Após reportagem da Ponte, Ouvidoria pede afastamento de PMs por ‘mensalão’ do tráfico

    Para ouvidor, Corregedoria deve afastar policiais da zona norte de SP investigados por matar morador de rua e receber propina

    Fachada do 5º BPM/M, na zona norte de São Paulo, de onde são os PMs investigados | Foto: arquivo pessoal

    A Ouvidoria da Polícia de São Paulo quer o afastamento de ao menos 5 policiais militares do 5º BPM/M (Batalhão da Polícia Militar Metropolitano), na zona norte de São Paulo, investigados pela Corregedoria do órgão suspeitos de simularem um tiroteio para encobrir a execução de um homem em situação de rua, cobrarem propina de uma “biqueira” (ponto de tráfico de drogas) e de terem roubado um fuzil de um criminoso. .

    O ouvidor Benedito Mariano afirma que tomou conhecimento dos fatos a partir da denúncia exclusiva da Ponte e que considera o episódio “muito grave”. “Vou instaurar procedimento e solicitar à Corregedoria que todos sejam afastados”, afirmou.

    Pelo menos quatro e-mails com essas denúncias chegaram, em dezembro, à Corregedoria da PM, que abriu uma investigação. As denúncias aponta que, além de uma “caixinha” feita com o “mensalão” do tráfico, o dinheiro das extorsões era usado para fazer festas, muitas delas com bebida e drogas, mesmo em horário de trabalho. Até o momento, o que se sabe é que há dois inquéritos contra os PMs do 5º Batalhão.

    Ponte questionou o corregedor da PM Coronel Marcelino Fernandes sobre as investigações. Ele informou que só falaria sobre o caso se fosse autorizado pelo comando-geral da corporação. Desde o dia 29/1, a reportagem aguarda uma resposta sobre o pedido de entrevista com Fernandes.

    A denúncia

    A denúncia indica que militares do 5º Batalhão, na zona norte de SP, teriam extorquido traficantes, roubado um fuzil e simulado tiroteio para encobrir execução.

    Em conversas de WhatsApp obtidas pela Ponte alguém identificado como sargento Silas combina com um suposto traficante a forma de pegar o dinheiro do “mensalão” e cobra um aumento do valor da propina. A partir do cruzamento de dados do departamento pessoal da PM, a Corregedoria passou a investigar o policial Silas Souza da Silva sob suspeita de exigir dinheiro de traficantes.

    A outra policial apontada pela denúncia como a responsável por recolher a propina seria a cabo Renata Augusta de Lima, chamada em uma das mensagens de “Katy Mahoney” (jargão para se referir a uma PM feminina e destemida, em referência a personagem do seriado Dama de Ouro).

    Uma das conversas de Whatsapp obtidas pela reportagem discute valores da propina

    Um outro caso denunciado por e-mail à Corregedoria da PM teria acontecido em outubro, quando policiais do 5º Batalhão detiveram um suspeito de integrar a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

    Os PMs teriam tentado extorqui-lo pedindo R$ 100 mil, mas ele não tinha a quantia em dinheiro e, para não ser preso, negociou um “fuzil na caixa”, ou seja, novo. A oferta foi aceita e o suspeito liberado.

    De acordo com as denúncias, participaram da troca da liberdade de um membro do PCC por um fuzil novo o tenente Diego Reginaldo Pereira e os cabos Marcus Esperidião Silva Junior e Douglas de Oliveira Santos.

    Por volta das 2h50 de 21 de dezembro de 2019, os mesmos PMs usariam o fuzil Colt Sporter Competition em um caso na rua Lavínia Pacheco e Silva, no Tucuruvi (zona norte de SP), registrado como “morte em decorrência de intervenção policial”.

    Segundo informações do Copom (Centro de Operações da PM), Diego, Marcus e Oliveira estavam em patrulhamento quando tentaram parar dois veículos em “atitude suspeita”. Os ocupantes do carro teriam atirado contra os militares, que revidaram. 

    Dois suspeitos dos carros teriam fugido e um terceiro, registrado nos documentos oficiais da Polícia Civil sobre o suposto tiroteio como “desconhecido”, foi morto.

    As denúncias recebidas pela Corregedoria e também pela Ponte apontam que o tiroteio foi forjado e que, na verdade, os policiais mataram uma pessoa em situação de rua e plantaram a arma para justificar sua morte.

    Os PMs do 5º Batalhão foram denunciados à Corregedoria em 24 de dezembro sobre o roubo do fuzil e a possível ação planejada para matar uma pessoa e forjar uma ocorrência.

    No comunicado também havia o relato de um outro fato grave: o de que os PMs estavam fazendo um churrasco “com bebidas e drogas”, segundo denúncia, com parte do dinheiro conseguido com a extorsão contra criminosos da zona norte de SP. 

    A tenente Luciane, integrante da Corregedoria da PM, foi investigar as denúncias naquele mesmo 24 de dezembro de 2019, mas quando chegou ao batalhão teria sido impedida pelo tenente Diego de fazer a revista.

    Mais conversas no WhatsApp apontam a coação contra a tenente. Alguém indicado como cabo Oliveira escreveu: “Corregedoria? Me preocupar com Corregedoria? Com quem? Com aquela tenente puta que veio aqui?”.

    Alguns PMs do 5º Batalhão passaram a discutir o caso e o cabo Oliveira novamente se manifestou, segundo material a que a Ponte teve acesso: “Ninguém foi preso nada. Só porque você ficou umas horas na Correg já tá aí se cagando. Tático é isso, mano”. E na sequência continuou: “A gente matou duas vezes em menos de seis meses estive, cadê você na resenha?”.

    Em novo e-mail enviado à Corregedoria da PM, em 27 de dezembro de 2019, o denunciante afirmou ter avisado o órgão sobre os cometimentos de crimes por integrantes do 5º Batalhão e deu a entender que havia informado a forma como os três policiais matariam uma pessoa e fingiriam ser uma “morte decorrente de intervenção policial”. A reportagem não divulgou os e-mails a pedido do denunciante.

    Outro lado

    No dia 29 de janeiro, a Ponte questionou a Polícia Militar e a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), por meio da empresa terceirizada Inpress, sobre todos os casos denunciados e também sobre a situação dos policiais investigados. A Segurança Pública confirmou que os PMs são investigados a partir de uma denúncia anônima. “Um inquérito policial militar foi instaurado e avocado pela Corregedoria da instituição. Os PMs envolvidos são ouvidos. A instituição esclarece ainda que não compactua com desvio de conduta de seus agentes e todos os casos que chegam ao conhecimento da instituição são prontamente investigados e as medidas cabíveis adotadas”, diz nota.

    A reportagem pediu entrevista para a SSP-SP e PM com os policiais diretamente citados – Cabo Douglas de Oliveira Santos, Cabo Renata Augusta Lima, Cabo Marcus Esperidião Silva Junior, Tenente Diego Reginaldo Pereira e Sargento Silas Souza da Silva – e com o corregedor Coronel Marcelino Fernandes, e aguardamos uma resposta desde o dia 29. A Ponte também entrou em contato diretamente com os envolvidos e, até esta segunda-feira (3/2), dois deles responderam: cabo Marcus afirmou duas vezes que não ia se pronunciar. Já o contato indicado como sendo do cabo Douglas Oliveira dos Santos escreveu o seguinte: “acho que você entrou em contato com a pessoa errada, não sou o Oliveira”.

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