PCC sequestrou, torturou e matou PM Juliane, denuncia MP

    Promotor acusa três suspeitos de matarem a policial na favela de Paraisópolis (SP) por homicídio triplamente qualificado, tortura, cárcere privado e organização criminosa

    Negra, lésbica e periférica, Juliane foi executada em Paraisópolis | Foto: Arquivo pessoal

    O MP (Ministério Público) de São Paulo denunciou três suspeitos pelo assassinato da policial militar Juliane dos Santos Duarte, de 27 anos, no começo de agosto de 2018. As investigações apontaram que a execução ocorreu a mando do PCC (Primeiro Comando da Capital) pelo fato de Juliane ser uma PM.

    Encerrada a apuração, o órgão denunciou três suspeitos de terem participado do crime: Everaldo Severino da Silva Felix, o “Sem Fronteira”, apontado como gerente do crime na região; Felipe Oliveira da Silva, vulgo “Tirulipa”; e Elaine Cristina Oliveira Figueiredo, a “Neguinha”. Todos atuaram de alguma forma na morte.

    O trio responderá por quatro crimes: homicídio triplamente qualificado, tortura, cárcere privado e organização criminosa. Estão citadas 25 testemunhas no processo, sendo uma delas protegida da justiça e, para o promotor Fernando Bolque, peça fundamental no caso. Outras duas pessoas não foram identificadas pela investigação, mas responderão aos mesmos crimes.

    Segundo o MP, Sem Fronteira é quem deu a ordem para que “sumissem” com Juliane. “Tem que sumir o quanto mais rápido. Tem que sumir, está confirmado que é militar. Suma!”, teria dito o suspeito, segundo interceptação obtida na investigação. O MP aponta que Everaldo seria um “sintonia” do PCC na comunidade.

    “O motivo foi que a Juliane foi à comunidade armada, isto seria uma afronta aos integrantes da organização criminosa. Obviamente, a comunidade é controlada pela organização”, explica Bolque, se referindo ao PCC.

    Motivação torpe

    Segundo o promotor, de fato ouve o sumiço de um celular no bar em que a Juliane estava com duas amigas após um churrasco na madrugada do dia 2 de agosto. Em seguida aparecem duas versões: de que ela teria se identificado como policial e dito “vamos resolver isso” ou, então, tirado a carteira de identificação e sua arma, dizendo que não seria revistada por um olheiro da facção.

    “É irrelevante a versão. Fato é que, 40 minutos depois, voltaram quatro pessoas, entre eles Felipe e Elaine, e mais dois outros que não foram identificados até agora. Teriam perguntado ‘Quem está armado?’, a PM ficou quieta e eles foram ao encalço dela. Ela resistiu, foi quando houve um disparo”, explica o promotor.

    Juliane recebeu um primeiro tiro na virilha e foi levada para fora do Bar do Litrão. Ali, outro disparo a atingiu na mesma região. Os acusados, então, levaram a policial para um local dentro da comunidade e a fizeram refém por três dias. Neste período, ela foi forçada a tomar álcool e usar cocaína, além de ter sido espancada e ficado em um ambiente molhado – ainda com os ferimentos dos disparos.

    De acordo com o MP, Juliane teria sido colocada no porta-malas de um carro e, ali, executada com um tiro à queima-roupa na cabeça, conforme perícia. A bala encontrada no veículo estava destruída, sem possibilidade de identificar o calibre da arma usada. O órgão suspeita que a própria arma da PM pode ter sido utilizada.

    O carro foi abandonado no dia 5 de agosto em frente a uma casa na rua Cristalino Rolim de Freitas, no bairro de Jurubatuba, na zona sul de São Paulo. Uma primeira abordagem a polícia aconteceu a pedido do dono do imóvel, mas os PMs não conseguiram abrir o porta-malas. No dia seguinte, outra tentativa e, dessa vez, os PMs identificaram um forte cheiro e insistiram até abrir o bagageiro. Encontraram Juliane morta.

    A suspeita do PM é que o crime aconteceu entre as 8h e 20h do dia 5 de agosto, o que confirma o cárcere privado e o sequestro, segundo o laudo necroscópico.

    Negra, lésbica e periférica

    Juliane era natural de São Bernardo do Campo, cidade do Grande ABC paulista. Ela morava na periferia da cidade, e, assim como boa parte das pessoas do local, era negra. Enfrentava o preconceito por ser uma mulher negra lésbica e tinha como sonho trabalhar na Polícia Militar de São Paulo. Os amigos e familiares destacam o astral sempre para cima da policial.

    “O sorriso dela iluminava por onde passava, sempre estava feliz. Era um sorriso largo, lindo. As pessoas a conheciam pela felicidades da Ju. Não à toa muita gente a chamava de sorriso”, conta Laisla Carvalho, de 24 anos, ex-namorada de Juliane, então apenas esperançosa em ser PM. “Ela me falou: olha, consegui chegar à PM. Era o sonho dela ser polícia, proteger o próximo. Foi um sonho que a levou da gente”, conta Laisla, sobre o reencontro das duas, em abril deste ano.

    As amigas contam que ela tinha o skate como um hobby, assim como a música e a dança. “Ela era animada demais! Nos conhecemos ainda na adolescência, morávamos perto uma da outra. Quando nos juntávamos, ela não gostava de lanche, tinha que ser prato feito, comida, senão nem gostava”, explica Renata Fernandes, 29 anos, uma de suas melhores amigas.

    À época do crime, entidades de direitos humanos repudiaram a execução. “Este crime mostra a vulnerabilidade dos policiais no Brasil fora do serviço, são centenas de mortes por ano”, avalia César Munoz, pesquisador da Human Rights Watch Brasil. “Encaramos como uma tragédia, pedimos às autoridades o máximo esforço para achar os culpados da morte e punir. É fundamental ter um esforço muito maior de proteger os policiais de folga”, completou.

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