Órgão de combate à tortura é impedido de entrar em presídio no Espírito Santo

    Presos fizeram greve de fome para denunciar supostos casos de maus-tratos, que segundo eles, são recorrentes; foi a primeira vez que entidade foi proibida de entrar em unidade prisional

    A Penitenciária de Segurança Média II integra o Complexo de Viana, região metropolitana da Grande Vitória | Foto: Adriano Horta/Jornal A Tribuna

    Um mês depois de detentos da Penitenciária de Segurança Média II, na região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo, entrarem em greve de fome, peritos do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) foram impedidos de vistoriar, fotografar e filmar o presídio na semana passada. A Penitenciária de Segurança Média II integra o Complexo de Viana.

    Coordenadora de Execução Penal da Defensoria Pública do Espírito Santo, Roberta Ferraz conta que ocupantes de duas das cinco galerias do presídio entraram em greve de fome para denunciar abusos, entre eles o uso de armamentos menos letais, como spray de pimenta, truculência no tratamento diário aos detentos por parte dos agentes carcerários, ameaças e maus tratos aos familiares durante as visitas quinzenais.

    “Cientes da greve, três defensores públicos foram ao presídio e ouviram os detentos. As reclamações eram de truculência, violência psíquica e moral no tratamento concedido aos presos e aos familiares pela direção e pelos inspetores penitenciários”, relata. Diante dessas denúncias de maus tratos, a Defensoria Pública enviou relatório ao Governo do Estado pedindo que alguma medida fosse tomada.

    Na última semana, foi a vez dos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura de entrarem em cena. Quatro dos onze profissionais que compõe o órgão saíram de Brasília (DF) e embarcaram rumo ao Espírito Santo vistoriar a condição dos detentos.

    Vinculados administrativamente ao Ministério dos Direitos Humanos, os peritos possuem autonomia para determinar os locais de vistorias e tem como objetivo principal fortalecer a prevenção e o combate à tortura em locais de privação de liberdade. Com um detalhe: os profissionais são amparados pela Lei nº 12.847, que garante seus acessos às instalações de privação de liberdade. Mesmo assim foram barrados pela diretoria da unidade, ligada à Secretaria de Estado da Justiça.

    Um dos peritos que foi à Penitenciária de Segurança Média II, Daniel Caldeira de Melo conta que a equipe foi impedida pela diretora do presídio de entrar em sua “integralidade”, com os próprios equipamentos de filmagem e fotografia – que ajudam a balizar os relatórios das visitas. A diretora, segundo ele, sugeriu que fossem usados equipamentos da própria penitenciária – o que não foi aceito pelos peritos.

    A equipe do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura também solicitou documentos à diretoria do presídio, mas o pedido foi negado. Foram feitas três visitas: no dia 06 de novembro, em que houve impedimento do acesso ao interior da unidade, em que houve duas tentativas – ambas negadas – e uma terceira tentativa, no dia 09 de novembro , que foi bem sucedida depois de negociações e reclamações.

    Acabaram se envolvendo no entrave para ajudar que a vistoria fosse feita a Secretaria Estadual de Direitos Humanos, a Defensoria Pública do Estado, o Ministério de Direitos Humanos, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadãos, do Ministério Público Federal; além da Coordenação Colegiada do próprio Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

    Segundo Daniel Caldeira de Melo, a vistoria foi avisada com um mês de antecedência ao Governo do Espírito Santo, sem detalhamento do dia exato, nem da unidade visitada, como de praxe. “Foi a primeira vez que isso aconteceu com uma equipe do mecanismo”, protesta. Com muito custo, os peritos conseguiram conversar com os presos da Penitenciária de Segurança Média II, fotografar e filmar as condições do local.

    A Secretaria de Estado da Justiça foi procurada por e-mail e questionada sobre as denúncias de maus tratos, a greve de fome e os motivos que levaram a direção do presídio a impedir os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura de entrar na unidade, mas até a publicação da reportagem a pastas não havia retornado.

    O perito Daniel Caldeira de Melo não adiantou à Ponte o que foi apurado no presídio, uma vez que o resultado da vistoria estará num relatório oficial que será divulgado em cerca de um mês. “O sistema penitenciário é uma verdadeira caixa preta”, disse Caldeira.

    Comida de animais para os presos

    Denúncias envolvendo o sistema carcerário do Espírito Santo não são novidade. Em julho do ano passado, um grupo de detentos foi alimentado com comida imprópria para consumo humano, segundo relatório do governo estadual o qual a Folha de S.Paulo teve acesso.

    O relatório da Gerência de Controle, Monitoramento e Avaliação de Gestão Penitenciária, da gestão estadual de Paulo Hartung (PMDB), apontou que alguns presos estavam sendo alimentados com refeições que continham “recortes de carne suína”, que, de acordo com o documento, é de uma “carne industrial utilizada exclusivamente como insumo de produção de embutidos e processados”.

    O laudo apontava que a carne não passou pelos processos necessários de produção para ser levada devidamente à mesa. No estágio em que se encontrava, o alimento poderia ser usada apenas como matéria prima na produção de embutidos. Há indústrias, inclusive, que utilizam da carne nesta etapa para alimentar animais.

    De acordo com o relatório, uma médica veterinária do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo, via e-mail, constatou que aquele tipo de corte “é de uso exclusivo para fins industriais, não sendo, portanto, permitido seu uso para preparação de refeições”.

    Grande parte dos detentos contaminados ficaram doentes após comer pão com presunto oferecido nas unidades prisionais. A contaminação, segundo o relatório, foi confirmada pela Vigilância Epidemiológica após análise em água e fezes de presos.

    “O produto em questão era impróprio para o consumo humano por conter indicadores da presença de bactérias patogênicas e número elevado de estafilococos coagulantes positivas [que causam uma série de doenças que podem se manifestar na pele ou em outras partes do corpo}“, declarou a Secretaria Estadual de Saúde.

    A série de irregularidades ainda incluiu substituição irregular de carnes por embutidos, possibilitando ganho para a empresa, fornecimento de alimento com peso inferior ao contratado e entrega de refeições em veículos inapropriados dos previstos em contrato.

    Diante das denúncias, a secretária de Estado de Justiça abriu procedimento administrativo para apurar as irregularidades cometidas pela empresa responsável pela alimentação dos internos.

    Entre janeiro de 2012 e maio de 2017 foram abertos 380 processos administrativos contra a empresa para apurar irregularidades encontradas em fiscalizações. A empresa chegou a ser dona de 13 dos 34 contratos de fornecimento de alimentos firmados com o governo estadual. Com isso, a companhia ficou responsável pela alimentação de 53% dos cerca de 19 mil presos do sistema prisional capixaba.

    À época, a empresa não se manifestou e o secretário de Justiça do Espírito Santo, Wallace Tarcísio Pontes, disse que a fiscalização da empresa seria mais intensa. Segundo ele, o problema só foi descoberto após um pente-fino feito pela própria pasta.

    Pontes também confirmou que presos passaram mal após ingerir sanduíches. “Usaram produto fora do acondicionamento antes de servir, provocando problemas”, afirmou.

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