Entre janeiro e novembro de 2014, 816 pessoas foram mortas por policiais militares no Estado de SP. Letalidade policial foi maior até do que em 2006 e 2012, anos de enfrentamento das forças de segurança contra a facção criminosa PCC
A letalidade dos policiais militares de São Paulo é a mais alta dos últimos dez anos. Nesse período, o total de crimes permaneceu no mesmo patamar – inclusive os crimes contra o patrimônio, cujo combate é considerado prioritário pelo governo de São Paulo.
De janeiro a novembro de 2014, 816 pessoas foram mortas por PMs no Estado, o que representa, em média, uma morte a cada 9,8 horas, segundo levantamento realizado pela Ponte com base nos dados do Centro de Inteligência da Polícia Militar e da Corregedoria (órgão fiscalizador) da corporação.
No mesmo período, 69 policiais militares foram assassinados em São Paulo, estivessem eles no trabalho (13) ou fora do expediente na corporação (56) _0,20/dia ou um PM morto a cada cinco dias.
Ricardo Balestreri, especialista em segurança pública, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2008 a 2010) e presidente do Observatório do Uso Legítimo da Força, acredita que a truculência não reduz em nada a criminalidade. Segundo Balestreri, o cidadão que acredita que a polícia que mata mais é a mais eficiente está totalmente enganado.
“O que reduz a criminalidade é a presença da polícia, não a reação. Polícia perto da comunidade é a maior inteligência que se pode ter contra o crime. Quando o confronto acontece, fica evidente que a prevenção falhou. A regra precisa ser a prevenção e não o confronto com morte. Experiências nas quais a polícia atuou perto da população mostram reduções entre 40% e 70% dos índices criminais. O policial precisa ser o operador do direito enérgico, duro, combativo e valente para enfrentar o crime, mas ele não pode confundir seu poder e entrar na lógica de usar de maneira banal as mesmas táticas dos criminosos. O uso da força letal por parte do Estado não influencia em nada na redução dos crimes.”
A letalidade policial recorde em 2014 bateu até mesmo anos como 2006 (608 mortos) e 2012 (715), quando as forças de segurança de São Paulo e membros da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) estiveram em confronto.
Entre os 816 mortos por PMs estão os casos de “mortes sob intervenção policial” (horário de trabalho) e os homicídios dolosos, motivados, por exemplo, por brigas de bar, de trânsito, motivos passionais, vingança e etc.
Ao mesmo tempo em que a letalidade dos policiais militares bateu recorde em 2014, o combate aos crimes contrao patrimônio, apontado pela gestão de Geraldo Alckmin como prioridade na área de segurança pública, não evoluiu.
“Todo policial no Brasil precisa ter armas de bala de borracha, spray com gás pimenta, pistolas de choque e saber como utilizar esses tipos de equipamentos não letais. No processo de formação do policial, precisamos fazer com que ele tenha conhecimento técnico para entender que a arma de fogo é o recurso extremo. O policial precisa ser técnico e não emocional. É o policial que tem a permissão legal para matar, mas isso não pode ser banalizado. Quando isso acontece, o aspecto técnico da polícia está maculado.”
Na opinião do especialista, a tendência das polícias brasileiras é reagir com truculência contra a truculência dos criminosos e isso afeta diretamente a visão da sociedade sobre a atuação do braço armado do Estado.
“Quanto mais truculenta é a polícia, mais se passa a mensagem de que sociedade também pode ser. No Brasil, as polícias ainda matam muito e sem necessidade. Aqui, existe a pena de morte informal. Nela, o policial, prende, julga e executa a pena, que é a morte do suposto criminoso. Temos uma classe média sedenta por sangue, mas isso não funciona. Se matar criminosos ou supostos criminosos fosse a solução, viveríamos no paraíso da segurança pública. Está provado que é justamente o contrário.”
“Não temos um ciclo completo das polícias e as mortes dos criminosos pelas mãos dos policiais impedem ainda mais a investigação. Polícia inteligente é a que prende e usa a investigação para punir. A Polícia Militar e a Polícia Civil foram feitas para não se entender e, juntas, as duas foram mantidas pelas oligarquias para conter e ser dura contra os pobres e ser flexível e frágil com os ricos.”
Balestreri classifica o modelo de polícia no Brasil como “jaboticaba”, ou seja, assim como a fruta que só existe no nosso país, em nenhum outro lugar do mundo temos esse modelo de duas polícias. Para ele, a questão passa pela culpa dos legisladores e pela ineficiência deles em propor mudanças estruturais profundas. Na análise dele, a PM, por exemplo, poderia ficar com a função de cumprir o ciclo completo nos crimes do dia-a-dia; a Civil, com os crimes sofisticados, os que exigem periciamentos, por exemplo; e as guardas municipais poderiam ter poder para atuar nos crimes de menor potencial ofensivo.
“O policial não pode ser como o cidadão comum, que praticamente ignora os aspectos legais e a segurança pública. A polícia não pode matar de forma seletiva, quase sempre jovens, pobres e negros, para saciar a vontade de sangue da classe média. E muito menos não pode viver no paradoxo pedagógico de matar para mostrar que não se pode cometer crimes.”
Para Daniel Cerqueira, diretor da Diest (Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia), do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os gráficos ilustrativos sobre a letalidade dos PMs e os crimes contra o patrimônio mostram que a correlação entre mortes cometidas por policiais e redução de crimes não pode ser estabelecida do ponto de vista estatístico.
“Não existe nenhuma evidência internacional que polícia dura e que mata faz diminuir crimes. Sabe-se o contrário. Quanto mais cidadã é a polícia, isto propicia a coprodução da segurança pública e uma maior efetividade não apenas na prevenção, mas na solução de crimes.”
Governo de SP não se manifesta
Procurados desde o dia 8 deste mês para se manifestar sobre a letalidade policial, o recém-empossado secretário da Segurança Pública da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) à frente do governo de São Paulo, Alexandre de Moraes, e o seu novo comandante-geral da PM, coronel Ricardo Gambaroni, não atenderam ao pedido de entrevista.
A reportagem ainda solicitou que o secretário Moraes e comandante-geral Gambaroni indicassem representantes para falar sobre a letalidade dos policiais militares, mas ambos não se manifestaram sobre o pedido.
Na tarde desta sexta-feira (09), a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Público perguntou à reportagem, por telefone, “qual seria a costura da matéria” e ficou de retornar, mas isso não aconteceu até hoje.
Em sua primeira entrevista coletiva à frente da Secretaria da Segurança Pública, há uma semana, o secretário Alexandre de Moraes afirmou que pretende combater a alta nos índices da letalidade policial no Estado com mais planejamento e inteligência.
“Isso [a letalidade] se combate com mais planejamento, mais inteligência. É um policiamento de maior intensidade. Isso diminui os embates e, aí, diminui a letalidade. Obviamente, uma de nossas metas é diminuição da letalidade, até porque, nos embates, também morrem policiais. Então, o planejamento, a inteligência, as operações previamente organizadas e um policiamento de alta intensidade, nós temos absoluta convicção de que diminuirá a letalidade.”
Moraes também explicou o que classifica como “policiamento de alta intensidade”:
“Policiamento de alta intensidade é um policiamento que, a partir de um planejamento maior, é um policiamento presente, com as forças especiais também nos locais onde possam ocorrer roubos, outros crimes, e um trabalho conjunto e simultâneo da Polícia Civil para detectar quadril.