O que se sabe sobre o desaparecimento de Cadu após abordagem da PM

    Carlos Eduardo desapareceu em 27 de dezembro de 2019 em Jundiaí (SP); policiais teriam ido para Campo Limpo Paulista após abordagem, segundo inquérito

    Carlos Eduardo dos Santos Nascimento, o Cadu, está desaparecido desde o dia 27 de dezembro | Foto: arquivo pessoal

    Desde o dia 27 de dezembro de 2019, a família de Carlos Eduardo dos Santos Nascimento, 20 anos, quer saber do paradeiro do jovem, que desapareceu depois de uma abordagem policial na periferia de Jundiaí, interior do estado de São Paulo.

    Segundo as investigações e relatos de testemunhas, o jovem estava em um bar, na rua Benedito Basílio Souza Filho, no bairro Jardim São Camilo, com mais quatro amigos quando foi abordado pela PM. Todos foram revistados, mas apenas Carlos Eduardo, único negro do grupo, teve o celular apreendido e foi levado pelos policiais.

    As investigações da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) de Jundiaí começaram no dia 2 de janeiro, depois de muita insistência do pai de Cadu, o segurança Eduardo Aparecido do Nascimento, 52 anos.

    Eduardo começou a procurar pelo filho no próprio dia do desaparecimento, passando por delegacias, hospitais, batalhão da Polícia Militar e pelo IML (Instituto Médico Legal).

    No dia 14 de janeiro, uma testemunha protegida foi ouvida na sede da Corregedoria da PM na capital paulista. De acordo com o relato obtido pela Ponte, a pessoa afirma que os policiais chamaram quatro pessoas para fora do bar. Na sequência chamaram Carlos Eduardo, que foi colocado sentado com as mãos próximas a um poste.

    Segundo o documento com o depoimento à Corregedoria, Cadu foi colocado algemado dentro da viatura. A testemunha conta que viu os policiais pegarem e manusearem o celular de Cadu. Os PMs teriam saído com o jovem na viatura por volta das 17h.

    Leia mais:

    Família denuncia sumiço de jovem negro após abordagem da PM

    Duas semanas depois, a família quer saber: onde está Carlos Eduardo?

    Trotes atrapalham investigações sobre Cadu, sumido após abordagem da PM

    No dia 28 de dezembro, depois das buscas iniciais dos familiares, Eduardo compareceu ao plantão do 1º DP de Jundiaí e, por volta das 20h, o boletim de ocorrência de desaparecimento de pessoa foi registrado pelo delegado Victor Hugo Pizzolatti.

    No dia seguinte, o delegado Josias Guimarães, da DIG, que se tornou o delegado titular das investigações, expediu um ofício ao 49º BPM/I (Batalhão da Polícia Militar do Interior) solicitando a escala dos policiais de plantão e os dados da viatura usada no dia e horário dos fatos.

    A primeira ligação anônima sobre o paradeiro de Cadu ocorreu às 21h47 do dia 2 de janeiro. Segundo a ligação recebida pelo COPOM/Campinas, um corpo havia sido visto no bairro Caxambu, sentido Chácara Mirim. O Comandante de Força Patrulha 1º Tenente PM Otávio Antonio Pinheiro informou que esteve no local e nada localizou.

    Quatro dias depois, em 2 de janeiro, o delegado abriu um Inquérito Policial para apurar os fatos. No dia seguinte, Guimarães determinou que os investigadores do DIG identificassem eventuais testemunhas e câmeras de monitoramento da região que Cadu desapareceu. Nessa mesma data, ele anexou aos autos do processo a resposta do 49º BPM/I.

    Na resposta do batalhão, veio a confirmação dos PMs que patrulharam o bairro São Camilo na tarde do desaparecimento de Cadu: 2º Sargento PM Anderson Torres, Soldado PM Júlio César de Lima e Soldado PM Denilson Lucas Diniz. Em 7 de janeiro, o nome dos PMs envolvidos na abordagem e número da viatura foram anexados aos autos.

    Além da Polícia Civil, a Corregedoria da Polícia Militar e a Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo estão apurando as informações do desaparecimento do jovem. Assim que a Corregedoria entrou no caso, os três PMs foram afastados das ruas e cumprem funções administrativas, recebendo normalmente seus vencimentos.

    A primeira testemunha foi ouvida pela Polícia Civil no dia 6 de janeiro, mesmo dia em que o delegado Guimarães solicitou a perícia na viatura usada na abordagem do dia 27 de dezembro.

    Ainda segundo o inquérito, uma testemunha que trabalha em um supermercado da região disse à Polícia Civil que, por volta das 17h30, estava trabalhando quando ouviu comentários de alguns clientes de que uma pessoa havia sido levada pela PM. O funcionário informa que a mãe de Cadu, Carla Fernanda dos Santos, 38 anos, esteve no supermercado no dia seguinte perguntando se havia imagens de sistema de monitoramento. Nas imagens, afirma a testemunha, não era possível ver a viatura.

    A partir do relato da testemunha, a DIG solicitou as imagens, mas afirma que não foi possível ver nenhuma viatura por volta das 17h do dia 27 de dezembro. Uma foto de uma viatura em frente ao bar, sem data, foi anexada aos autos. Populares foram ouvidos, mas não souberam confirmar o nome dos jovens abordados junto de Cadu.

    Segundo informações dos familiares, em 7 de janeiro, ocorreram buscas por Cadu com cães farejadores em dois locais em um matagal em Jarinu, município de São Paulo localizado a 35 km de onde o rapaz desapareceu. As buscas deste dia foram feitas pela Corregedoria da PM e cães do Batalhão de Choque da PM.

    No mesmo dia, a DIG solicitou as ligações do telefone de Cadu a partir das 16h do dia 27 de dezembro e solicitou cópia do relatório policial do dia dos fatos.

    Em 8 de janeiro, uma nova testemunha foi ouvida e alega que havia uma confraternização no bar quando, por volta das 15:30 horas, algumas pessoas entraram no local e anunciaram a chegada da PM.

    De acordo com o inquérito, a testemunha afirmou que a polícia chamou “quatro ou cinco pessoas suspeitas e as levou para fora do bar”, mas não presenciou a abordagem, por isso não consegue afirmar se alguém foi colocado dentro da viatura. A testemunha também disse que a polícia não ficou ali mais de 30 minutos e que ouviu vários comentários falando que um rapaz havia sido levado pelos PMs.

    No mesmo dia, o DIG recebeu o relatório da PM do dia dos fatos. O documento assinado pelos três PMs afastados mostrava que, naquela data e local do desaparecimento de Cadu, quatro pessoas foram abordadas, mas o nome do jovem desaparecido não consta no documento.

    Dois dias depois, em 10 de janeiro, o delegado Josias Guimarães acionou o ouvidor Benedito Mariano. Em 13 de janeiro foi a vez do Ministério Público ser acionado.

    Desde o dia 9 de janeiro, dois advogados representam os interesses da família de Cadu no caso. À Ponte, Fábio Juliate, um dos advogados, informou que algumas solicitações foram feitas. “Fizemos alguns pedidos e juntamos testemunhas no inquérito. Alguns requerimentos nós dependemos do juiz. Infelizmente, o promotor ignorou todos os nossos contatos”, explicou.

    Os advogados pedem a geolocalização das viaturas e a quebra de sigilo telefônico dos três PMs investigados no caso. Outro pedido é que cães farejadores sejam enviados para o bairro Pau Arcado, em Campo Limpo Paulista, onde, segundo as investigações, os policiais teriam ido depois do patrulhamento no São Camilo.

    Outro lado

    A reportagem entrou em contato com a DIG e obteve como resposta do delegado titular do caso, Josias Guimarães, que os trotes continuam atrapalhando as investigações, que seguem sem novidades.

    Em nota, a PM informou que “o Inquérito Policial Militar encontra-se em instrução e é sigiloso, conforme determina o Código de Processo Penal Militar”.

    Já a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo), liderada pelo general João Camilo de Campos neste governo de João Doria (PSDB), informou que “todas as circunstâncias relativas ao caso são apuradas pela DIG de Jundiaí e pelo IPM instaurado pela Polícia Militar. Mais informações não podem ser passadas para não prejudicar o trabalho policial. Os dados estão disponíveis para os advogados constituídos pelas partes”.

    A Ponte solicitou às assessorias da PM e da SSP entrevista com os três policiais investigados e afastados pelo desaparecimento de Cadu. A pasta se limitou a responder que “mantinha a nota já enviada à reportagem”, sem contudo responder à solicitação de entrevista. A defesa dos policiais também foi contatada via telefone do escritório, mas até o momento da publicação, não obtivemos retorno.

    A reportagem também questionou o Ministério Público sobre o caso, que respondeu com a seguinte nota: “o promotor, por ora, não está concedendo entrevista. As investigações estão em andamento. A Promotoria de Justiça de Jundiaí está à disposição para as partes envolvidas no caso”.

    (*) Reportagem atualizada às 15h07 do dia 24/1 para inclusão da nota do Ministério Público de SP

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas