Para órgão fiscalizador de prisões, há um ‘silêncio macabro’ no Ceará

    Ruth Leite Vieira, presidente do Conselho Penitenciário do Ceará, afirma que governo está promovendo desmonte do órgão; nota oficial fala em corte de gastos

    Copen-CE denuncia que funcionários encaixotaram documentos históricos e levaram para um depósito da Secretaria de Administração Penitenciária | Foto: arquivo pessoal

    O Conselho Penitenciário do Ceará afirma que a Secretaria de Administração Penitenciária está promovendo um desmonte do órgão. Nesta terça-feira (3/9), integrantes do órgão afirmam que a sala onde funciona o órgão, dentro da sede da secretaria, foi violada, documentos retirados e levados a um depósito. “Entraram na sala e começaram a simplesmente encaixotar tudo, pediram as chaves. A ordem expressa é do secretário Luis Mauro Albuquerque e isso foi feito sem nenhuma comunicação oficial a mim, que presido o conselho. Ou seja, estamos sem saber o motivo”, afirma Ruth Leite Vieira, presidente do Copen-CE.

    Em nota, a SAP afirma que as mudanças aconteceram por “corte de gastos”, mas nega a informação de que a sala foi inutilizada.

    Em entrevista à Ponte, Ruth, que assumiu a presidência do Copen no início do ano, em meio à série de ataques que aconteceram nas ruas do Ceará, ordenados por facções de dentro dos presídios, afirma que diversas ações apontam para um desejo de que o órgão seja desqualificado e não consiga trabalhar.

    O Copen é um órgão composto por diversas instituições, entre elas Defensoria Pública, Ministério Público, Conselho de Medicina, Pastoral Carcerária, Sindicato dos Agentes Penitenciários, entre outros. A atuação dele está prevista na Lei de Execuções Penais.

    “Desde janeiro, há um sistemático desrespeito às prerrogativas do conselho A gente vinha tentando resolver, criar esse diálogo e estávamos trabalhando com muita dificuldade, mas estávamos. Até que passamos por um desmonte físico. Chegou uma determinação: que todos os funcionários fossem realocados, que entregassem a chave da sala e que fechasse o sistema, sustasse as senhas, as informações que tínhamos, encerrando o expediente interno e externo do Copen”, declarou Ruth.

    O Copen-CE pretende tomar “as medidas judiciais cabíveis”, conforme aponta nota pública divulgada pelo órgão. “Foram obstruídas inspeções, entrevistas com presos, extinto o cargo de Secretário Executivo do órgão e a nomeação de novos conselheiros para cargos vacantes”, diz parte da nota.

    A presidente manifesta preocupação com documentos históricos, fruto de 92 anos de atuação do Conselho. “Entraram e começaram a encaixotar tudo. Sempre fomos uma instituição que fiscalizou, apontou ilegalidades como as sanções coletivas, existência de tortura institucionalizada, superlotação, casos de falta de alimentação, de água e isso desagradou, é claro, e terminou em uma atitude ilegal e surpreendente, sem nenhum respeito à instituição democrática que existe desde 1927”, desabafou a presidente.

    Para Ruth Leite Vieira, o que está acontecendo no Ceará pode ser lido como um reflexo do desmonte nacional promovido pelo governo de Jair Bolsonaro no que diz respeito ao controle e fiscalização do sistema prisional, que no primeiro semestre deste ano esvaziou o MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura). O caso chegou a ser denunciado na ONU (Organização das Nações Unidas).

    Em março deste ano, o Mecanismo denunciou más condições em unidades prisionais do Ceará, conforme apontou reportagem da Ponte. Na ocasião, três unidades prisionais localizadas em Fortaleza foram objetos de inspeção: CDP (Centro de Detenção Provisória), a Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor José Jucá Neto (CPPL II) e o Centro de Triagem e Observação Criminológica (CETOC). “As evidências de maus tratos sistemáticos e a superlotação são os dois pontos bastante graves apurados pelas vistas do mecanismo. De maneira geral, a avaliação é de que houve falha de planejamento nas ações do início do ano, incluindo as transferências que colocaram 4 mil detentos, que estavam cumprindo pena, no interior em unidades da capital”, apontava reportagem.

    “O Copen vinha acompanhando, subsidiando inclusive com documentos os trabalhos de inspeção, relatando sobre violações desde janeiro, mas existe um silêncio macabro das instituições. Nós esperamos que os órgãos do sistema de justiça tenham responsabilidade e tomem as devidas providências, porque caso isso não aconteça, é prevaricação”, conclui.

    Outro lado

    A Secretaria da Administração Penitenciária informa que houve um decreto de contenção de despesas no início deste ano e que, entre outras medidas, uma delas era realocar os recursos do Copen. “Foram remanejadas duas funcionárias terceirizadas do Copen para outros setores da Secretaria, que necessitam de um maior suporte operacional no seu cotidiano. O Copen só funciona, na prática, um turno, de um único dia da semana, o que mostra desnecessário a manutenção das duas colaboradoras em regime semanal de trabalho nos quadros do Conselho”, afirma a nota enviada por e-mail à Ponte.

    A pasta nega que o espaço físico, ou seja, a sala que os conselheiros do Copen afirmam que foi violada, sofreu alterações e se compromete a manter um funcionário disponível em duas de reunião.

    “A Secretaria da Administração Penitenciária também informa que o Copen, assim como outras entidades fiscalizadoras do Estado, a exemplo de OAB, Ministério Público e Defensoria Pública tem amplo acesso ao sistema penitenciário, com todas as suas visitas registradas e catalogadas”, aponta outro trecho.

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