PM de SP apreendeu 3 vezes mais drogas na Operação Verão na pandemia do que em 2024

Lei de Acesso à Informação mostra que PM apreendeu mais drogas matando quase 4 vezes menos em 2020/2021 em comparação com 2023/2024. Dados não batem com releases da Secretaria de Segurança Pública e pasta contesta a própria PM

Policiais em patrulhamento no Guarujá durante Operação Escudo, em 2023 | Foto: Agnes Sofia Guimarães/Ponte Jornalismo

Apesar de não ser necessariamente uma métrica que signifique algo para a segurança pública, ainda mais num contexto de “guerra às drogas“, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) sob a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do secretário Guilherme Derrite tem considerado que as apreensões de drogas são um dos indicadores de “duro golpe” ao crime organizado durante a Operação Verão.

Números fornecidos pelas polícias paulistas à Ponte via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que, mesmo por esses critérios, a PM paulista foi mais eficiente na pandemia – e matando menos, contradizendo as declarações do governador e secretário de que o crescimento nas mortes causadas por policiais é um “efeito colateral” de um ganho geral de produtividade policial.

A Ponte solicitou informações relacionadas a todas as edições da Operação Verão, que acontece tradicionalmente todos os anos no período de final e início de ano por causa do aumento de circulação de turistas nas praias do litoral paulista. Contudo, a PM mandou dados a partir de 2020 e a Civil, de 2021. Segundo a PM, a edição de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021, durante a pandemia de Covid-19, foi a com a maior apreensão de entorpecentes: 3,6 toneladas. No período de 18 de dezembro de 2023 a 4 de abril de 2024, foi apreendida 1 tonelada de entorpecentes, enquanto nas mortes os valores se invertem: foram 13 pessoas mortas pela PM na Operação Verão 2020/2021, contra 41 em 2023/2024.

Os números fornecidos tanto pela PM quanto pela Polícia Civil, entretanto, não condizem com os dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSp-SP). A pasta informou que a operação encerrou com a apreensão de 2,6 toneladas de entorpecentes pelas forças policiais no período de 18 dezembro de 2023 a 1º abril de 2024, sendo 1,2 tonelada delas numa apreensão única feita pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), e 330 kg pela Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) de Santos, ambas da Polícia Civil, nas quais não houve nenhuma morte.

Mesmo que a apreensão tenha sido feita pela PM, deve haver registro em delegacia. A PM informou que apreendeu 1 tonelada de entorpecentes durante a Operação Verão. Já a Civil, 1,3 tonelada. Se só 1,2 tonelada, segundo a SSP, foi apreendida pelo Deic, a conta não fecha. Questionada, a Fator F, que faz a assessoria terceirizada da SSP, disse que “solicitará à Polícia Militar a verificação dos dados fornecidos à reportagem”, desautorizando a corporação (veja a nota na íntegra ao final da matéria). “O balanço levou em conta dados da PM, visando evitar duplicidade, uma vez que todas as ocorrências são apresentadas e também registradas pela Polícia Civil”, disse, frisando que a pesagem preliminar pode ser diferente da atestada pelo Instituto de Criminalística, apesar de as informações serem totalmente discrepantes das divulgadas em release.

De nove releases publicados pela Fator F sobre apreensão de drogas pela PM, apenas duas tinham informação em quilos, uma de 235,7 kg de metanfetamina e outra de 20 kg (divididos entre maconha, cocaína, metanfetamina e outras) pela PM Ambiental. As demais são apenas citadas em porções, sem dimensão de volume.

A divergência também se dá pelo número de apreensões de armas e de prisões. Enquanto a SSP disse que as duas polícias apreenderam 119 armas de fogo, a PM informou via LAI ter apreendido 129 e a Civil, 114. Além disso, pela série histórica que foi disponibilizada, a Polícia Civil registrou mais apreensões de armas do que a PM.

A Secretaria divulgou que 1.025 pessoas foram presas pelas forças policiais e 47 adolescentes apreendidos. A PM informou que foram 650 presos em flagrante e 75 adolescentes apreendidos. Já a Civil afirma que, em flagrante, 1.030 pessoas foram presas, além de 800 por mandado judicial, e não informou sobre menores de idade apreendidos.

A coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Beatriz Graeff, pondera que a divergência de informações revela falta de transparência, mas também, pelas informações oficiais, que a atuação da PM, mais destacada pela gestão, é “questionável” quanto à narrativa de “duro golpe” ao crime. “O que asfixia financeiramente, em termos de tirar a disponibilidade de droga, são essas grandes apreensões que, na maior parte, são feitas sem toca de tiro, com identificação do local da armazenagem através de atividades de inteligência, e não de quantidades que são apreendidas com pessoas, que são as abordagens desse patrulhamento territorial que eles [PMs] fazem e é o que gera confronto e letalidade”, aponta.

A Secretaria disse que a operação encerrou em 1º abril, mas a PM informou três dias a mais. Outro dado diferente são as de mortes decorrentes de intervenção policial. A Polícia Militar informou 41 mortes, sendo 40 em serviço, o que contrasta com a divulgação da pasta de 56 vítimas.

Apesar de a corporação ter indicado como número de vítimas, a Secretaria disse que se tratou de “40 confrontos de criminosos com as forças policiais, que resultaram na morte de 56 suspeitos”, antes de se concluir qualquer investigação.

A edição de 2023/2024, além de ter sido a mais longa, por ter se prorrogado até abril, também foi a com maior violência policial. Como a Ponte mostrou, a letalidade policial na Baixada Santista cresceu 394% no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. A região é composta por nove municípios, com uma população 11 vezes menor que a cidade de São Paulo. Desde 2018, existe uma lei estadual que obriga a realização de Operação Verão na Baixada.

Pelos microdados das mortes que são publicados pela SSP, que se dá pelos boletins de ocorrência, o número de vítimas em cada edição da Operação Verão é muito maior: foram 89 mortes pela PM, sendo 80 só durante o serviço, na edição 2023/2024.

A Ponte selecionou os casos ocorridos no intervalo nos 16 municípios da região litorânea, que é composta pela Baixada Santista (Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Monguagá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente), Litoral Norte (Caraguatatuba, Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba) e Litoral Sul (Cananéia, Iguapé e Ilha Comprida), já que foi anunciada nessas cidades.

Já policiais civis não praticaram mortes na operação de dezembro do ano passado a abril deste ano. Na de 2022/2023 foram duas mortes e a de 2021/2022 registrou uma vítima.

O banho de sangue escalou após os assassinatos de três policiais militares, especialmente depois que o soldado Samuel Wesley Cosmo foi morto durante um patrulhamento no dia 2 de fevereiro, em Santos. Ele integrava as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a força especial da PM paulista e a única que pode atuar em todo o estado. A operação foi dividida em três fases e foi prorrogada até 1º abril.

Como Ponte revelou, esse batalhão fez em dois meses 19 vítimas, o equivalente à metade do que matou (38) no ano inteiro de 2023, com base no levantamento do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Para se ter uma ideia, em janeiro, a Rota matou uma pessoa em Santos. Mas no dia seguinte ao assassinato de Cosmo, os policiais mataram cinco pessoas, sendo quatro delas em Santos e uma em São Vicente. Foram 17 vítimas da Rota na Baixada até 19 de fevereiro. Já em março, foram duas.

O mesmo modus operandi aconteceu na Operação Escudo, deflagrada em 28 de julho de 2023, um dia após o assassinato do soldado Patrick Bastos Reis. Ele também integrava a Rota e foi baleado em serviço no Guarujá. No dia 28, os policiais desse batalhão mataram três pessoas. No dia seguinte, mais três. Outras duas nos dias 30 e 31 de julho. Todas na mesma cidade. As duas são consideradas operações de vingança por moradores, ativistas, pesquisadores e entidades de direitos humanos.

Apesar de a secretaria afirmar que não houve Operação Escudo no primeiro trimestre deste ano e que a Verão foi prorrogada em virtude da “busca e prisão dos envolvidos na morte do soldado Wesley Cosmo e combate ao crime organizado na Baixada Santista”, a própria PM, via LAI, disse que houve edição da Escudo no período.

A Ponte havia solicitado informações sobre todas as edições da Operação Escudo, uma vez que a gestão tem informado que a operação do tipo após o assassinato do soldado Reis não era a primeira e que ocorreram outras 17 edições. Essa afirmação também foi dada pela PM em resposta ao requerimento de informação feito ainda em 2023 pela deputada estadual Ediane Maria (PSOL). A corporação alega que a Escudo era desencadeada cada vez que um policial era alvo de violência.

Via LAI, a PM informou que “o desencadeamento de Operações sob o nome ‘Operação Escudo’ teve início na data de 28 julho de 2023 sendo o término da última datado de 18 de fevereiro de 2024”. A corporação não declarou sobre a data de início da que teria sido deflagrada neste ano, apenas o término, que coincide com a sequência de vítimas feitas, especialmente, pela Rota. Todos os dados de apreensões, prisões e afins foram informados de forma acumulada nesse intervalo, sem distinção de cada edição, o que prejudica uma avaliação mais qualificada.

Para Beatriz Graeff, seria importante também verificar os gastos de recursos públicos em cada operação para se avaliar os resultados. A Ponte solicitou essas informações via LAI, mas tanto a PM quanto a Polícia Civil não quiseram responder. “Tem que priorizar os recursos de investigação e de inteligência, porque se não é enxugar gelo.”

Além disso, o assassinato de dois policiais da Rota em serviço em tão pouco tempo, algo que não ocorria há 20 anos, demonstra que as ações não têm sido empregadas de forma inteligente, já que o secretário, que é proveniente da PM, tem dado maior destaque as ações ostensivas com uso de batalhões especiais como a Rota, o que gera maior risco também para os policiais, analisa a pesquisadora do Sou da Paz. Um exemplo é que o soldado Cosmo foi morto ao ser surpreendido enquanto entrava em uma viela sozinho, sem apoio dos colegas, o que não é recomendável.

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“Parte da explicação desse cenário é que são tropas para situações de risco, em ocorrência de maior vulto, elas não são territoriais”, explica Graeff. “Isso sempre representa um risco para os policiais porque conhecer o território é importante em ocorrências com características de maior risco, de maior gravidade, e você coloca para fazer patrulhamento, que é essa atividade ordinária de policiamento”, explica.

O que dizem as autoridades

Questionada sobre a divergência das informações, a Fator F, assessoria terceirizada da SSP, enviou a seguinte nota:

A SSP esclarece que os números de presos e apreensões da Operação Verão 2023/2024 foram divulgados pela pasta, a qual solicitará à Polícia Militar a verificação dos dados fornecidos à reportagem. O balanço levou em conta dados da PM, visando evitar duplicidade, uma vez que todas as ocorrências são apresentadas e também registradas pela Polícia Civil. O balanço de entorpecentes é feito com base na pesagem que a PM faz no momento da apreensão. Todos os entorpecentes são submetidos ao Instituto de Criminalística para que seja feito laudo que vai atestar o tipo de substância e seu peso, que pode ser diferente do que o calculado na pesagem preliminar.

Na Operação Verão 2023/2024, os trabalhos policiais resultaram na prisão de mais de mil criminosos e na apreensão de 2,6 toneladas de drogas.

A operação de busca e prisão dos envolvidos na morte do soldado Wesley Cosmo e combate ao crime organizado na Baixada Santista foi feita no escopo da terceira fase desta operação. Nesta etapa, houve o registro de 40 confrontos de criminosos com as forças policiais, que resultaram na morte de 56 suspeitos. Todas as ocorrências são rigorosamente investigadas pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário.

A reportagem também procurou o Ministério Público de São Paulo (MPSP) que, desde o ano passado, tem um Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp). Mas até a publicação não houve retorno.

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