Mais de 75% das vítimas conhecem o agressor e 42% dos casos acontecem dentro de casa; levantamento feito pelo Datafolha entre os dias 4 e 5 de fevereiro é divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Dezesseis milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Isso equivale a mais de 180 Maracanãs lotados. Ou ainda, mais de 1.800 casos por hora. Dessas vítimas, 76,4% conheciam seu agressor, número 25% maior do que em 2017. A pesquisa “Violência contra as mulheres”, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e feita pelo Instituto Datafolha, ouviu mais de 2 mil pessoas em diferentes regiões do Brasil nos dias 4 e 5 de fevereiro. Mais de 40% das agressões aconteceram dentro de casa, padrão que vem se repetindo desde o levantamento anterior, há dois anos.
O número de agressões virtuais cresceu: em 2017, apenas 1,2% das violências – ameaça, difamação – aconteciam na internet; este ano, o número subiu para 8,2%. Mais de 6 milhões de mulheres sofreram algum tipo de agressão física: desde chutes, empurrões, até espancamento ou tentativa de estrangulamento.
Para Cristina Neme, consultora de projetos do FBSP, um dos pontos que mais chamam atenção é o fato de que o padrão de agressão permanece o mesmo, quando comparado a pesquisa anterior, feita há dois anos: o local onde acontecem as agressões continua sendo dentro de casa (42%), as mulheres mais jovens estão mais submetidas ao assédio (42,6%) e, no recorte racial, as mulheres negras continuam sendo as principais vítimas da violência, especialmente sexual (55,9%). “E você vê também um escalonamento da violência, desde um assédio verbal até crimes mais graves, agressões físicas que podem levar à morte”, avalia.
Um dos casos emblemáticos que ilustra essas estatísticas é o da tentativa de feminicídio da paisagista Elaine Caparroz, 55 anos, no Rio de Janeiro, no dia 16 de fevereiro. Vinicius Batista Serra, 27, espancou a vítima por quase 4 horas. Os dois tinham se conhecido no Instagram, mantinham um relacionamento virtual há meses e tinham marcado o primeiro encontro. Em entrevista ao Fantástico no último domingo (24/2), Elaine afirma que tem certeza que o objetivo de Vinicius era matá-la e que acredita que foi dopada para que não tivesse reação. “Acho importante também dizer para todo mundo que quando ouvir uma mulher, alguém pedindo socorro, que vão ajudar”, desabafou. Vinícius continua preso e alega ter tido um surto.
A percepção da vitimização da mulher também apresenta diferenças quando o entrevistado é um homem. Segundo o levantamento, 59% dos entrevistados no total já viram uma mulher sendo agredida verbal ou fisicamente. Quando a pergunta é filtrada por gênero, as diferenças aparecem. Por exemplo, no questionamento: “Você já viu homens humilhando, xingando ou ameaçando namoradas ou ex-namoradas, mulheres ou ex-mulheres, companheiras ou ex-companheiras?” o “sim” apareceu para 33% dos homens entrevistados e 40% das mulheres. Essa diferença se manteve em outras questões como o “fiu-fiu” na rua e agressões físicas. Apenas em uma pergunta a lógica se inverteu: se entrevistados já tinham visto homens brigando, se agredindo, se ameaçando ou discutindo por causa de ciúmes de uma namorada ou ex-namorada, companheira ou ex-companheira, mulher ou ex-mulher. 37% dos homens disseram “sim” contra 31% de mulheres.
“Existe aí um componente machista de ter mais facilidade de identificar a agressão quando é do ponto de vista deles, quando é, por exemplo, a briga entre namorado e namorada. Já as mulheres têm uma sensibilidade, uma percepção maior e conseguem identificar uma ameaça, uma ofensa, uma humilhação”, avalia Cristina Neme.
Quanto mais jovem, mais é vitimada a mulher: 66% de mulheres com idade entre 16 e 24 anos sofreu algum tipo de violência nos últimos 12 meses. A maioria, 62%, ouviu algum comentário desrespeitoso de desconhecidos na rua. Com relação às mulheres negras, no quadro geral de vitimização, 55,9% das mulheres que sofreram violência no último ano são negras (pretas e pardas). Quando a pergunta é especificamente sobre assédio sexual, o número sobe para mais de 70%, contra pouco mais de 34% de brancas.
“No caso das mulheres negras, embora a diferença não seja tão grande ela aparece principalmente na agressão de cunho sexual. Isso sinaliza uma sobreposição, porque existem vários indicadores que as mulheres são prejudicadas e nesse caso a cor da pele também é um dado que mostra onde estão as maiores vítimas”, explicou.
O número de vítimas que se cala ainda pode ser considerado alto: 52% das entrevistadas que sofreram alguma agressão afirmam que não fizeram nada. Apenas 10% procuraram uma delegacia especializada e 15% buscaram auxílio na família. “A mulher tem que falar sempre e cada vez mais, desde o mínimo sinal de violência. Não se deve menosprezar a gravidade da agressão, porque um xingamento vira coisa pior lá na frente. E temos o lado também de uma certa descrença ou ainda um medo do que vai acontecer se houver a denúncia. Por outro lado, é importante destacar que pesquisas apontam que a mulher que morre vítima de feminicídio, muitas vezes, não fez nenhum registro das agressões anteriores. Fica difícil acompanhar um caso assim, sem histórico. Então são várias frentes que é preciso avaliar para mudar essa baixa adesão”, disse a consultora de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Cristina Neme.
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[…] A violência contra a mulher segue igual tendência. Dos 4.939 assassinatos em 2017, o maior número em dez anos, 66% das vítimas eram negras. A cada dia se registrou 13 mortes de mulheres, nove delas negras. Em dez anos, as taxas subiram 30% para mulheres negras e, para as não negras, 4,6%.Para Maria Sylvia, presidente do portal Geledés, o abalo nas mulheres negras é principalmente psicológico, mas que acaba atingindo a parte física também. “Mulheres que perderam filhos, companheiros, pais etc por conta da violência policial sofrem intensamente em sua saúde mental”,refletiu a advogada ao analisar a representação feita pelo Educafro. “Apenas como um exemplo desse impacto indireto, em maio de 2018 nós perdemos três mães de jovens que morreram na mão do Estado: uma por suicídio e as outras por doenças como câncer”, conclui Maria Sylvia. […]