Para Justiça, PM que perfurou pescoço de jovem com fuzil não teve intenção de matar

Caso da morte do entregador Matheus Simões, em fevereiro deste ano, foi remetido à Justiça Militar. “Se o policial quissese matar, ele teria atirado”, diz promotor

Matheus Menezes Simões, 21, morreu após teve pescoço perfurado por fuzil em São Paulo | Foto: Arquivo pessoal

A morte do entregador negro Matheus Menezes Simões, 21 anos, não será apurada como homicídio doloso. Na última sexta-feira (7/6), o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) se manifestou pelo envio do caso à Justiça Militar. Para o promotor Leonardo Sobreira Spina, da 2ª Vara do Tribunal de Júri da Capital, o policial Gabriel Montoro Dantas não agiu com dolo “porque, caso ele quisesse atingir o resultado morte, teria acionado o gatilho”. Matheus morreu após ter o pescoço perfurado pelo fuzil empunhado pelo PM.

O pedido do MP-SP foi acatado na íntegra pela juíza Andrea Coppola Brião na mesma data. O caso ocorreu em 25 de fevereiro deste ano na rua Cláudio Ghirelli, na Favela do Pó, região da Brasilândia, na zona norte de São Paulo. Um vídeo revelado pelo g1 mostrou a ação. A Ponte teve acesso às imagens que podem ser vistas abaixo.

Na imagem, é possível ver o policial militar Gabriel saindo de trás de um poste, com o fuzil apontado, e indo em direção à dupla que passava de motocicleta pelo local. Após o encontro com o PM, o veículo segue desgovernado e bate em um carro estacionado. Matheus morreu no local.

Para o promotor Leonardo Sobreira Spina, o vídeo mostra o PM correndo em direção à motocicleta que estava em movimento “a fim de pará-la”. “No entanto, o piloto continua acelerando o veículo, ocasionando choque entre a vítima e a arma do policial”, escreve.

Em entrevista à Ponte, o promotor Leonardo Spina disse que o Tribunal do Júri tem atribuição para processar policiais militares que cometem crimes dolosos contra a vida. No caso de Matheus, embora a morte tenha ocorrido provavelmente pelo choque do fuzil do policial, Spina diz não ter tido o entendimento de que o PM agiu para matar. Para o promotor, se tivesse a intenção, o policial teria apertado o gatilho. “Se o policial quissese matar, ele teria atirado”, reforça.

Spina fala que a manifestação não quer dizer que a ação do policial foi lícita. “Pode ter havido outro crime. O que eu falei é que não houve crime doloso contra a vida”, diz. Eventual culpabilização pela conduta do PM deve ser feita pelo promotor da Justiça Militar, completa. No documento, o promotor escreve que pode ter havido “imperícia e negligência pela abordagem do policial sem a observância do exigível cuidado”.

Em depoimento, o policial contou estar no local para atender uma ocorrência notificada via Central de Plantão Policial. Um homem estaria andando armado pela região, o que motivou o envio de viaturas. Ao chegarem no local, os PMs teriam identificado um baile funk e vendedores de bebidas alcoólicas, prejudicando o tráfego em uma via. Os veículos passaram a ser apreendidos. Três policiais cuidavam dos trâmites, enquanto Montoro, por portar um fuzil, ficou encarregado da segurança da equipe.

Ainda no depoimento, o policial disse ter dado ordem de parada para a motocicleta que Matheus conduzia. A moto teria se aproximado do PM, que confirmou o contato da ponta do fuzil com o entregador. O agente também teria ficado ferido com arma, segundo a versão apresentada por ele.

Os ferimentos teriam ocorrido no rosto e na mão direita e o PM foi levado ao Hospital da Polícia Militar e liberado sem passar por internação. O laudo de lesão corporal feito no PM apontou que ele apresentava lesões corporais de natureza leve.

A inspeção feita no armamento do policial encontrou vestígios de sangue descritos pelo promotor como possivelmente de Matheus. A necropsia confirmou que a morte foi provocada pela perfuração. Segundo o laudo, Matheus teve hemorragia interna traumática. A lesão no pescoço perfurou a traqueia e o esôfago do jovem.

Ao longo do inquérito, foram ouvidas testemunhas, entre elas a mãe de Matheus. Ela contou que entregou vídeos relacionados à ocorrência, mas estes não foram juntados aos autos. As imagens mostrariam o garupa da moto com as mãos apoiadas nas pernas, que o filho conduzia a moto e que o PM não aparentava estar ferido no rosto.

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Sobre o fato, Spina fala em falha na investigação. Ele diz, contudo, que por terem sido amplamente divulgadas, os registros foram analisados por ele. “Claro que chama atenção um inquérito que tem imagens e as imagens não acompanharem o inquérito. Chama atenção de forma negativa”, afirma.

A reportagem entrou em contato com a família de Matheus, mas não conseguiu retorno até a publicação deste texto.

O que dizem as autoridades

A Ponte também procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) solicitando entrevistas com os agentes públicos citados e uma posição sobre o caso. Para a SSP foi questionado também o motivo dos vídeos apresentados pela mãe de Matheus não terem sido anexados ao inquérito.

Em nota enviada a reportagem, a SSP-SP se limitou a dizer que “o Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado pela Polícia Militar foi relatado e submetido ao Tribunal de Justiça Militar. Paralelamente, o 45º Distrito Policial (Brasilândia) investigou o caso e relatou o inquérito policial para apreciação da Justiça em 14 de maio“.

O TJ-SP não retornou até a publicação deste texto.

Reporatgem atualizada às 18h58 de 10/6/2024 para adicionar posicionamento da SSP-SP

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