Operação da PM e GCM em SP termina com bombas, comércio fechado e três detidos

    Moradora e dona de um bar no mesmo local afirma que policiais entraram na casa dela sem mandado e sem motivo; Guarda Civil diz que foi recebida a tiros vindo do ‘fluxo’, aglomeração onde há venda e uso de drogas

    PM faz a contenção da área depois que tropa especializada deixou o local | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    “Mais um dia normal aqui”, desabafa o corintiano Alecssandro, nascido na Barra Funda e morador da calçada da Helvetia há 4 anos e meio. Tudo começou por volta das 11h30 desta terça-feira (30/4), quando a GCM (Guarda Civil Metropolitana) entrou em confronto com o “fluxo” – local onde há venda e consumo de drogas, localizado na rua Helvetia esquina com a Cleveland – por causa de uma denúncia sobre a existência uma arma de fogo no local. De acordo com testemunhas, bombas foram lançadas na aglomeração, o que causou correria e até pisoteamento de algumas pessoas.

    O presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Dimitri Sales, afirma que uma mulher passou mal e chegou a convulsionar. “Houve uma reação dos moradores do fluxo por causa de um suposto tiro disparado de dentro do fluxo e uma reação desproporcional da GCM. Quando chegamos aqui, o fluxo já estava muito tenso, a polícia tentou impedir que as pessoas saíssem e houve lançamento de bombas. Teve gente que passou mal por causa do gás e uma garota convulsionou bem na nossa frente. Precisamos até mesmo ampara-la”, explica.

    A GCM afirma que tudo aconteceu porque foram disparados tiros de dentro do “fluxo” na direção da guarnição e que, mais tarde, uma arma calibre 32 foi encontrada. O Caep (Companhia de Ações Especiais) da PM (Polícia Militar) foi acionado e, ao chegar ao local, mais bombas foram lançadas, além de disparos de bala de borracha, ainda segundo frequentadores do local.

    A Ponte conversou com dois comerciantes que confirmaram que, por volta das 14h, fecharam as portas por questões de segurança e para se proteger do gás, e só voltaram a abrir perto das 17h.

    Tapume metálico destruído na hora do tumulto | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    Uma mulher, que por medo de represália não quis se identificar, afirma que a sua casa e o bar do qual é dona – localizado na parte da frente do imóvel – foi invadido por mais de dez policiais sem qualquer justificativa. “Não quero falar meu nome, porque até fotografar me fotografaram. Estou com medo. Eu saí para uma entrevista de trabalho, quando voltei já estava aquela confusão. Os policiais bateram na minha porta, eu abri, entraram dez ou quinze policiais aqui dentro, entendeu?”, relata.

    “Fiquei com medo que eles forjassem a gente e fui até lá nos fundos da casa, eles reviraram tudo. Falei que podia me filmar, porque não devo nada para a justiça, para ninguém”. Ela afirma que vive há cerca de 5 anos no local, que a violência não é rara, mas que foi a segunda vez que policiais invadiram seu imóvel. “Jogaram tudo no chão”.

    Dona de bar afirma que policiais invadiram e remexeram em tudo | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    Integrante da ONG É de Lei, que atua no território sob a ótica de redução de danos, Leôncio Nascimento, afirma que desde a manhã acompanhou a movimentação dos agentes de segurança e definiu como “desastrada” a ação. “O cenário é mais ou menos esse: começou com uma ação desastrada da GCM, provocada por uma falta de tato deles em lidar com as pessoas daqui, levando em conta as especificidades do território. Muito se fala sobre a inefetividade do que se produz enquanto cuidado aqui na região, mas ao mesmo tempo que existe um braço da prefeitura que ainda oferece um cuidado, tem o outro que destrói todos os vínculos criados pelo sistema de saúde e de assistência social”, analisa. “Não há perspectiva de conseguir haver um progresso aqui, qualquer tipo de cuidado, quando a violência é uma estratégia de intervenção”, critica Leôncio.

    Ele explica que a justificativa para a primeira investida com bombas contra o “fluxo”, ocorrida perto das 12h, foi uma insistência para que barracas fossem desmontadas, mas sempre na base da ameaça. “Eles se negaram, houve a investida, eles se revoltaram. Aí teve mais bomba, pisoteamento na hora da correria, uma menina convulsionou. Depois que tudo passou a gente recebeu relatos de gente que teve o imóvel invadido e que tiveram os pertences depredados pela força policial. Tudo errado”, conclui Leôncio.

    Vida normal na Cracolândia depois da saída da PM | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    O trânsito ficou bastante comprometido na região central da cidade devido ao aparato das forças de segurança bloquearam algumas vias por por mais de 4 horas. Pelo menos 34 linhas de ônibus tiveram circulação afetada até as 17h.

    Pelo menos três pessoas foram detidas suspeitas de tráfico de drogas e levadas ao Denarc (Departamento de Narcóticos da Polícia Civil). Foram apreendidas 6 munições calibre 38, duas balanças de precisão, 12 pedras de crack, 12 pinos de cocaína, 8 trouxinhas de maconha e R$ 102.

    Em nota à imprensa, a Guarda Civil Metropolitana informou que foi prestar apoio, como de costume, à equipe de limpeza da prefeitura de São Paulo na região da Nova Luz e foi recebida com disparos de arma de fogo. “Nenhum agente foi ferido”.

    A Ponte procurou a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) para questionar sobre as supostas invasões à residência e a quantidade de munições menos letais usadas na ação, mas, até o momento da publicação, não havia retorno. Em nota, a Polícia Militar esclarece que “foi acionada para prestar apoio à GCM durante operação na região mencionada pela reportagem. A instituição adotou estratégias para contenção de distúrbios e ações de quebra da ordem. A PM esclarece que qualquer denúncia com relação à conduta dos agentes em serviço pode ser formalizada junto à Corregedoria, para devida apuração”.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas