Pai e filha perdem parte da visão após ação da GCM: ’em branquinho eles não atiram no rosto’

Geovanna Teixeira foi atingida no olho com bala de borracha e o pai dela, Joab Teixeira, teve a visão comprometida ao ser atingido por estilhaço após abordagem de guardas da Romu, em Osasco (SP), em maio; caso é investigado e família quer indenização do município

Quando tinha quatro anos, a funcionária pública Geovanna Tawanne Carvalho Teixeira, 21, brincava com seus irmãos quando um deles acabou atirando uma pedra que acabou atingindo seu olho direito e comprometendo parte da visão. “14 anos depois, eu voltei ao Hospital das Clínicas sem o meu outro olho”, lamenta ao lembrar do dia 2 de maio deste ano, quando perdeu a visão ao ser atingida no olho esquerdo por uma bala de borracha por guardas da Romu (Ronda Operacional Municipal), da Guarda Civil Municipal de Osasco (Grande SP).

Depois de algumas semanas hospitalizada, a jovem recebeu a Ponte e conta que estava saindo do portão do prédio onde mora para socorrer o pai, o gari Joab Santos Teixeira, 42, que estava sendo agredido pelos guardas. “Eu vi meu pai caído no chão, só conseguia pensar ‘mataram meu pai’, quando eu saí, o guarda estava lá atrás do poste, quando eu virei para sair, ele atirou em mim”, lembra. “Vi o sangue descendo, só conseguia gritar ‘meu olho, meu olho’, e um rapaz me deu a blusa para por no rosto. Nenhum deles [GCMs] me socorreu”, prossegue.

Joab também teve a visão do olho esquerdo comprometida ao ser atingido por estilhaço de bala de borracha, além de ter sido alvejado no braço e no abdômen. “Eu enxergo como se fosse um vidro de box de banheiro embaçado”, descreve. Ele conta que estava com amigos em um bar na Rua Gabriel Soares de Souza, próximo ao prédio onde moram, quando os GCMs apareceram no local para pedir que o volume do som fosse abaixado, o que foi acatado.

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“Um dos guardas ficou olhando para mim e disse ‘tá olhando o quê? gostou?’ e eu falei ‘eu não gosto de homem'”, relatou um confeiteiro de 27 anos que estava com Joab no bar. Em seguida, ele conta que os guardas foram abordá-los e um deles deu um cabeçada nele. “Eu fiquei tonto, vi o meu nariz sangrando e revidei com um soco e corri”, prossegue. Vídeos gravados por moradores mostram o rapaz sendo arrastado pelos GCMs e um deles dá um chute na cabeça dele. O jovem relata ainda que ao ser detido foi levado para um local desconhecido onde foi agredido e depois foi encaminhado à delegacia. “Me ameaçaram dizendo que se eu falasse que eu tinha caído da escadaria, que iriam atrás de mim porque sabem onde eu trabalho”, denuncia.

No boletim de ocorrência, os guardas Alexandre Tavares e Alexandre Jesus Pignatari disseram que faziam patrulhamento pela Avenida Benedito Alves Turíbio, por volta das 00h30, quando munícipes teriam solicitado que eles fossem até a Rua Gabriel Soares de Souza onde estaria acontecendo um “pancadão”. Alegaram que no local haviam 100 pessoas e que pediram para que o volume do som no “Bar dos Amigos” fosse baixado e que as pessoas saíssem da via, mas que não teriam atendid. Imagens obtidas pela Ponte de uma câmera de segurança no local mostram que não havia aglomeração na rua.

Momento em que viatura da Romu chega ao bar na Rua Gabriel Soares de Souza | Foto: reprodução

Esses guardas acabaram pedindo reforço e na Rua João Guimarães Rosa, nas proximidades, outros apareceram, segundo a família. Na ocasião, a irmã de Geovanna, Nycole, 23, contou à reportagem que eles agiram com violência. “Eu encontrei meu pai e a gente estava indo em direção à casa do meu avô, que fica perto, e na hora que ele estava recebendo um sermão por estar no bar aquela hora, os guardas da Romu abordaram ele”, conta Nycole. “Um veio por trás e começou a apontar e a pegar na cintura dele com truculência e eu disse que se ele [GCM] continuasse com essa abordagem, eu ia filmar”, prossegue. Nesse momento, ela afirmou que o guarda lhe deu um soco e ela acabou caindo no chão. “Meu pai veio para me socorrer e nessa hora começaram a jogar spray de pimenta e um deles atirou para cima para o pessoal se afastar, todo mundo saiu correndo, mas meu pai ficou”, lembrou na época.

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Joab conta que os GCMs dispararam balas de borracha e jogaram bombas de gás. “Nisso que elas correram, um já me deu uma cotovelada e o outro me bateu com a espingarda e já deu um tiro, que pegou no meu rosto, furou meu globo ocular, fiz cirurgia que nem a Geovanna, e eu caí e só comecei a ouvir os tiros”, lembra o gari.

Geovanna conta que foi levada a um hospital municipal, mas acabou transferida para o Hospital das Clínicas, na capital paulista, por causa da falta de especialidade em Osasco. Hoje ela faz acompanhamento médico para substituir a fim de implantar um globo ocular de vidro no local onde foi atingida e conta que sente medo quando vê uma viatura na rua. “Eles tratam a gente que nem lixo porque a gente é negro, porque em branquinho eles não atiram no rosto, eles agem assim só em favela, em comunidade”, critica. “Eu fui em um churrasco na casa da minha tia e vi uma viatura na rua e comecei a chorar, pedindo para voltar para casa”, lamenta.

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“A gente fica receoso porque a forma como nos trataram não é feito nem com animal, eles têm que ser treinados para lidar com ser humano”, prossegue Joab.

A família está juntando material em vídeos a fim de, assim que concluídas as investigações pela Polícia Civil, pedir uma indenização à prefeitura de Osasco. “Meu caso não é o primeiro e nem vai ser o último, a gente vai lutar por justiça, porque a gente não pode continuar a ter uma polícia [guarda] assim”, afirma Geovanna.

O que diz a prefeitura de Osasco

Na época em que a Ponte denunciou o caso, a assessoria da prefeitura informou que os guardas Alexandre Tavares, Alexandre Jesus Pignatari, Izaias Augusto de Souza e Antonio Marcos da Silva haviam sido afastados das ruas e o caso estava sendo apurado pela Corregedoria da GCM. A reportagem procurou novamente a pasta e aguarda uma resposta.

O que diz a Polícia Civil

Durante a elaboração do boletim de ocorrência, na ocasião, o delegado Bruno Martins de Mello solicitou exame de corpo de delito em todos os envolvidos e perícia nas ruas onde o caso aconteceu, já que considerou as “versões divergentes” e “necessidade de maiores elementos para a completa apuração dos fatos” antes de indiciar alguém.

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A Ponte procurou novamente a assessoria da Secretaria de Segurança Pública sobre as investigações do caso, que encaminhou a seguinte nota:

O caso é investigado pelo 8º Distrito Policial de Osasco. As partes envolvidas na ocorrência já foram ouvidas e a unidade aguarda a conclusão dos laudos periciais, que estão em andamento.

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