Meninos negros e pobres no parquinho de branco e rico?

    Mônica Nóbrega, especial para Ponte

     
    Estavam cinco crianças no parquinho da Sumaré,mais os respectivos adultos, mais dois trabalhadores da redondeza numa escapada para um cigarro. Era por volta de 2 da tarde, e eu só estava lá por folga no trabalho. Tinha avisado ao meu filho que já já iríamos para casa almoçar.

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    Chegaram dois meninos grandes, bem maiores que as criancinhas pequenas que frequentam aquela pracinha. Eram pobres, visivelmente mais pobres que todos nós. Eram negros. Usavam mochilas surradinhas, que não tiraram das costas, e começaram a brincar com toda a tranquilidade do mundo nos brinquedos.

    Em cinco minutos, o parquinho estava completamente vazio. Todo mundo debandou. Eu, com fome, queria ir embora também. Mas agora não podia mais. Não era humano ir embora, não era justo. Ficamos.

    Um dos meninos era desconfiado, calado. Ficou quieto num balancê, olhando. O outro tinha alguma deficiência de desenvolvimento cognitivo bem fácil de perceber. Era doce e sorridente, tinha muita necessidade de olhar nos olhos e sua fala e seus assuntos eram similares aos do Bernardo. Logo começaram a conversar.

    Perguntou se Bernardo era meu filho. Ao ouvir o sim, disse que não parecia. “Porque você é branca e ele é… moreno.” Contei que o pai do Bernardo é “pretão como você”. O menino sorriu e o outro, o arredio, pareceu relaxar. Chegou perto e entrou na conversa.

    Entre dizermos todos os nossos nomes e idades e os três brincarem nos brinquedos passou uma meia hora. Os meninos avisaram que precisavam ir embora. No último minuto, Bernardo perguntou se eram irmãos. Jonatas, o mais velho, de 15 anos, respondeu que eram primos. E foram, ele e Felipe, de 14 anos. Ganhei dois sorrisos quando disse “até a próxima” e escutei do Bernardo a pergunta se “quando eu for maior, você me deixa passear sozinho com meu primo?”.
    Eu admito que tive vontade de perguntar de onde eram os meninos, onde moravam. Estou contente de não ter perguntado. Tenho feito constantes exercícios de reconhecer os meus privilégios.

    É sempre muito mais fácil enxergar o preconceito dos outros; e a curiosidade sobre a origem dos meninos embute um preconceito. Não são daqui, não podem ser daqui. Perguntar teria sido cobrar um pedágio, uma satisfação: o que meninos negros e pobres estariam fazendo no parquinho do meu bairro branco e rico? Certeza que nessa parte da cidade onde vivo, meninos negros e pobres pagam esse tipo de pedágio o tempo todo, mesmo para estar nos espaços públicos como o parquinho da pracinha. Precisam confirmar que não são daqui, que estão apenas passando. Que não pertencem.

    Tanto não pertencem que causam incômodo insuportável a ponto de irem todos embora quando eles chegam.
    Lembrei de uma reportagem de TV da semana passada, aquela dos meninos negros e pobres que brigaram na rua em frente ao Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro. Brigaram uma briga boba, segundo a mãe de um deles, uma briga de escola. Rendidos pela polícia e cercados por um coro de pedidos de linchamento, um dos meninos, ajoelhado na calçada, foi chutado por um homem de meia idade. Chutado.

    O telejornal em questão foi procurar uma antropóloga para saber por que aquele sujeito – que não foi detido pelos policiais e, claro, ninguém sabe mais quem é – por que aquele homem tinha chutado um menino rendido. Porque a sociedade está assustada, está no limite com essa violência toda, disse a cientista social.

    Estou até agora revivendo o episódio do parquinho e pensando que a sociedade não está só assustada. Boa parte dessa sociedade, ao reproduzir sem pensar a respeito essa vida que exclui, ostenta, discrimina, repele e vai embora, está também provocando essa violência toda.

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    Zac
    Zac
    9 anos atrás

    Conheço a praça. É comum crianças negras brincando ali, texto exagerado.

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