Tema ganhou força após voto de Rosa Weber no STF favorável a descriminalização até a 12ª semana; manifestantes se reuniram em frente ao Masp na noite desta quinta (28)
Uma manifestação pela descriminalização do aborto no Brasil reuniu uma multidão em São Paulo nesta quinta-feira (28/9), data simbólica do Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. O tema voltou ao debate público na última semana com o voto favorável ao procedimento seguro feito pela ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
A concentração ocorreu no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), na Avenida Paulista. Ali membros da Frente de São Paulo pela Legalização do aborto, uma das organizações que chamou a manifestação, distribuiu panfletos com informações sobre aborto seguro.
Era impossível que quem passasse pela região central não fosse impactado pelos cartazes, lambes ou até mesmo projeções jogadas nos prédios. “Até Maria foi consultada para ser mãe de Deus”, dizia um dos textos.
Entre os que aderiram ao ato e à pauta estavam jovens, idosos e crianças. Schirley Lopes, 39 anos, trouxe a filha Naomi, 8, para a mobilização. Ela acredita que a descriminalização seja aprovada antes da vida adulta da filha. “Eu sempre trago ela nas manifestações, isso faz parte da educação política que eu quero dar para ela”, disse.
Com a cabeça coberta por lenço roxo e carregando uma placa com os dizeres “abortos acontecem, as ricas pagam e as pobres morrem”, Edna Dantas, 76 anos, disse estar ali por achar importante a mulher ser dona do próprio corpo.
“Nós tomamos as nossas decisões. Não é um homem, um padre ou um pastor que vai dizer o que nós devemos fazer. Nós somos conscientes. Eu já vivi 78 anos e morei em um lugar onde tinha um córrego onde as pessoas cortavam canudo de mamona e introduziam na vagina e elas abortavam. Essa cena nunca saiu da minha mente e é por isso que eu estou aqui”, conta Edna.
Acompanhando o protesto até a dispersão, Magda de Abreu do Nascimento, 59 anos, permaneceu no pelotão de frente sempre entoando os gritos de luta. Ela conta que conhece quem já abortou. “E quem não?”, indaga ao ser questionada.
“Já basta de tantas mulheres negras morrendo. Eu acredito que já passou da hora do Congresso e do Judiciário aprovarem a descriminalização”, afirma Magna.
O grupo andou pela Avenida Paulista e seguiu pela rua Augusta até a dispersão da Praça Franklin Roosevelt por volta das 20h30min.
Discussão no STF
O tema da descriminalização do aborto voltou a ganhar força na última semana. A ministra do STF Rosa Weber pautou a votação em um de seus últimos atos à frente da corte. Em plenário virtual, a ministra, que era relatora do processo, apresentou voto favorável à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
A votação foi suspensa antes mesmo que os demais ministros se manifestassem, após Luís Roberto Barroso solicitar que o julgamento fosse levado ao plenário físico. Não há data para retomada do julgamento.
No Brasil somente é permitido o aborto legal quando a gravidez representa risco à gestante, é resultado de estupro ou em caso de má formação fetal (anencefalia). O último só passou a ser permitido a partir de 2012 por decisão do próprio STF.
Nas demais situações o procedimento é considerado crime, com pena de prisão prevista no Código Penal — o artigo 124 prevê pena de detenção de um a três anos para quem “provoca o aborto em si mesma ou consentir que outrem provoque”.
Uma das problemáticas em torno da criminalização do aborto restringe o acesso de mulheres ao sistema de saúde antes do procedimento e depois, pois temor de represálias.
Há também uma questão de raça em relação a quem busca pelo procedimento no país. Segundo estudo Aborto e Raça no Brasil, 2016 a 2021, publicado pela revista Ciência e Saúde Coletiva, mulheres negras apresentam probabilidade 46% maior de fazer um aborto, em todas as idades, com relação às mulheres brancas
Isso leva essa população a procurar por procedimentos inseguros, o que aumenta o risco de morte. O estudo aponta como impacto direto da criminalização o impedimento que as mulheres acessem os serviços de saúde público e privados, usem métodos inseguros e se exponham a riscos desnecessários, já que há métodos seguros e recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).