Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da PUC-Rio analisou 30 mil casos da doença no Brasil; “desigualdade mata mais que a Covid-19”, diz pesquisador
Um paciente negro não alfabetizado tem 4 vezes mais chance de morrer de coronavírus do que um paciente branco com nível superior. É o que conclui a “Análise socioeconômica da taxa de letalidade da Covid-19 no Brasil“, realizado pelo NOIS (Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde), liderado pelo Departamento de Engenharia Industrial do Centro Técnico Científico da PUC Rio.
A base de dados usada no estudo é do Ministério da Saúde, que tem divulgado dados racializados de casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). A nota técnica analisou cerca de 30 mil casos, entre óbitos e recuperados. A base de dados foi extraída em 21 de maio, contendo dados atualizados até o dia 18.
Dos 29.993 casos analisados, 13.558 são óbitos e 16.435 recuperados. A faixa etária que mais concentra mais mortes é de 70 a 79 anos, com 3.045 casos. Pacientes de 50 a 59 anos ocupam a segunda posição com mais óbitos: 2.856, sendo 2.497 recuperados.
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Na base de dados usada no estudo, 9.988 são pessoas brancas, 8.963 pessoas negras (soma de pretas e pardas), 305 pessoas amarelas e 54 indígenas. Em 5.651 casos, o perfil de raça/cor não foi informado.
Em todos os níveis de escolaridade analisados pelo estudo (sem escolaridade, fundamental 1, fundamental 2, médio e superior), a população negra possui mais casos de óbitos.
O dado que destaca a maior desigualdade indica que “pretos e pardos sem escolaridade mostraram uma proporção 4 vezes maior de morte do que brancos com nível superior, ou seja, 80,35% contra 19,65%”, diz estudo. Mas as diferenças não param por aí.
Negros apresentaram proporção de óbitos, em média, 37%
maior do que brancos na mesma faixa de escolaridade. Até quando falamos em ensino superior a doença é mais fatal para a população negra: 29,63% de óbitos. Entre os brancos, 19,65% mortes.
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Entre os brancos, os óbitos somam 3.788 casos e 6.200 recuperados. Entre a população negra o número de óbitos é maior: 4.226 casos, com 3.376 recuperados. Ou seja, 62,7% dos brancos se recuperaram e apenas 45,2% dos negros.
Quem explica o estudo à Ponte é o professor Silvio Hamacher, coordenador do NOIS. “Não usamos renda nessa base. Não sabemos quanto a pessoa ganha. Mas a escolaridade é uma boa aproximação de renda no Brasil”, avalia.
“A hipótese é que os mais ricos têm melhor desfecho [da doença], sobrevivem, e os mais pobres morrem. A Covid é um problema novo, mas a desigualdade social é um problema muito antigo. A desigualdade mata muito mais do que o coronavírus”, explica Hamacher.
A motivação da nota técnica coordenada por Hamacher foi o estudo de Nova Iorque, que mostrou que os negros morrem mais. Segundo dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), 30% dos pacientes com Covid-19 são negros.
“No Brasil, quem tem menos condição socioeconômica tem pior acesso à saúde e moram mais pessoas nas casas. A grande mensagem é a falta de acesso”, avalia o coordenador.
“O cara com menor escolaridade, no município mais pobre, vai chegar ao hospital em condições muito ruins, em um estágio muito avançado da doença”, completa.