PM de folga que matou jovem por causa de R$ 5 será levado a júri popular, decide TJ

Magistrado considerou que jurados devem avaliar conduta do soldado Guilherme Garcia, acusado de homicídio qualificado após ter discutido e matado o estudante Iago Gomes, 23, por falta de pagamento de taxa em tabacaria, em SP

Estudante de engenharia, Iago Gomes Cunha tinha 23 anos | Foto: Reprodução/Facebook

O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o soldado Guilherme Cardoso Garcia, 25, seja julgado por um júri popular pela morte do estudante Iago Gomes Cunha, 23, baleado em frente a uma tabacaria na zona leste da capital paulista em janeiro deste ano após uma discussão entre os dois que teria iniciado porque Iago não pagou uma taxa de R$ 5 para entrar no estabelecimento. A determinação foi publicada no dia 27 de julho.

O juiz Leonardo Valente Barreiros, da 4ª Vara do Júri de São Paulo, argumentou que a materialidade do crime e a autoria são os requisitos necessários para que o policial seja julgado por um Conselho de Sentença, ou seja, um colegiado de pessoas provenientes da sociedade civil. Além disso, pontuou que a tese de legítima defesa, levantada pelos advogados de Guilherme, também deve ser apreciada pelos jurados, uma vez que entendeu haver dúvidas sobre essa justificativa e que não poderia inocentá-lo sumariamente da acusação de homicídio qualificado por motivo fútil, com pena prevista de 12 a 30 anos de prisão.

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O magistrado havia aceitado a denúncia do Ministério Público, mas nessa sentença de pronúncia ao júri, retirou a qualificação de que o homicídio ocorreu de forma que dificultou a defesa da vítima, ou seja, de que Iago teria sido baleado de surpresa. Ele menciona o laudo da perícia que degravou as imagens de câmeras de segurança da tabacaria e mostram que, durante a discussão, quando Guilherme saca a arma, Iago faz menção de ir em direção ao policial e é contido pelos amigos. Guilherme ainda mantém a arma em punho e depois faz os disparos quando Iago se aproxima novamente. A Ponte obteve o vídeo que flagrou o momento.

Por outro lado, Barreiros manteve a prisão preventiva de Guilherme ao enfatizar que ele não agiu com a prudência de um agente do Estado. “Tal conduta, de quem, com o aval da sociedade carrega consigo arma de fogo, releva um modo de proceder temerário de quem se espera exatamente o oposto”, escreveu.

A família do estudante atua como assistente de acusação do Ministério Público. À Ponte*, a mãe de Iago, a professora Jocelma Cunha, disse que espera que o policial seja condenado pelos jurados. “No dia da audiência, eu vou estar lá para dizer quem meu filho era, uma pessoa de bem, trabalhadora, que não estava armado e foi morto por quem deveria proteger. A marmita do meu filho ficou na geladeira porque ele ia trabalhar no dia seguinte”, declarou chorando. “Meu filho não volta mais e isso não pode ficar impune porque, se ficar, vão ser outras famílias que vão ter as vidas destruídas”.

Em fevereiro, à reportagem, ela contou que sempre viveram no bairro de Ermelino Matarazzo e que o filho era muito bem quisto por todos. “O pai dele é mecânico e ele sempre ficava na oficina, estava até trabalhando com ele”, lembrou na época. O estudante estava cursando engenharia mecânica em uma faculdade particular mas, por causa da pandemia, teve de trancar a graduação. “Agora que ele estava pensando em tentar voltar para a faculdade e aconteceu isso”, lamentou a professora. Tanto a família quanto o o promotor Fábio Rodrigues Goulart defendem que o jovem foi baleado de surpresa e sem motivo.

Já os advogados Wanderley Alves dos Santos e Jéssica de Souza Mendes, que representam o soldado, argumentam que Guilherme foi provocado por Iago e que sua reação de disparar foi “o último recurso a fim de defender sua vida”. Antes, teria pedido para que Iago se afastasse, disse que ligaria para a polícia e que temeu por sua vida por conta do “porte físico” de Iago e por estar em “inferioridade numérica”. Também alegaram que o estudante teria tentado desarmá-lo.

Relembre o caso

Embora o PM tenha matado o jovem quando buscava defender os interesses da tabacaria, o proprietário da Smoke Like, Rérisson de Morais Braz, negou, em depoimento à Polícia Civil, que o soldado estivesse atuando como segurança do estabelecimento na noite do crime. Rérisson, contudo, admitiu que já havia contratado Guilherme como segurança do local “por quatro ou cinco vezes” — a prática de policiais atuarem como seguranças privados é ilegal. Após o crime, o PM foi preso. Ele permanece no Presídio Militar Romão Gomes.

De acordo com os depoimentos dados por dois amigos da vítima, de 22 e 23 anos, à Polícia Civil em durante a audiência, eles e Iago foram à tabacaria, localizada na Rua Paranaguá, por volta das 22h, esperar um outro colega. Foi quando um homem, que imaginaram ser segurança do local, questionou: “Vocês vão ficar? A taxa é R$ 5!”. O homem era o PM Guilherme.

Iago respondeu ao policial que estavam apenas procurando um amigo, que eram clientes antigos e não ficariam no estabelecimento. Quando estavam saindo do local, o soldado gritou “Você me chamou de cuzão?”, em direção a Iago, que teria negado. Começou uma discussão entre os dois e, segundo as testemunhas, Guilherme empurrou o estudante, sacou uma arma e deu três tiros contra ele, que caiu no chão.

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Os amigos tentaram socorrer Iago, mas Guilherme não deixou e apontou a arma para que eles se afastassem. Uma frequentadora que estava no local se identificou como enfermeira e começou a prestar os primeiros socorros até a chegada da equipe médica do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), mas o estudante morreu no chão. Ele foi atingido por dois tiros no abdômen e um na virilha, de acordo com o laudo necroscópico.

O proprietário da tabacaria, Rérisson de Morais Braz, confirmou que conhecia Iago há dois meses e que o policial questionou os três amigos a respeito da taxa de R$ 5. Guilherme havia se aproximado deles para que deixassem o espaço, momento em que os jovens teriam “aumentado a voz”, sem proferir xingamentos, e que saíram do local. Já do lado de fora, começaram a discutir e Iago, segundo Rérisson, teria ofendido Guilherme, que deu um empurrão e sacou a arma. Logo em seguida, Iago teria “avançado” contra Guilherme, que efetuou dois disparos.

Já o policial militar alegou que encontrou dois amigos na tabacaria e que notou a chegada dos três rapazes, sendo que um deles estaria “aparentemente embriagado”, já que estariam falando alto e passaram a discutir com o dono do estabelecimento. Guilherme disse que “entendeu” que o trio queria permanecer no local, mas que haviam se recusado a pagar a taxa de R$ 5, e que tentou “apaziguar” a situação. Ele afirma que Iago passou a “cismar” com ele e a xingá-lo. Em seguida, identificou-se como policial militar, dizendo que estava armado, mas Iago o teria chamado de “cuzão” e “filho da puta”, encostando “o dedo indicador no peito” do PM.

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Na versão do PM, ele diz que esticou a mão para que o estudante se afastasse, mas que Iago teria dado um tapa na sua mão e avançado contra a sua cintura para desarmá-lo. Só nesse momento, segundo o policial, é que ele deu dois disparos “com a intenção de acertar a parte inferior do seu corpo”. Mesmo baleado, Iago teria tentado desarmá-lo e por isso o soldado deu um terceiro disparo.

Em audiência, a defesa do policial ainda arrolou duas testemunhas que trabalham na tabacaria, sendo uma delas filha de um dos amigos de Guilherme, que também afirmaram que Iago teria xingado e “partido para cima”.

O que diz a polícia

A reportagem questionou as assessorias da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar a respeito do caso, bem como se a Corregedoria da corporação apura as circunstâncias da ação, e aguarda uma resposta.

Também procuramos a defesa do PM, por telefone e e-mail, mas não tivemos resposta.

*Reportagem foi atualizada às 16h16, de 10/8/2021, após a mãe de Iago responder o contato da reportagem.

Correções

*Reportagem foi atualizada às 16h16, de 10/8/2021, após a mãe de Iago responder o contato da reportagem.

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