Com informações falsas, áudio atribuído a coronel afirma que “pessoas perigosas” pretende “desvirtuar” policiais ao ensinar respeito aos direitos humanos
Um áudio atribuído ao coronel aposentado da PM Alexandre Marcondes Terra, presidente da entidade PMs de Cristo, circula no aplicativo Whatsapp convocando “as pessoas de bem que amam a polícia” a estarem presentes na última audiência pública do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos, que acontece na noite desta quinta-feira (28/9), na Assembleia Legislativa de São Paulo, para combater “muita gente do mal” que estaria infiltrada em “movimentos sociais esquerdistas” com o objetivo de ensinar respeito aos direitos humanos para policiais militares.
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No áudio, cuja autoria até a publicação dessa matéria não havia sido confirmada pela assessoria de imprensa dos PMs de Cristo, o coronel afirma que recebeu “um pedido especial de alguns comandantes do comando” da PM, com o objetivo de mobilizar a população evangélica a participar de uma suposta votação final que definiria a validade do texto-base.
A motivação seria o conhecimento de que “gente do mal” teria se infiltrado no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) com o objetivo de interferir no processo de formação dos PMs, numa referência à meta do plano de segurança, que assegurava a presença de 1/3 de participantes de movimentos sociais, sindicais e de fora da academia atuando na formação dos profissionais. O áudio faz críticas a “movimentos sociais esquerdistas que vão desvirtuando valores e respeito às pessoas e organizações” e que “aquilo que a polícia prega dos melhores valores de respeito à pessoa humana”.
Questionada, a presidenta do Condepe, Maria Nazareth Cupertino, afirma que nem ela, nem outros integrantes da diretoria do Condepe receberam contato direto da Polícia Militar, mas que recebeu informações de que os PMs têm ligado na Assembleia pedindo informações sobre o evento e sobre a presença da secretária nacional de Direitos Humanos, Flávia Piovesan.
Sobre as acusações de infiltração, Maria Nazareth afirma que “deve ser uma alusão ao ex-vice-presidente do Condepe Luiz Carlos Santos”, preso em 2016 e condenado por envolvimento com a facção criminosa Partido do Crime da Capital (PCC). “Mas a gente não recebeu mais nada, essa acusação é muito grave!”, afirma.
O áudio atribuído a Terra faz uma afirmação incorreta a respeito da participação da Polícia Militar nas discussões referentes à elaboração do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos. O coronel afirma que a presença de todos “é uma necessidade porque eles excluíram a PM das discussões de uma forma muito perigosa”. Entretanto, desde o processo de construção do texto-base do plano, principalmente no que se refere ao eixo de Segurança e Sistema de Justiça, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as academias da Polícia Militar e Polícia Civil estiveram presentes.
O áudio ainda convoca os ouvintes a comparecerem em peso, e faz um pedido: “mobilizem outras pessoas da nossa igreja, comunidade e parentes, pra ganharmos nos votos”, reforçando que “querem fazer a cabeça dos PMs”.
Maria Nazareth explica que, ao contrário do que afirma o áudio, não haverá mais votação referente ao plano. “Hoje é a última audiência de consulta pública. O texto será lido hoje, depois revisado pela coordenadoria e quem aprova a versão final é o Condepe.”
Em outro trecho, o áudio sugere que o governo estaria monitorando os movimentos sociais. “Nosso sistema de inteligência percebeu que eles estão mobilizando muita gente do mal”, afirma. Questionada sobre a existência deste suposto monitoramento, a Secretaria de Segurança Pública não se pronunciou até a publicação dessa matéria.
O áudio atribuído ao PM de Cristo encerra dizendo que “é hora desse exército acordar e tomar posição, nós temos que fazer isso com mais frequência e chegou esse momento”, fazendo referência aos apoiadores cristãos e à comunidade evangélica. Os PMs de Cristo e o projeto Polícia e Igreja são derivados da Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, fundada em 1992, e contam com mais de 500 igrejas parceiras, de diversas denominações.
No final da tarde desta quinta-feira (28/9), os PMs já tomavam conta de boa parte do lado direito do auditório Paulo Kobayashi, na Assembleia Legislativa.
Procuradas, as assessorias de imprensa dos PMs de Cristo e da Secretaria de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB) não se manifestaram até agora.