Moradores do estado enfrentam falta de água e alimentos. Fornacimento de energia foi interrompido em 13 das 16 cidades na terça (3/11) e ainda não foi completamente reestabelecido
Reportagem publicada originalmente no portal Amazônia Real
O governo federal enviou, por aeronaves militares, grupos de geradores de Manaus (AM) ao Amapá e afirma que restabeleceu 65% o fornecimento de energia elétrica no estado no sábado (7/11), mas os moradores dizem que a luz voltou apenas nas áreas mais nobres, nos hospitais e no centro de Macapá. Nos bairros periféricos, comunidades rurais e outros municípios, a população ainda enfrenta racionamento ou mesmo o apagão, o que gerou uma série de protestos, começando nesta sexta-feira (6/11) na capital Macapá, no Distrito de Casa Grande e em Santana.
O governador Waldez Góes (PDT) anunciou que reforçou a segurança nas ruas com o policiamento ostensivo do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar e não comentou a repressão com balas de borracha contra os populares.
Em Macapá, a moradora do conjunto habitacional São José, Edicléia Ribeiro, disse que a revolta das pessoas é pela ausência de comunicação e solução do governo estadual. “Todo mundo desceu dos apartamentos e fomos para as ruas. Nos deram o apagão e respondemos com panelaço”, relatou ela à Amazônia Real.
“Na minha casa no bairro Universidade não houve nenhum retorno de energia. Os comércios continuam com comida estragando. É impossível conseguir sacar dinheiro e sinal do meu celular só voltou hoje (7) ”, disse a moradora.
Com mais de 700 mil habitantes, o estado do Amapá sofre interrupção no fornecimento de energia elétrica desde terça-feira (3/11), após um incêndio na subestação controlada pela companhia Linhas de Macapá Transmissora de Energia S.A., empresa que tem como principal acionista o grupo espanhol Isolux Corsan. O incêndio destruiu três transformadores.
A calamidade pública foi decretada pela Prefeitura da capital Macapá, município com mais de 500 mil habitantes. A crise no sistema de energia acontece no momento em que o estado enfrenta uma alta nos casos de Covid-19.
Na sexta-feira (6/11), o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) , conforme a revista IstoÉ, cobrou uma ação mais dura da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em relação à operação da espanhola Isolux. O CNE destacou que o Amapá é alvo de intensas descargas atmosféricas, apontadas como a provável causa do incêndio no transformador, mas segundo informações de trabalhadores da empresa, o segundo transformador estava em manutenção e o terceiro apresentou vazamento, o que desencadeou o apagão.
Diante da demora no reparo pela companhia da Isolux e por parte das autoridades estaduais, o Ministério de Minas Energia instalou um gabinete de crise, mobilizando equipes técnicas para auxiliar os agentes do sistema elétrico. O CNE também criticou a privatização da Eletronorte. “Embora o setor elétrico esteja sujeito a intempéries climáticas, o que ocorre no Amapá só demonstra o equívoco de privatizar a Eletrobras e suas empresas, que no Estado é representada pela Eletronorte”, afirmou na nota do Coletivo.
Bope, tiros e balas de borracha
Desde a noite de sexta-feira (6/11), a população vai às ruas para pedir uma resposta, já que o governo federal anunciou que o problema da falta de energia em todo o estado deve ser solucionado em dez dias. Houve protestos na capital Macapá, no Distrito Casa Grande, onde moram populações quilombolas, e no município de Santana.
Edicléia Ribeiro disse que a população fechou com pedaços de madeira e pneus as ruas do bairro Novo Buritizal, causando fogo nas principais áreas de acesso e ruas, na capital Macapá. Como resposta, a polícia começou a reprimir as pessoas revoltadas com a falta de solução.
“Chegou primeiro a Polícia Militar tentando afastar o povo. O povo não afastou. Aí chegou o Bope [Batalhão de Operações Especiais]. Dentro do conjunto, eles começaram a atirar com balas de borracha. Depois disso começou um caos. Era gente correndo, era criança, era idoso, era todo mundo correndo em desespero”, disse a moradora. “A polícia entrou nos blocos e começou a atirar na galera dentro dos blocos. A população começou a reagir jogando pedra na PM para conseguir se defender”, completou.
Segundo a moradora, os policiais militares ficaram por duas horas dentro do conjunto São José. “A população recuou por não conseguir mais distinguir se as balas eram de borracha ou não. Muitas pessoas ficaram feridas e sem conseguir se deslocar para o hospital de emergência da capital, que segue lotado com o aumento de números de casos da Covid-19”, disse Edicléia Ribeiro.
Outro morador do conjunto, Aryano Rodrigues, disse que os policiais militares “foram covardes com a população, sem se importar se eram crianças, adultos ou idosos”.
“O Bope ameaçou a população e tocou o terror ao som de tiros e invadiu os prédios com bomba de gás da maneira covarde que eles estão bem acostumados a fazer. Estamos sem água, sem luz e ainda somos atacados pela polícia”, relatou.
Edicléia lembra que, no segundo dia do apagão, na quarta-feira (4), a falta de energia interrompeu o abastecimento de água potável, deixando a população em desespero. Segundo ela, moradores abriram as cisternas de água nos conjuntos habitacionais, mas no quarto dia sem luz, não havia mais água nem nos poços. Foi quando a população começou a se abastecer pegando com baldes e panelas a água do rio Amazonas, mas nem todos os bairros ficam próximos da margem. Alguns tiveram que andar longas distâncias entre a margem do rio e suas residências.
A prefeitura de Macapá disponibilizou para a população a distribuição de água em carros-pipa e priorizou os conjuntos habitacionais, entre eles o São José, onde Edicléia Ribeiro mora. Ela relatou que a água do carro-pipa estava suja: “dava no máximo para lavar a louça, não dava para consumo. Mesmo assim, a água foi insuficiente para abastecer todas as famílias. Ao todo são mil e quinhentos moradores no conjunto habitacional”, disse.
Em nota publicada no site oficial, o governador Waldez Góes não comentou sobre as operações da Polícia Militar nas ruas de Macapá. Ele decretou estado de emergência nos treze municípios que enfrentam o apagão. No sábado (7), acompanhou uma visita técnica à subestação da empresa Isolux junto com o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM/AP).
“Desde as primeiras horas, após o incêndio, contactei as autoridades federais, o senador Davi, para solucionarmos o problema. Além disso, o trabalho de assistência continuará e o ministro Bento garantiu que até o final da próxima semana teremos a retomada 100% da energia elétrica em todo o estado”, disse Góes, em declaração dada pela nota.
Procurada pela reportagem, a Polícia Militar disse que vem reforçando o policiamento ostensivo em toda capital para proteger a população. Desde a noite de sexta-feira (6), afirma que vem mantendo o mesmo esquema com oficiais especialistas em policiamento de choque e viaturas. Sobre a repressão com balas de borracha do Bope, a assessoria informou que nesta segunda-feira (9) irá se pronunciar.
Energia cara e danos ambientais
Com quatro hidrelétricas – Coaracy Nunes, Ferreira Gomes e Cachoeira Caldeirão (no Rio Araguari), e Santo Antônio do Jari (no Rio Jari) – o Amapá possui uma das tarifas de energia elétrica mais caras do Brasil. As usinas estão no Sistema Interligado Nacional (SIN) desde 2015. O sistema é ligado através da linha de transmissão que começa na usina hidrelétrica de Tucuruí, no oeste do Pará, segue para o Amapá e termina no Amazonas.
Antes do apagão, a população já vinha se manifestando contra a precariedade dos serviços oferecidos e pedindo providências pelas constantes quedas de energia. Dos 16 municípios do estado, apenas Laranjal do Jari, Vitória do Jari e Oiapoque estão com luz, pois são abastecidos por sistemas independentes.
No bairro do Congós, um dos mais antigos e tradicionais de Macapá, a população relata que o problema de falta de energia é histórico. “Há uma revolta com a companhia elétrica do estado, que não faz um acompanhamento da situação precária principalmente dos bairros mais populosos e periféricos da capital”, disse Cleiton Rocha. “Os valores cobrados na tarifa de energia são exorbitantes e variam entre 500 e 750 reais. Afinal, o que justifica esses valores criminosos? Sendo que esses valores com taxa de energia consomem quase todo o valor de um salário mínimo”, lembra ele.
A hidrelétrica Santo Antônio do Jari, por exemplo, tem capacidade de 373,4 MW – energia suficiente para abastecer uma cidade com 3 milhões de habitantes, seis vezes a cidade de Macapá, segundo estudo do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos. Construída a partir de uma barragem no rio Jari, a usina está na divisa dos estados do Pará e Amapá, entre os municípios de Almeirin (PA) e Laranjal do Jari (AP). Famílias de ribeirinhos foram afetadas com a inundação da barragem.
O ativista ambiental e historiador Higor Pereira relata que as hidrelétricas no rio Araguari causaram um impacto social e ambiental gigantesco.
“Tem estudos que indicam que lá no Bailique (arquipélago) está tendo impacto por conta do que está acontecendo no rio Araguari. Nas proximidades de Ferreira Gomes e Porto Grande, houve mortandade de peixes. Toneladas e toneladas de peixes mortos apareceram desde que essas hidrelétricas começaram a funcionar. Isso tem um impacto ambiental, mas também um impacto social, porque nas margens do Araguari há dezenas de comunidades de ribeirinhos que dependem do rio para sobreviver”, diz.
Protestos começaram na sexta-feira
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