‘A impressão que eu tinha era de que o policial ia me esmurrar na parede’, relata professora sobre a abordagem
Alunos da Escola Estadual Professor Lênio Vieira de Moraes, em Barueri, cidade na Grande São Paulo, ocuparam a unidade na noite desta segunda-feira (16/12) como forma de protesto ao possível encerramento das atividades da instituição. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Educação, o curso noturno é que estaria sob risco de fechamento.
A Polícia Militar do governo de João Doria (PSDB), gerida pelo secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, e pelo comandante-geral, coronel Marcelo Vieira Salles, cercou a escola e começou a ameaçar invadir o local. A professora Ângela Soares, 45 anos, foi tentar intervir e acabou sendo abordada por um policial. Conforme mostram algumas imagens de celular, o PM, com dedo em riste, encosta Ângela na parede, grita com ela e ameaça levá-la até a delegacia por resistência.
“A impressão que tinha que ele ia me esmurrar na parede. Ele veio com toda raiva para cima de mim, estava com ódio”, conta a professora em entrevista à Ponte.
A resistência durou toda a madrugada e os estudantes receberam na manhã desta terça-feira (17/12) a garantia por parte do governo do estado de São Paulo que a escola seguirá em pleno funcionamento em 2020.
Segundo os alunos, um dos problemas foi que os nomes de alguns estudantes constavam em listas de transferência para outras unidades, sem que houvesse qualquer tipo de diálogo por parte da secretaria com os pais de alunos e a comunidade escolar. Por isso, se organizaram para fazer o protesto.
A Secretaria Estadual da Educação, gerida pelo secretário Rossieli Soares garante que a reivindicação era voltada apenas para o ensino noturno na escola. Em documento enviado aos alunos e em nota à Ponte, a pasta garante o funcionamento da unidade para o próximo ano letivo, mas não explica se havia a intenção da escola em si ser fechada.
A abordagem policial
À Ponte, a professora Ângela relatou ter ido à escola por ser integrante da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e deveria acompanhar a ocupação feita pelos alunos. Antes de se abordada, conta ter visto viaturas da PM e da GCM (Guarda Civil Municipal) e ouvido dos policiais que entrariam e os alunos “iriam ver”, que eles “fariam acontecer”.
“Um aluno foi ao portão e tinham dois policiais, eu fiquei com medo deles invadirem a escola. Cheguei e disse: ‘calma, vamos conversar. São adolescentes, precisam dos pais’. E esse veio para cima com toda delicadeza que pode ser vista no vídeo”, conta a professora, que leciona para aluno de 1ª a 4ª série.
A profissional detalha que sentiu que o PM não estava aberto ao diálogo durante toda a abordagem. “Ele estava falando que ia me prender, para eu pegar meu documento. Não estava na minha roupa, estava no carro. Fiquei com medo de sair da parede, de dar as costas para ele”, prossegue.
Ângela conseguiu apresentar o RG com ajuda de um amigo, que pegou o documento no carro. No entanto, os PMs permaneceram com ele por cerca de duas horas, como conta à Ponte. A devolução teria acontecido somente após a professora ligar para a Corregedoria da PM e explicar o ocorrido.
“Todos os PMs estavam ao redor, olhando, não fizeram nada. Todos calados”, cita. “Acusaram que eu estava organizando tudo. Só orientei os alunos para não abrirem o portão porque os PM iam para cima deles com certeza. Se foram para cima de mim, que sou servidora pública, imagina com os alunos”, afirma.
Apesar da vitória, a sensação dos alunos é a de que podem ser perseguidos pela iniciativa que tiveram. O ato lembra as ocupações realizadas em 2015 em todo o estado contra o fechamento de escolas e o novo currículo escolar, que perderam força no ano seguinte após ações truculentas de desocupação por parte da PM.
À época, a PM agiu de acordo com recomendação do então secretário da Segurança Pública do Estado, o hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes. Ele orientou que policiais desocupassem prédios públicos sem liberação prévia da Justiça, o que foi acatado pela PGE (Procuradoria-Geral do Estado). Assim, PMs desocuparam escolas livremente. O caso segue no STF e o próprio Moraes é relator.
Segundo Ângela, os alunos da Lênio Vieira de Moraes preveem perseguições. “Eles estão com medo de serem perseguidos. ‘A PM vive me parando no bairro, tenho medo de me pararem por conta disso’, um aluno me contou”, diz a professora. “Falei para nos contatarem se qualquer coisa acontecer que entramos com advogado. Eles querem garantia que não aconteceria nada com eles”, continua.
Em nota enviada à Ponte, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informa que “a Polícia Militar analisa as imagens para identificar o policial envolvido e as circunstâncias relativas aos fatos”. A pasta não detalha se a ação do policial seguiu protocolos de abordagem da corporação.
A PM enviou posicionamento, no qual lamentou a “falta de diálogo” entre o policial e a professora, explicando que o 20º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano) apura as “circunstâncias” e “a conduta do policial”. “Ressaltamos que a abordagem e a busca pessoal são definidas pelo Código de Processo Penal e podem ser realizadas de acordo com a avaliação do agente policial”, diz a corporação, destacando que “a atividade policial e do magistério são preponderantes e insubstituíveis em qualquer sociedade democrática moderna”.
Já a Secretaria de Educação, liderada por Rossieli Soares, confirmou a manutenção da atividades da escola para 2020, tanto para ensino médio quanto para o EJA (Educação de Jovens e Adultos), que é curso noturno. “A Secretaria da Educação acredita que o diálogo com os alunos e a comunidade escolar é primordial para buscar soluções conjuntas para garantir o direito à educação de qualidade”, garantiu a pasta.
Atualização às 17h02 de terça-feira (17/12) para incluir posicionamento da Polícia Militar.