Sem provas, sargento aposentado publicou foto de autônomo para amigos, incluindo policiais da ativa, e seguidor sugeriu a criação de uma milícia para “acabar” com gente como ele
O sargento aposentado da Polícia Militar de São Paulo Wladimir Monteiro de Oliveira usou sua conta no Facebook para acusar um jovem negro de ser responsável por atirar contra um cabo da PM na madrugada da última sexta-feira (16/12), em São Vicente, no litoral paulista.
Na publicação na manhã seguinte aos disparos contra o policial militar, o sargento Oliveira diz que o rapaz da imagem compartilhada “foi autor dos disparos contra o cabo Átila na noite passada, no Catiapoã [bairro de São Vicente]”. O policial escreveu ainda que o estado de saúde do PM baleado é “gravíssimo, dado o número de projéteis que o atingiram”.
A rede social do sargento é acompanhada por policiais e ex-policiais militares, e pelo menos dois deles interagiram na acusação sem provas feita por Oliveira. De acordo com informações do Portal da Transparência, atualmente, o PM aposentado recebe salário de R$ 7.512,76 brutos por mês da da SPPrev (São Paulo Previdência), com o cargo de terceiro sargento.
O sargento, no entanto, não apresenta em sua publicação nenhum indício que aponte o envolvimento do jovem no ataque ao policial militar. A publicação sugere que seus seguidores capturem o rapaz de forma clandestina, conforme entendeu um de seus amigos, que fez o seguinte comentário: “Se tivesse uma milícia organizada para acabar com esses lixos, eu seria voluntário com muito prazer e sangue nos olhos”.
A pessoa acusada pelo sargento Oliveira é um trabalhador autônomo de 27 anos. Familiares do jovem e testemunhas do caso afirmaram à Ponte que o jovem estava próximo do local onde o PM foi baleado, mas não teve envolvimento com a ação criminosa.
De acordo com um amigo da família, o autônomo e o cabo Átila eram vizinhos, mas não mantinham uma relação amigável porque o policial não gostava do jeito do jovem, principalmente porque o rapaz faz, ainda segundo o amigo, uso recreativo de maconha. No entanto, ele diz que nunca houve nenhum grande atrito entre os dois.
Quando o policial foi baleado, o filho do PM teria compartilhado com os colegas do pai que o vizinho não mantinha um bom relacionamento com o policial, e que teria sido visto correndo após o crime. O autônomo correu depois presenciar os disparos, mas não teve nenhuma ligação com o ataque, de acordo com testemunha.
A falta de relação amistosa entre os dois foi o suficiente para outros policiais militares compartilharem a foto do jovem em grupos de WhatsApp. Em um áudio encaminhado junto com a imagem do jovem, o autor da mensagem diz que o autônomo foi responsável por “ficar de campana na esquina para o pessoal fazer a presepada”.
O irmão de autônomo registrou, de forma online, uma denúncia na Corregedoria da Polícia Militar. Ela afirma que há informações circulando de que policiais militares descaracterizados estão procurando o jovem para matá-lo, e pede por ajuda. “Peço socorro, pois meu irmão e minha família estão correndo risco de vida”, escreveu.
Outro lado
A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar do Estado de São Paulo sobre a acusação sem provas feita pelo sargento aposentado da PM. Também perguntou sobre as circunstâncias que o PM Átila foi baleado, e sobre a segurança do jovem após ser exposto nas redes sociais. Até a publicação desta reportagem não houve retorno.
O sargento Oliveira também foi questionado, via redes sociais, sobre a acusação que fez. A Ponte pediu um posicionamento do policial sobre a publicação e quais indícios ele tem sobre possível envolvimento do jovem no ataque. O PM aposentado também não respondeu até esta publicação.