por temer represálias e porque já foi ameaçado pela PM no dia da morte. Ele contou à Ponte que está com muito medo, pois “eles [PMs] têm minha foto, tem tudo meu” e reforçou que preferiria não falar mais sobre o assunto.

    O jovem de 20 anos, que é auxiliar de cozinha, relata tudo o que viu e ouviu no último 5 de outubro. Diferente do que foi dito inicialmente à Ponte, o jovem afirma que o policial que efetuou os disparos que mataram Jean estava fora da viatura. Ele confirma a versão de que não houve trocas de tiros.

    “Na hora que o Jean saiu de dentro de casa, ele não viu que eu estava enquadrado. Quando viu tomou um susto. Nessa hora que ele [Jean] tentou entrar de novo, o policial já desceu atirando. Ele não estava dentro da viatura, ele efetuou os disparos fora da viatura”, explica o jovem.

    A testemunha ainda afirma que a viatura da PM estava subindo a rua, sentido à avenida principal, quando viu Jean com a arma na mão. O jovem não confirmou se Jean colocou a arma no chão ou não, mas as outras testemunhas ouvidas pela Ponte reforçam que, na hora dos tiros, a arma de Jean estava no chão. Na sequência, a policial mulher abordou a testemunha e o policial homem, sem falar nada, desceu da viatura e atirou no peito de Jean.

    “O Jean, então, viu que eu estava com os policiais e tentou voltar para dentro da casa dele, só que o policial, sem falar nada, já começou a atirar. Ele [Jean] não apontou a arma, não fez nada, aí o policial não falou nada e já meteu os tiros no meio peito do Jean”, defende a testemunha.

    Depois de Jean ser morto com 5 tiros, o policial, de acordo com a testemunha, virou para ele e o ameaçou. “Depois disso, eu me joguei no chão. Foi quando o policial veio e falou que ia me matar, mas quando ele olhou para o lado tinha umas duas pessoas próximas. Ele viu que as pessoas estavam de olho e voltou, desengatilhou a arma, e falou que eu tinha dado sorte por não morrer”, crava o jovem, que completa: “Aí eu fui para a delegacia e ele chegou na minha mãe e falou: ‘se seu filho estivesse saindo da casa junto com o Jean, eu tinha matado os dois'”.

    Ouvidoria investiga o caso

    Depois da reportagem da Ponte, a viúva de Jean, Suellem Juliana Gomes Ferreira, 22 anos, foi recebida por Benedito Mariano, Ouvidor das Polícias de São Paulo, acompanhada pela Rede de Proteção e Resistência contra Genocídio. O ouvidor afirma que ouviu a jovem e mais duas testemunhas.

    “Eu já encaminhei os termos de declarações à Corregedoria da Polícia Militar e vamos acompanhar o caso. Solicitei ao corregedor que assumisse o caso para que a investigação não seja feita pelo batalhão de origem dos policiais”, afirmou o ouvidor à Ponte nesta quarta-feira (13/11).

    Marisa Feffermann, da Rede de Proteção e Resistência contra Genocídio, acompanhou a viúva de Jean e duas testemunhas até a Ouvidoria. Marisa explica que a construção do medo e da insegurança, que se expande pela periferia, implica na falta de confiança nas pessoas.

    “Não é que elas não confiam em ninguém por uma questão subjetiva, mas por uma questão real. Então poder sair do seu espaço para ir na Ouvidoria, lutar pelos seus direitos, é um ganho. Essas três mulheres saíram do Cangaíba e foram para lá com um desejo único por justiça. Elas estavam assustadas, nem o contato com o centro da cidade era uma questão corriqueira para duas delas”, defende a integrante da Rede.

    Apesar de ser um processo invisível, explica Marisa, ir à Ouvidoria e conseguir falar é um ato de coragem para pessoas que foram vítimas de violência decorrentes de ações policiais. “Entrar em um lugar desconhecido, com a relação que elas têm com a polícia, e poder contar foi um ato de coragem. Foi um processo, em que primeiro elas puderam entrar em contato com o ouvidor e sentir que, de alguma forma ou de outra, estariam protegidas. Foi isso que pudemos construir. Elas puderam dar um recado”, afirma Feffermann.

    Em conversa breve com a reportagem, Suellem contou que agora acredita que terá justiça pela morte do marido. “Eu fui muito bem tratada lá. O ouvidor me deu bastante apoio, eu senti firmeza. Pelo tratamento que me deram, eu acho que vamos conseguir justiça”, afirma.

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