Moradores relataram mais de sete horas ininterruptas de tiroteio; em 4 dias, pelo menos 8 pessoas, sendo 3 adolescentes, foram mortos em ações da polícia em favelas do Rio
Cinco pessoas morrem e pelo menos oito ficam feridas durante operação dos batalhões de Operações Especiais (Bope), Choque e Ação com Cães da Polícia Militar do Rio de Janeiro, no Complexo da Maré, zona norte do Rio, na madrugada desta terça-feira (6/11). Nas redes sociais, moradores relataram mais de sete horas de tiroteio. Os primeiros tiros começaram por volta da meia-noite.
Uma das vítima é o professor William Filgueira de Oliveira, 35 anos, que morreu na Favela Nova Holanda, baleado por volta das 5h, de acordo com O Dia. Um rapaz, identificado até o momento apenas como Tiago, levou um tiro na cabeça, chegou a ser socorrido e levado ao Hospital Federal de Bonsucesso, mas morreu no caminho. A terceira vítima é uma mulher, de cerca de 40 anos, sem identificação, que levou um tiro na pélvis e foi levada para a unidade por um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Uma moradora da região de Pinheiro, que não quis se identificar, conversou com a Ponte e disse que havia policiais encapuzados por toda parte. “Parecia um cenário de guerra de filme. Infelizmente foi real. A madrugada inteira sem conseguir dormir, com medo. Meus conhecidos falaram que eles estavam entrando nas casas, esculachando morador”, acrescentou. “O primeiro tiro que ouvi foi meia-noite. Dai pensei ‘ué, de madrugada?’. Fiquei com medo, porque assim de noite, todos despreparados, dormindo, ninguém esperava por uma abordagem abusiva dessas”, completou.
“Eu só queria que amanhecesse logo na esperança disso tudo acabar, mas não acabou. Agora vamos enfrentar lutas pela manhã. Escolas sem aula, creches sem funcionar, moradores precisando ir trabalhar sem ter onde deixar seus filhos e o pior: estamos sem segurança”, concluiu. “Feridos, mortos, humilhados pela polícia, com casas invadidas. Isso não é vida”, finalizou.
O cantor Mc Rodson, 30 anos, estava na rua passeando com seu cachorro quando foi atingido no pulmão. “Ele foi socorrido pelos próprios parentes. Passou por uma cirurgia e agora está em observação no Hospital Municipal Evandro Freire, na Ilha do Governador. O quadro dele é estável”, disse um produtor do MC.
“Meu Deus, nunca senti tanto medo! Não sei se é bomba, tiro. Deus nos proteja”, disse uma moradora nas redes sociais. “Minha filha está com medo, não para de chorar. A gente só quer dormir. Até quando?”, desabafou uma moradora nas redes sociais. Até a publicação da reportagem na tarde desta terça-feira (6/11), ainda havia relatos de disparos.
Por volta das 3h30, um grupo de manifestantes colocou fogo em objetos na Avenida Brasil, sentido zona oeste, na entrada da favela. A Polícia Militar ainda não divulgou informações sobre feridos nem as circunstâncias em que foram baleados, apenas mandaram, por nota, que duas pessoas foram presas, drogas apreendidas e uma moto recuperada. Até o fechamento da reportagem, a informação oficial é de que a operação continuava.
Um mototaxista da Nova Brasília foi atingido de raspão na perna, na região da Fazendinha, e foi atendido na UPA do Alemão. Um outro motorista de caminhão foi atingido por volta das 9h53 na Canitar. Segundo moradores, ele também foi atingido na perna e socorrido. Procurada, a Polícia Militar informou que ainda não tem o balanço dessa operação.
Morto ao fechar a janela
No último domingo, um adolescente de 17 anos estava andando de bicicleta, na região conhecida como Faixa de Gaza, na favela de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, quando foi atingido durante confronto entre policiais e bandidos. De acordo com a Polícia Militar, suspeitos atacaram a UPP e houve troca de tiros.
Morador do Morro da Fé, na Penha, Wanderson Santos, 16 anos, morreu na manhã de sábado (3/11), atingido por uma bala quando foi fechar a janela do seu quarto. Segundo seu primo, que não quis se identificar, ele estava dormindo na casa da tia e acordou com o barulho de tiro. “O sonho dele era ser jogador de futebol. O menino era muito bom, responsa. Era uma criança estudiosa demais”, disse. “Ele se levantou pra fechar a janela e foi atingido na costela. Meu tio tentou socorreu, pegou ele nos braços mas ele chegou ao hospital morto. Vai fazer muita falta. Vi ele crescer. Mais uma criança com sonho interrompido”, finalizou.
Na última quinta-feira (1/11), por volta das 23h, Thiago de Souza, 14 anos, foi atingido por um tiro de fuzil nas costas, na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio. Ele chegou a ser levado para o Hospital Lourenço Jorge, passou por três cirurgias, mas não resistiu e acabou morrendo no sábado. “Meu filho morreu!! morreu. Não acredito”, disse Rosangela de Souza, mãe de Thiago. O corpo do menino ficou no Instituto Medico Legal (IML) até o início desta terça-feira porque a família não tinha dinheiro para sepultar. Moradores da comunidade se movimentaram online e fizeram uma vaquinha para poder enterrar Thiago com dignidade.