Mensagem foi enviada à mãe de Rian Gustavo Alves de Campos, de 23 anos, por homem que se identificou como guarda, após ela postar vídeo cobrando a finalização do inquérito que apura mortes pelo Bonde do Moacir, em Itu (SP)
A mãe de um jovem morto em uma ação do Bonde do Moacir — como é chamado o grupo de policiais civis de Itu, no interior de São Paulo, investigados por denúncias de execução, agressões e tortura — relata ter sido ameaçada por um guarda municipal da cidade. Em áudio enviado pelo Facebook, Marcos Paulo Martins diz para a mulher que não haverá punição ao policial envolvido na morte de Rian Gustavo Alves de Campos, de 23 anos. ”O perigoso é acontecer com a senhora ou outra coisa”, diz o homem, identificando-se como guarda.
Na quarta-feira (16/4), Rosemary Alves de Campos, 48, mãe de Rian, denunciou o caso a Corregedoria da GCM de Itu e fez um boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia de Itu.
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As ameaças foram enviadas na terça-feira (15/4). Ela conta que mantinha o perfil privado na rede social Facebook, mas na segunda-feira (14/4) tornou as publicações públicas para compartilhar um vídeo. Na imagem, Rosemary cobra celeridade nas investigações sobre a morte do filho. São 11 meses sem a conclusão do inquérito.
O vídeo mostra Rosemary aos prantos, exibindo a camiseta usada por Rian no dia da morte. A camiseta tem vários furos e uma mancha no local onde o sangue escorreu. “Eu queria só que vocês me ajudassem a compartilhar para que isso chegue às autoridades aqui de Itu, que cobrem o delegado […] Eu preciso de uma resposta”, afirma.

No dia seguinte à postagem, veio a mensagem. “Está ficando ‘véio’ já isso de ficar reclamando no Facebook. Seu filho não é inocente, seu filho vendia droga sim e estava armado. Esse mundo que ele escolheu viver só tem dois caminhos: cadeia ou morte. Ele escolheu a morte”, escreveu Marcos Paulo.
O agente também enviou áudios para Rosemary. Em um deles, Marcos Paulo diz já ter conduzido Rian até a delegacia, o que a família nega. “Não adianta você ficar reclamando em rede social, protesto. Você viu? O protesto que você fez e ele foi o vereador mais bem votado”, disse o guarda, em referência a Moacir Cova (Podemos). O investigador da Polícia Civil foi o vereador mais bem votado de Itu no último pleito. Ele é investigado no inquérito que apura a morte de Rian e do adolescente Antony Juan Nascimento Lisboa, 16.
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Em outro trecho, Marcos Paulo sugere que algo pode acontecer com Rosemary: “Você está querendo exoneração, que o polícia vá preso, isso não vai acontecer. Perigo é acontecer com a senhora outra coisa, então para de ficar provocando ou colando em rede social. Já foi, seu filho não vai voltar mais.” Ele também cita a filha mais nova de Rosemary e sugere que ela cuide da menina, o que fez com que a família ficasse amedrontada. A adolescente de 13 anos não foi à escola nesta quarta-feira (16/4).

A Ponte procurou a prefeitura de Itu questionando o vínculo de Marcos Paulo com a Guarda Municipal e sobre a conduta do agente. O pedido de posicionamento foi enviado à Secretaria da Segurança Pública, Trânsito e Mobilidade Urbana e para a Secretaria de Comunicação. O contato foi feito por e-mail e por ligação telefônica — mas não houve retorno.
Apesar de a prefeitura não enviar uma confirmação, nas redes sociais Marcos se apresenta como guarda municipal. A Ponte localizou pelo menos três perfis com fotos do agente uniformizado. Na conta em que enviou as mensagens à Rosemary, a foto de perfil mostra uma viatura da guarda e uma pessoa que parece estar armada posando ao lado do veículo. Existe outra imagem pública na conta. Nela, Marcos aparece uniformizado e é possível ver o logo da Guarda Municipal de Itu.
A reportagem também localizou uma página no Facebook com o nome do agente. A mesma foto em que ele aparece uniformizado como guarda municipal é usada nesta conta. A imagem foi publicada em 29 de julho de 2022. Também há outra imagem que mostra Marcos vestido com a farda usada pelos agentes.

Relembre o caso
Rian e Antony foram mortos em maio do ano passado no conjunto habitacional Vila Lucinda (CDHU), na periferia de Itu. Participaram da ação os policiais civis Moacir Cova e Bruno Bolpete Ceccolin, segundo consta no boletim de ocorrência.
A dupla admitiu que estava de campana em uma área de mata após terem recebido instruções de que ali acontecia o fechamento das vendas de drogas no cair da noite. Os agentes não especificam de quem partiu essa informação.
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A única versão disponível no boletim de ocorrência é dos agentes. Ela narra que os policiais viram três homens chegando ao local indicado. O trio estaria sentado em um sofá e um deles estaria armado. Os PMs teriam sido recebidos a tiros e revidaram, matando Rian e Antony com tiros de pistola. Bruno usava uma arma registrada em seu nome e Moacir um armamento da Polícia Civil.
Os jovens foram arrastados do local da morte, no meio da mata, para a rua, onde uma ambulância os levou, já sem vida, à Santa Casa de Itu. Antony teve seu braço quebrado e tinha terra em sua boca e nariz. No dia seguinte, familiares das vítimas voltaram ao local da morte e descobriram que o sofá onde Rian morreu havia sido queimado.
Inquérito sem conclusão
Em março deste ano, o delegado Maurício Jorge Orfal chegou a apresentar um relatório final do inquérito sem pedir o indiciamento de ninguém. O documento trazia depoimentos dos policiais, das famílias e também das equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) que atenderam a ocorrência.
As famílias dos jovens disseram ter havido obstáculos para o atendimento dos jovens, o que encontra certo respaldo nos relatos da equipe médica.
Um dos técnicos de enfermagem disse que Rian e Antony já estavam mortos quando a equipe chegou. Ele contou ainda que os policiais civis Moacir e Bruno “determinaram que as vítimas deveriam ser levadas para o hospital, mas esta situação não é usual, pois o protocolo do SAMU determina que não seja feita a retirada do corpo quando está em óbito, devendo aguardar o trabalho pericial”.
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O enfermeiro da Santa Casa de Itu, para onde os corpos de Antony e Rian foram levados, também confirmou que os jovens chegaram mortos ao hospital.
A conclusão do inquérito, no entanto, não foi contemplada pelo relatório. O promotor Luiz Carlos Ormeleze pediu que os laudos necroscópicos das vítimas constem na investigação policial. Ele também solicitou que mais diligências fossem feitas para apurar a possível omissão de socorro.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou a prefeitura de Itu questionando se serão feitas apurações diante das mensagens do guarda. Não houve retorno. Caso haja, a matéria será atualizada.
A Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) também foi acionada para dar explicações sobre a demora na conclusão do inquérito que apura as mortes de Rian e Antony. Em nota, a pasta se limitou a dizer que a Corregedoria da Polícia Civil faz diligências complementares solicitadas pelo Ministério Público.