Para especialistas, polícia foi conivente ao não autuar pessoas com símbolos nazistas

    Três jovens com suásticas abordados na avenida Paulista, em SP, no protesto de domingo foram liberados ao chegarem na delegacia

    Policiais na avenida Paulista cercaram a Estátua de Anhanguera, em frente ao Parque Trianon, no protesto deste domingo | Foto: Pedro Nogueira Ribeiro/Pavio

    Três jovens com indumentárias nazistas levados a uma delegacia de São Paulo, no domingo (14/6), deixaram o local sem sofrer qualquer consequência pela propagação do crime de divulgação do nazismo. Especialistas em grupos neonazistas e atividade policial classificam o caso como conivência.

    O trio estava na Avenida Paulista, onde aconteceu ato a favor da democracia, pelo fim do genocídio da população negra e em repúdio a ações e falas autoritárias do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores.

    Leia também: Polícia Civil de SP investiga grupo por apologia ao nazismo

    Os três eram abordados por PMs quando outras pessoas questionaram o uso da suástica na camiseta de um deles. “Infelizmente a gente vive em um país que a democracia é isso”, respondeu um policial, em vídeo feito pelo repórter Luís Adorno, do Uol. Apesar das suásticas nas roupas dos três homens, a Polícia Militar afirmou que os jovens não eram nazistas.

    Durante a abordagem, um policial branco sem identificação agrediu o jornalista negro com um empurrão pelas costas, fazendo o celular com que ele registrava a abordagem cair e a tela ficar danificada.

    Policiais civis do 78º DP (Jardins) argumentaram que os jovens não eram neonazistas, mas estavam com camisetas de bandas, conforme noticiado pelo Uol.

    Uma das camisetas é da banda norueguesa Burzum, com várias suásticas desenhadas no braço. Varg Vikernes, criador do grupo, defende a supremacia branca e foi preso por 21 após matar um companheiro de sua antiga banda, a Mayhem. Varg, como é conhecido, respondeu processo por queimar igrejas e por organizar um ato terrorista de extrema-direita.

    Para a antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, professora da Universidade Estadual de Campinas e estudiosa de grupos neonazistas, havia um claro cometimento de crime.

    “Fazer apologia ao nazismo é crime, inclusive é agravado quando se utiliza de meios de comunicação”, pontua. “Mas o PM não faz nada, a investigação não faz nada e depois o juiz não faz nada”, prossegue.

    Há lei específica que trata de apologia ao nazismo: o artigo 20 da lei 7.716/89, que define como prática a indução ou incitação de preconceito por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

    No texto, o “crime de divulgação do nazismo” consiste em “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. A pena é de dois a cinco anos de prisão mais multa.

    “A questão nem é se é crime ou se não é crime, é se há ou não uma disponibilidade dos agentes públicos para investigar”, pontua Adriana Dias. Segundo ela, o poder público deve ser cobrado por não tomar atitudes.

    Leia também: Embaixador da Ucrânia ‘se fez de bobo’ ao omitir nazismo em bandeira, diz historiador

    “O fato de o presidente ser muito condescendente com esses grupos, e esses grupos estarem na base da sua resistência, de seu governo, faz com que esses grupos sejam toleráveis?”, questiona.

    Para ela, o Brasil está “em um nível de nazificação muito absurdo”. Conforme monitoramento de pesquisas dela, há 353 células neonazistas em atividade no Brasil atualmente. “Essas pessoas se sentem extremamente confortáveis para destilar ódio. Antes estavam apenas lendo material. Agora, se sentem seguras de formar outros grupos e células”, avalia.

    Adriana vai além ao citar que o país entrou nas etapas finais dos estágios de genocídio criadas pelo professor americano Gregory Stanton, da George Mason University, localizada na Flórida, especialista no tema. Em 1996, Staton criou um documento em que listava as etapas até um genocídio estar em prática. Inicialmente listou oito fases, atualizadas para dez em 2012.

    Segundo Staton, o genocídio se dá com a classificação das vítimas, a simbolização do ódio, discriminação, desumanização, organização, polarização, preparação destes grupos, perseguição das vítimas, o extermínio e, por fim, a negação.

    Etapas até que um genocídio esteja consumado | Foto: Divulgação

    “No nível do genocídio, estamos chegando já no oito, o que é muito complicado”, define a professora. “A lista feita por aquele deputado [estadual Douglas Garcia, de São Paulo, que criou um dossiê com antifascistas] já é uma prova da fase de perseguição por exemplo”.

    A especialista em neonazismo considera praticamente um aval dos policiais o fato de não terem autuado o trio flagrado na Paulista. “Eles se sentem seguros para atuar, para fazer ciberativismo, para fazer discurso de ódio e, aí, fomenta que outros grupos semelhantes se formem”.

    De acordo com o professor da Fundação Getúlio Vargas Rafael Alcadipani, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a polícia errou ao liberá-los.

    “A Polícia Civil foi conivente com esse símbolo nazista e é inaceitável que uma polícia no estado de São Paulo, ou em qualquer lugar do mundo, seja conivente com o nazismo”, avalia.

    Leia também: Como torcedores antifascistas de times rivais passaram a simbolizar resistência

    Sobre a tese de ser uma camisa de banda, ele criticou o fato de a vestimenta não ter sido apreendida. “Ao que tudo indica, é um grupo de neonazistas, onde seu líder inclusive foi preso”, afirma.

    Alcadipani, no entanto, não considera que houve uma expressão de apoio por parte dos policiais ao liberar o trio. Avalia que é um “erro que precisa ser revisto e corrigido”.

    “Houve operações anteriores, na semana passada, onde a Polícia Civil apreendeu pessoas que tinham símbolos com elas. Não acredito que seja uma questão institucional de apoio ao nazismo”, define.

    A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), sobre a ação policial com o trio com símbolos nazistas.

    Por telefone, a assessoria de imprensa terceirizada da pasta, a InPress, informou que foi feito um boletim de ocorrência não criminal e prometeu detalhar de que forma o caso foi enquadrado, além de informar se o trio foi colocado como autor ou vítima do registro. No entanto, as informações não foram repassadas à reportagem até a publicação.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas