Pichador é confundido com ladrão e espancado até a morte em supermercado de SP

Rafael da Silva, 34 anos, foi perseguido por um grupo de homens que saíram de um condomínio da região de Interlagos, zona sul de SP, até uma unidade do Atacadão, onde foi agredido sob acusação de roubar baterias de carros

Mãe de Rafael Luas da Silva, durante protesto contra a morte do filho | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Há uma semana, no dia 22 de outubro, o confeiteiro Rafael Lucas da Silva, de 34 anos, foi espancado até a morte em uma unidade do supermercado Atacadão, em Interlagos, zona sul da cidade de São Paulo. Ele tinha feito aniversário nove dias antes, e estava feliz porque iniciaria em um novo emprego, mas teve a vida interrompida por ter sido confundido com ladrão de baterias de carros.

Conhecido no mundo da pichação como Rau Os Doidera, ele tinha como hobby deixar sua assinatura nos muros da cidade há mais de duas décadas. No domingo de sua morte, saiu de casa, em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, por volta das 11h para ir a uma festa de pichadores. Na volta, parou o carro em frente a um condomínio da avenida Miguel Yunes, a menos de 500 metros do supermercado, para pichar alguns tapumes de madeira, conforme conta o eletricista Alexandro Lopes de Souza, 40, cunhado da vítima.

Antes mesmo de começar a pichar, um grupo de homens que estaria em uma festa de um dos condomínios da avenida saiu dizendo que Rafael estava ali para roubar baterias de carros. O pichador teria tentado conversar com o grupo, dizendo que não estava roubando nada, e mostrou o spray de tinta indicando que iria apenas deixar seu registro nos tapumes que estavam na via.

De acordo com amigos, o pichador foi pressionado e acusado incisivamente como ladrão, até que reagiu agredindo um dos homens com a lata de spray, para conseguir fugir do grupo. Ele saiu correndo em direção ao Atacadão, que fica na mesma avenida, e entrou no banheiro do estabelecimento na tentativa de escapar dos agressores. O grupo que acusava Rafael correu atrás, e não foi impedido pelos seguranças do supermercado de alcançar o pichador.

Já nas dependências do supermercado, Rafael começou a ser agredido, segundo contam os amigos. Mesmo após o início das agressões, a irmã do pichador, Rosângela Maria da Silva, conta que o confeiteiro ainda conseguiu ligar para três pessoas e dizer que estava sendo agredido. Depois disso, o linchamento foi concluído. Quando a família chegou no local, o pichador já estava sem vida, e seu celular tinha desaparecido.

Uma semana depois do linchamento, neste domingo (29/10), familiares e amigos da vítima foram ao local para pedir justiça e a prisão dos responsáveis pela morte de Rafael. “Estou aqui pelo Rafael, pela minha mãe, que está com câncer e nós descobrimos há pouco tempo, e por todos amigos dele. Pichador não é ladrão, e ninguém merece ter a vida tirada desse jeito”, afirma Rosângela, responsável por organizar a manifestação que reuniu dezenas de pessoas debaixo de forte chuva.

Rafael é o caçula de quatro irmãos, e deixa quatro filhos, sendo que a mais velha tem apenas nove anos e a mais nova, dois. “Sei que para as filhas dele, ele é um ótimo pai, e par minha mãe, um ótimo filho. O câncer impede minha mãe de falar, mas ela sabe que mataram o filho dela e a dor é enorme. Agora somos apenas em três, mas eu prometi para ela que vou até o fim para conseguir justiça”, diz a irmã da vítima.

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Como Rafael conseguiu entrar em contato com amigos depois do início das agressões, familiares acreditam que “terminaram de matar” o pichador dentro do banheiro do Atacadão depois da sessão de agressões do grupo do condomínio. “Nada justifica o que fizeram com um pai de família. Bateram nele até com uma chave de roda. Por que isso? Ele não era nenhum ladrão. Ele nunca roubou, nunca matou, nunca fez nada contra ninguém. Ele é pichador há 20 anos, era isso que ele amava fazer, mas isso é motivo para ser morto?”, questiona a irmã.

Outro lado

Procurada, a assessoria de imprensa do Atacadão, que pertence ao grupo Carrefour, negou que os funcionários da unidade tenham se omitido ou facilitado o linchamento. Leia a nota na íntegra:

Lamentamos profundamente o ocorrido no dia 22 de outubro, quando um grupo de pessoas invadiu o estacionamento da nossa loja para perseguir um homem. Ao identificarmos a situação, prestamos socorro à vítima acionando imediatamente a Polícia Militar e o SAMU.
As imagens das câmeras de segurança do local e corporais usadas por nossos seguranças que já estão em posse da polícia, mostram que a ação durou 47 segundos e ocorreu em um banheiro na área externa da loja. Nossa equipe seguiu todos os protocolos requeridos, agindo rapidamente para prestar socorro à vítima.
Nos solidarizamos com a dor da família e seguimos à disposição para cooperar com as autoridades na apuração do crime.

Já a Secretaria da Segurança Pública do estado de São Paulo, procurada através de sua assesssoria de imprensa terceirizado Fator F, respondeu através de nota que “a investigação está em andamento pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A equipe da unidade analisa as imagens coletadas no estabelecimento e nas imediações e ouve testemunhas para identificar a autoria e entender a dinâmica dos fatos“.

Reportagem atualizada às 19h05 do dia 30/10/2023 para incluir nota da SSP-SP

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