Cinthia Raquel conta que saía do estabelecimento na zona sul da capital paulista após comprar cerveja quando dois homens a abordaram e a fizeram abrir bolsa para “devolver produtos”. “Em 30 anos no bairro nunca fui tão humilhada”
A atendente de restaurante Cinthia Raquel Barboza Silva, 31, decidiu aproveitar o final do dia após o expediente exaustivo e no último sábado (18/12), por volta das 17h, foi a uma unidade da rede de supermercados Dia comprar latinhas de cerveja, na Rua Dom Vilares, 1070, na Vila das Mercês, na zona sul da capital paulista. Ela, que mora há 30 anos no bairro, conta que nunca se sentiu tão humilhada ao ser acusada injustamente de ter furtado o estabelecimento.
“Peguei as latinhas, coloquei na esteira do caixa, paguei, coloquei na sacolinha e saí do mercado”, lembra. Quando já estava cruzando a rua, abrindo uma das latinhas para beber, foi abordada por dois funcionários brancos da unidade, sendo que um deles teria se identificado como gerente. “Disseram que uma cliente me viu pegando itens do mercado e que era para eu voltar com eles para devolver para não ter constrangimento e não chamarem a polícia”, prosseguiu. Sem acreditar, retrucou. “Eu disse que moro no bairro, sempre comprei nesse mercado, [e perguntou] ‘estão me acusando porque eu sou negra?’ Isso com a rua lotada, eu mostrei a notinha fiscal”.
Ela voltou com a dupla e, indignada, afirma que tirou tudo da bolsa que carregava, na frente das pessoas, em cima de um balcão: guarda-chuva, o uniforme do restaurante, maquiagem e pertences pessoais. “Disseram que foi uma cliente que me acusou, mas ela não estava lá, deixaram ela ir embora e me acusaram, foi assustador. Quando eles viram que não tinha nada, se olharam e começaram a pedir desculpa depois que esvaziei a bolsa”, relatou. “Perguntaram o que poderiam fazer para o caso não se alastrar. Eu falei que não, que agora quem ia chamar a polícia era eu”.
Cinthia declarou que ligou para a irmã ir até o local e também telefonou para a Polícia Militar. “O próprio policial foi conversar com eles e eles assumiram que me abordaram e recomendou para ir no 26º DP registrar a ocorrência, mas nem levou eles [os funcionários] até lá [delegacia]”.
Já no 26º DP (Sacomã), a atendente afirma que o delegado orientou que ela registrasse o caso no site da Polícia Civil, por meio de um boletim de ocorrência eletrônico. “Eu achei um absurdo porque eu fui atrás de justiça e disseram que era para fazer o BO online”, critica. Ela acabou fazendo o registro pelo site pelo crime de calúnia (imputar falsamente um crime a alguém), que tem como pena detenção, de seis meses a dois anos, e multa, e que se sentiu desencorajada a indicar o crime de injúria racial. Cinthia pretender pedir indenização por danos morais e retratação pública da empresa.
“Eu sempre trabalhei a vida toda, conquistei as coisas com o suor do meu trabalho, fui educada a nunca pegar nada de ninguém”, lamenta. “Eu não sei como estou conseguindo me manter forte porque foi um pesadelo, meu psicológico está horrível”.
O que diz a Rede Dia
A Ponte procurou a assessoria de imprensa da empresa sobre o caso, que encaminhou a seguinte nota:
O DIA informa que está apurando o caso da loja localizada na Avenida Dom Vilares, 1070, Vila das Mercês, na capital paulista e tomará as medidas necessárias. De imediato, os colaboradores envolvidos foram imediatamente afastados.
A companhia expressa que não compactua com qualquer atitude desrespeitosa e prima por relações éticas com seus clientes, colaboradores e parceiros. Além disso, investe constantemente na disseminação de seus valores e na melhoria dos seus processos para contínuo aperfeiçoamento das relações e atendimento ao público.
O que diz a polícia
A reportagem também questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre o atendimento à vítima. A In Press, assessoria terceirizada da pasta, encaminhou a seguinte nota:
O caso foi citado foi encaminhado para o 26º DP (Sacomã). Após a formalização do registro da ocorrência, a vítima foi orientada sobre o prazo para a representação criminal contra o autor. Em relação ao atendimento, a Central de Polícia Judiciária informa que, assim que a vítima chegou na unidade, ela foi informada sobre as formas de atendimento e a possiblidade de registro da ocorrência pela internet. A Corregedoria da Polícia Civil está à disposição para registrar e apurar toda e qualquer denúncia contra os agentes públicos.
Reportagem atualizada às 18h02, de 22/12/2021, para inclusão de resposta da SSP.