Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior é irmão de Marcola, líder da facção criminosa, e tirou RG falso em 2003, em unidade de São José dos Campos
Condenado e foragido da Justiça, Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior, irmão de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC (Primeiro Comando da Capital), deixou suas impressões digitais e conseguiu tirar uma carteira de identidade falsa em uma unidade do Poupatempo em São José dos Campos, a 97 km de São Paulo.
Na época, 17 de julho de 2003, Júnior, quatro anos mais novo que Marcola, tinha 36 anos. No Poupatempo, que presta serviço para o Instituto de Identificação ligado à Polícia Civil de São Paulo, adquiriu o documento em nome de Paulo Cezar Albuquerque de Souza.
Por causa da emissão do documento falso, Júnior pode abrir uma conta bancária, na qual movimentou R$ 504 mil de novembro de 2002 até maio de 2006. Aquele mês ficou marcado pelos Crimes de Maio, quando o Estado revidou os ataques do PCC às forças de segurança de São Paulo e deixou mais de 500 pessoas mortas.
O irmão de Marcola não foi o único a ter sucesso nesse tipo de operação. Outros líderes do PCC, integrantes de quadrilhas responsáveis por grandes roubos a bancos, transportadores de valores e carros-fortes, também conseguiram a emissão de documento falso na mesma unidade.
De julho de 2003 a abril de 2010, ao menos 10 criminosos tiraram carteira de identidade falsa na mesma unidade do Poupatempo. A Corregedoria da Polícia Civil abriu inquérito na época para apurar o possível envolvimento de policiais no episódio. O processo de falsificação de documento público contra os acusados continua em andamento. A próxima audiência judicial foi marcada para 30 de janeiro de 2020.
Na prática, com os RGs falsos, os integrantes passam despercebidos quando parados pela polícia e tentam conviver em sociedade sem antecedentes que os comprometam.
Dez anos depois de RG, assassinado com 70 tiros
Cláudio Roberto Zanetti, 38 anos, dirigia seu Audi Q3 blindado, com R$ 73.360 e roupas novas em uma mala, pelo Tatuapé, na zona leste de São Paulo, quando foi atingido por cerca de 70 tiros na cabeça, nos braços e nas pernas, no dia 23 de julho de 2018. Zanetti morreu no hospital, mas sua identidade era outra: Cláudio Roberto Ferreira, o Galo Cego, conhecido pela polícia como um dos grandes ladrões de banco do PCC.
Em 16 de agosto de 2008, dez anos antes, Galo Cego conseguiu tirar a carteira de identidade no Poupatempo de São José dos Campos com o nome falso. Como o irmão de Marcola, suas impressões digitais foram coletadas sem nenhum questionamento.
Cláudio Ferreira estava foragido da Justiça, segundo o Banco Nacional de Mandados de Prisão. Em 2008, ele participou de uma perseguição policial que terminou com três pessoas mortas e 11 feridos. Pela ação, a Justiça o condenou a 65 anos, um mês e 15 dias de prisão em regime fechado, em segunda instância, sob a acusação de latrocínio, roubo, lesão corporal e organização criminosa.
Galo Cego também era ligado à quadrilha que, em agosto de 2005, roubou R$ 164 milhões do Banco Central de Fortaleza.
A morte ocorreu durante uma guerra interna do PCC, originada em fevereiro do mesmo ano, após os assassinatos de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, acusados de desviar dinheiro da facção criminosa.
Outro beneficiado pelo esquema criminoso foi Lucival Marques da Silva, acusado de participar de grandes roubos a transportadoras de valores. Um deles aconteceu em julho de 1997, quando a quadrilha levou R$ 1,83 milhão de uma empresa em São Paulo. O falso documento obtido por Silva foi emitido em 29 de março de 2008, em nome de Reginaldo Antonio de Souza.
Marcola e Júnior (ou Marcolinha)
Os irmãos Marco, 51 anos, e Alejandro, 47, estão presos na Penitenciária Federal da Papuda, em Brasília, no Distrito Federal, desde março deste ano. O irmão mais novo é chamado de Marcolinha. No sistema estadual paulista, Marcolinha era chamado de Júnior.
Filhos de pai boliviano e mãe brasileira, os irmãos foram criados por uma tia desde 1980, quando fugiram, moraram na rua e passaram a praticar crimes.
Marcola está condenado a 330 anos, seis meses e 24 dias de prisão com praticamente todos os crimes violentos ou hediondos do Código Penal brasileiro, de acordo com sua folha de antecedentes, consultada com exclusividade pela reportagem.
Júnior está condenado a 104 anos, oito meses e 23 dias de prisão por crimes como associação para o tráfico de drogas, tráfico de drogas, roubo qualificado e formação de quadrilha.
Ofício expedido pelo secretário da Administração Penitenciária paulista, o coronel Nivaldo Restivo, aponta que Júnior “registra envolvimento com a facção criminosa, é irmão do Marcola e seu principal conselheiro”, além de ser “extremamente forte no tráfico de drogas e sócio de seu irmão nessa atividade”.
Preso em Fortaleza em 2016, Camacho Júnior estava ganhando espaço dentro da facção. Sua presença no Nordeste serviria para analisar a região como potencial território de exportação de drogas, sobretudo cocaína, para países dos continentes europeu e africano.
De acordo com o Ministério Público, mesmo preso em local de segurança máxima, Júnior não deixou de “exercer sua influência e posição de comando no seio da facção”. Por isso, foi transferido para o sistema federal no início deste ano.
PCC em processo de cartelização
Principal organização criminosa do Brasil, com domínio sobre a exportação de drogas para outros continentes, o PCC está a um passo de se tornar uma máfia, nos moldes de grupos italianos, japoneses, mexicanos e colombianos.
O que falta para o PCC chegar a esse patamar, segundo investigações do MP (Ministério Público) e da PF (Polícia Federal), é a lavagem de dinheiro não precária.
“O PCC ainda enterra dinheiro e mantém a contabilidade em papéis. Falta ter uma lavagem de dinheiro requintada. Mas isso não deve demorar para acontecer. A organização criminosa está em pleno processo de cartelização”, diz o promotor Lincoln Gakyia, considerado como o principal investigador do país contra o crime organizado em São Paulo.
Outro lado
Em nota, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informa que o caso foi investigado junto à Corregedoria e que os documentos emitidos ilegalmente foram cancelados. “A falsificação de documentos pode levar a prisão de dois a seis anos, além de multa. O referido inquérito foi relatado em 2014 e arquivado pelo Judiciário no ano seguinte”, diz a nota.
Reportagem atualizada no dia 27/11 às 12h57