Parlamentares apostam em aumento de pena como principal proposta de segurança pública, aponta Sou da Paz

Levantamento analisou produção legislativa no Congresso em 2020; um quarto dos projetos foram apresentados por deputados policiais e militares e mostram que viés “linha dura” não resolve problemas estruturais

Comissão da Reforma Eleitoral no Congresso, 09/06/2021
Comissão da Reforma Eleitoral no Congresso Nacional, 09/06/2021 | Imagem: Câmara dos Deputados

A predominância do endurecimento penal, com projetos para aumento de pena de crimes e a criminalização de novas condutas, aumentou em 46% em 2020 no Congresso Nacional. É o que aponta a sexta edição da pesquisa O Papel do Legislativo na Segurança Pública, elaborado pelo Instituto Sou da Paz e divulgado com exclusividade pela Ponte nesta sexta-feira (4/2).

O levantamento analisou a produção legislativa na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que tratava de pautas sobre segurança pública em 2020 e aponta o baixo índice de propostas sobre políticas estruturantes de gestão e financiamento nessa área que representaram, respectivamente, apenas 1,8% e 1,7% em cada casa.

Dos 4.566 Projetos de Lei (PL) apresentados no Congresso, 835 tratavam de segurança pública – dos quais 203 tinham relação com a Covid-19. Dos 513 deputados, 262 foram autores dos textos, sendo que 33 eram ex-profissionais da segurança pública. Já no Senado, das 1.120 propostas, 123 abordavam o assunto, sendo que 23 eram sobre medidas que se referiam ao coronavírus. Dos 81 senadores, 39 marcaram a autoria, dos quais quatro foram policiais ou militares.

A violência contra a mulher foi o terceiro tema mais relacionado aos textos, sendo que, dos 83 projetos no Congresso, 32 foram apresentados por parlamentares mulheres. Mesmo representando apenas 15% da Câmara dos Deputados, elas elaboraram 38,5% das propostas. A diretora-executiva do Sou da Paz Carolina Ricardo destaca que essa demanda tem relação com a situação de emergência que a pandemia trouxe e o risco a essa população que se viu isolada, na maioria dos casos, com seus agressores. O 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou que houve um aumento de 16,3% em 2020 de chamados de violência doméstica às Polícias Militares.

“Apesar de a gente não ter projetos de lei tão estruturantes em 2020, a gente teve projetos de lei que conseguiram dialogar com a realidade e com a necessidade de pensar a violência contra a mulher de forma mais ampla, e teve alguns resultados legislativos interessantes”, enfatiza. Uma proposta que virou lei é a 13.984, que estabelece como medidas protetivas de urgência, frequência do agressor a centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial.

Mesmo ocupando apenas 6,4% das cadeiras, deputados federais provenientes das carreiras policiais e militares apresentaram quase um quarto das propostas legislativas com essa temática, ou seja, 24,5%. Entre apenas os parlamentares ex-profissionais da segurança pública, as principais categorias detectadas nos projetos no Congresso foram: aumento de pena (42), polícia (39), processo penal (26), criminalização de conduta (24), política de armas (15) e execução penal (14). Já no Senado, foram aumento de pena (8), processo penal (6), criminalização de conduta (4) e polícia (4).

Em um ano marcado pela pandemia e com medidas de desencarceramento para evitar a contaminação em massa nos presídios superlotados, como a Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça, dos 38 projetos que tratavam sobre execução penal no Congresso, 15 deles vedavam ou enrijeciam o acesso a direitos das pessoas presas, sendo que 13 se referiam especificamente sobre o sistema prisional e a Covid-19, como a proibição da soltura enquanto perdurasse esse cenário. No âmbito dos textos com relação a processo penal, a extinção da audiência de custódia, que garante que uma pessoa presa em flagrante seja apresentada a um juiz em até 24h para averiguar a regularidade e necessidade da prisão, é um dos principais destaques.

Carolina Ricardo explica que esses tipos de projetos só aumentam o encarceramento e que, mesmo com o aumento do número de policiais e militares eleitos no Congresso, que passou de 19 em 2014 para 42 em 2018, o endurecimento penal vem se mostrando como uma tendência desde que a pesquisa começou a ser realizada, em 2015. Além disso, historicamente, a pauta da segurança pública foi dominada por uma abordagem “conservadora” que ainda tem espaço e é incorporada tanto por esses profissionais quanto no parlamento.

“O debate político sempre foi muito capitaneado por um discurso linha dura e o campo progressista, parlamentares, professores, agentes da área saúde, sempre achavam que segurança pública é coisa de polícia, então a própria sociedade lê segurança pública como problema de polícia”, aponta. “É muito comum em escola, se tem um problema de violência, em vez de a diretoria ir lá, conversar, mediar o conflito, chamar os pais, chama a polícia para dar um enquadro e não forma professores para lidar com a violência na escola”, exemplifica.

Ricardo lembra da famosa frase do ex-governador Paulo Maluf, “vou por a Rota na rua”, durante campanha eleitoral de 1998, em referência à tropa mais letal da PM paulista, sob a alegação de que mais policiais na rua seria sinônimo de mais segurança e uma resposta rápida à população, além da ideia de que “bandido bom é bandido morto”, pensamento que ainda é disseminado, enquanto outro campo apontava que a redução da violência se daria com a redução da desigualdade social, mas sem apresentar sugestões para além do discurso.

“É uma visão de segurança que vê a violência com o criminoso acima de tudo, pragmatismo, pouco planejamento, flexibilização do acesso as armas, em vez de ter um um investimento, uma profissionalização das polícias. É uma visão de segurança linha dura e populista”, complementa. Dentre os 28 projetos sobre políticas de armas, apenas seis não tratavam sobre flexibilização do acesso, uma das pautas principais do governo Bolsonaro.

Na categoria “Polícia”, dos 77 projetos na Câmara Federal, 63 deles sugerem benefícios aos integrantes de determinada corporação policial. 42 desses projetos foram de autoria de deputados policiais ou militares. A pesquisadora aponta que, apesar de legítima e necessária a valorização policial, já que também houve um olhar para essa categoria na pandemia, com 34 projetos que priorizam policiais na vacinação e na garantia de equipamentos de proteção e prevenção – com uma lei promulgada nesse sentido -, essa atuação no geral e em parte significativa dos deputados acaba se restringindo a um “corporativismo”. Duas leis sancionadas têm esse perfil: a 14.003, que cria funções de confiança na Polícia Federal e extingue cargos de comissão, e a 14.059, que aumenta a remuneração das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal.

“É importante que esse viés corporativo são seja para uma melhoria pontual, anistiar, melhorar salário, mas que tenha um olhar estrutural para as instituições de segurança e que seja construído não só com os parlamentares das forças de segurança, mas também com a sociedade civil e outros parlamentares porque o perigo é que se apropriem totalmente do que é discussão sobre polícia no parlamento”, pontua.

Ela aponta que é legítimo que os parlamentares oriundos das carreiras policiais e militares discutam sobre o tema no parlamento e que sejam ouvidos, mas pondera que segurança pública não é só “pegar na arma e andar na viatura” e “não é pauta exclusiva de polícia”, já que envolve pesquisa, planejamento, diagnóstico e intersecção com outras áreas, como saúde e educação.

Dos 16 deputados federais que apresentaram ao menos 10 projetos sobre segurança pública e justiça criminal, seis foram policiais militares: Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), Guilherme Derrite (PP-SP), Sargento Gurgel (PSL-RJ), Junio Amaral (PSL-MG), Policial Katia Sastre (PL-SP) e Paulo Ramos (PDT-RJ).

Já no Senado, dos 10 parlamentares apresentaram ao menos quatro propostas legislativas nesse campo, quatro foram profissionais da segurança pública: o ex-militar Marcos do Val (Podemos/ES), o ex-delegado Fabiano Contarato (PT-ES), o policial militar Major Olímpio (PSL-SP), que morreu em março de 2021 por Covid-19, e o ex-policial civil Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Carolina Ricardo aponta que o problema não é os policiais e militares se candidatarem a cargos eletivos, porque propostas boas ou ruins podem ser feitas por qualquer pessoa, mas sim a ausência de “regras específicas e mais rígidas” para esse tipo de profissional quando for se candidatar. De acordo com a Constituição de 1988, membros das Forças Armadas e das polícias militares podem concorrer às eleições após prestados 10 anos de serviço sem precisar renunciar o posto. Se eleitos, passam a ser da reserva. Os que têm menos de 10 anos no cargo precisam se afastar definitivamente, ou seja, pedir exoneração.

“Todo e qualquer profissional da segurança pública deve participar da vida política do país, seja um policial, um juiz, um promotor. A questão é que essa candidatura precisa ter regras mais específicas e mais rígidas porque não é um profissional qualquer, é um profissional que pega em armas para defender a sociedade, então, em tese, têm o monopólio da força legítima, da violência do Estado”, explica.

Para ela, algumas alternativas incluem aumentar o tempo de descompatibilização da carreira, a “quarentena”, o não retorno desse policial à corporação depois de participar de eleições, além de fiscalização das redes sociais, citando como exemplo a diretriz da PM paulista que proíbe policiais de divulgar qualquer tipo de informação que trate de ocorrências, símbolos e afins. “Como é que você minimiza o risco desse conflito de interesse entre o cara trabalhando na segurança pública e o uso disso para uma campanha eleitoral? Pode fazer campanha fardado? Pode ostentar arma? Um dia ele está trabalhando, filma uma ocorrência e como isso pode ser usado como plataforma eleitoral?”, questiona.

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A diretora do Sou da Paz acredita que a pauta da segurança pública deve perder um pouco mais de espaço nas eleições gerais de 2022 em comparação com 2018, por conta da pandemia e da crise econômica estarem em evidência. Porém, deve se manter uma tendência das candidaturas policiais. “É um tema que mobiliza, as pessoas têm medo e sempre aparecem propostas milagrosas, que fazem parte desse pacote populista e linha dura, e os policiais têm cada vez mais entendido que querem ter espaço na política, ainda mais porque Bolsonaro alimentou isso, tem uma base, e vem fazendo um afago nas polícias e parte desse afago é impulsionar a atividade político-partidária desses policiais”, aponta.

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