PM deteve 7 pessoas antes de segundo protesto contra reajuste da tarifa em SP

Cinco jovens que estavam com tesoura, faca e fogos de artifício foram indiciados por associação criminosa e tentativa de abolir Estado de Direito nesta quinta-feira (18) na saída da estação República do Metrô, no centro da capital paulista

O manifestante Michael Douglas de Souza Carvalho sendo detido pelos braços e perdas por policiais do 7º Baep na Praça da República | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Antes da concentração do segundo protesto convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL), a Polícia Militar deteve sete pessoas, sendo um adolescente, na saída da estação República do Metrô, no centro da cidade de São Paulo, nesta quinta-feira (18/1).

Cinco deles foram indiciados por associação criminosa e tentativa violenta de abolir o Estado Democrático de Direito e tiveram sua soltura determinada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) nesta sexta-feira (19/1), após passarem por audiência de custódia. O juíz Fabio Pando de Matos, do Fórum Criminal da Barra Funda, determinou pagamento de fiança de R$ 1 mil para cada um, além de cumprimento das seguintes medidas cautelares: comparecimento trimestral ao fórum, manter endereço atualizado e não se ausentar da cidade por mais de oito dias sem autorização prévia.

A concentração do ato foi marcada na Praça da República, ao lado da estação, às 17h, contra o aumento da passagem de metrôs e trens. Dentro do Metrô, policiais do 7º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) fizeram um cercadinho para revistas, em que a imprensa não poderia se aproximar para registrar. A reportagem observou que a maioria das pessoas que passavam pela busca pessoal e em pertences usavam roupas pretas, tinham cortes de cabelos que remetiam ao movimento punk, usavam piercings e estavam com mochilas.

Um dos primeiros detidos foi Michael Douglas de Souza Carvalho, de 25 anos, que estava com estilete, tecido TNT, tesoura, fogos de artifício e pilhas. Ele passou a gritar, indignado, que estava sendo detido por causa do estilete e não aceitava estar sendo conduzido pelos policiais para o lado de fora da estação. Ele foi levado pela camisa e pelas pernas, algemado, e levou jato de spray de pimenta no rosto. O fotógrafo da Ponte, Daniel Arroyo, também registrou Michael tendo o pescoço pressionado por um dos policiais durante a contenção.

Ainda na estação, foram detidos Vinicius Brito, 22, e Ana Laura Zerlim, 18, que estariam, respectivamente, com uma e duas facas no momento da revista.

Além do cercadinho no Metrô, policiais do 11º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) realizavam revistas do lado de fora, na Praça da República. Pessoas que estavam com mochilas e camisetas indicando relação com movimentos sociais foram alvo das buscas.

PM fez cercadinho dentro da estação República do Metrô para fazer revistas em pessoas que saíam da catraca | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

A Ponte acompanhou o momento em que Matheus de Moura Nascimento, 19, estava sendo revistado e os policiais o conduziram à base comunitária da PM para levá-lo ao 3º DP (Campos Elíseos) por estar com uma tesoura.

Ele contou que trabalha com artesanato junto com o pai e ia participar da manifestação. Próximo à base estava também o ambulante Wendel Roque da Silva, 25, que disse que estava a caminho do trabalho e foi detido por estar com tesouras para fabricação de artesanato.

Outros dois detidos, que a reportagem não acompanhou o momento, foi de um jovem de 23 anos, que estava com três escudos improvisados de madeira com palavras de ordem escrito “Tropa de Choque da Revolução”, “Rebelar-se é justo!” e “Lutar não é crime!”, e um adolescente de 16 anos, na saída da estação, que portava 9,4 gramas de maconha.

A reportagem identificou parte dos detidos por ter presenciado e registrado as abordagens. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe identificação de menores de idade em situação de conflito com a lei.

Policiais do 7º Baep fizeram detenções em cercadinho na estação do Metrô e acompanharam caminhada do ato | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O protesto, que tinha como trajeto original seguir pela Rua Augusta e encerrar na Avenida Paulista, tomou outro caminho por determinação da PM, que não aceitou o percurso escolhido pelo MPL. Alguns manifestantes autônomos decidiram ir até o 3º DP pressionar a soltura dos detidos enquanto o ato do Passe Livre seguiu pela Rua da Consolação até a estação Higienópolis-Mackenzie, que é privatizada. Esse caminho foi o mesmo realizado no primeiro ato, no dia 10 de janeiro.

Dessa vez, houve a tradicional queima de catraca de papelão simbolizando a reivindicação pela tarifa zero no início e ao final do protesto, que foi acompanhado por policiais do 7º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), 11º BPM/M, 7º Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) e Tropa de Choque. Desde o início, a polícia cercou todo o perímetro ocupado pelos manifestantes, na frente, atrás e pelas laterais, sem qualquer espaço para rota de fuga caso utilizasse armas menos letais ou acontecesse algum incidente.

Manifestante pula por cima de catraca em chamas em encerramento de protesto do MPL em frente à estação Higienópolis-Mackenzie | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Já na delegacia, manifestantes gritavam palavras de ordem do lado de fora como “Presos políticos, liberdade já! Lutar não é crime e vocês vão nos pagar!”, “Manifestante não é bandido, foi a PM que matou o Amarildo” em referência ao ajudante de pedreiro que desapareceu após uma abordagem da PM em 2013, no Rio de Janeiro.

A delegada Sabrina Rodrigues de Almeida teve o mesmo entendimento do delegado Alexandre Henrique A. Dias, que foi responsável pelos indiciamento de 13 jovens detidos na semana passada próximo ao primeiro ato do MPL, em relação aos detidos Matheus, Vinicius, Ana Laura, Michael Douglas e o jovem de 23 anos.

O boletim de ocorrência, inclusive, tem trechos idênticos sobre as razões para indiciá-los pelos crimes de associação criminosa e tentativa violenta de abolir o Estado Democrático de Direito. Michael Douglas ainda foi indiciado por resistência.

Foto dos objetos apreendidos durante as abordagens na saída da estação e na Praça da República: fone de ouvido, porção de maconha, três facas, três fogos de artifício, quatro tesouras, um estilete, um celular e seis pilhas. A Ponte censurou imagens dos RGs e a ficha de identificação dos detidos por conter dados pessoais | Foto: Polícia Civil de SP

Embora parte dessas detenções tenha sido feita por policiais do 7º Baep, o registro consta que quem conduziu para comunicar ao DP foram policiais do 7º BPM/M e 11º BPM/M, sendo os policiais Lucas Gabriel Portela Soares, Henrique Simão Soares e Taís Juliana Bergoce da Costa, sob o comando do capitão Matareli.

No documento, é dito que os policiais, “cientes da última manifestação”, redobraram a atenção para o protesto desta quinta-feira “pois além de manifestantes ordeiros, poderia haver indivíduos que obedecendo aos mandamentos estimulados pelas redes sociais desejassem a desordem e o caos social”. Sendo que a PM foi realizar um trabalho “preventivo” para “evitar danos ao patrimônio e a pessoas físicas”.

Apesar de as revistas terem acontecido separadamente e, algumas delas presenciadas pela reportagem, os policiais afirmam que localizaram “um grupo de jovens reunidos, portando mochilas, típicas de atuação de manifestantes ‘BLACKBLOCKS'” e que por isso decidiram abordá-los. Não há indicação de que tipo de mochila seria típica da atuação de black blocs, uma vez que eram modelos diferentes, cores diferentes – inclusive a reportagem da Ponte usava mochilas na cor preta.

Com os detidos, foram atribuídos os seguintes objetos que, para polícia, “representam risco a integridade física vez que podem ser usadas como verdadeiras armas ao serem arremessadas contra alguém”:

  • Ana Laura Zerlim: duas facas
  • Jovem de 23 anos: três escudos com palavras de ordem;
  • Matheus de Moura Nascimento: uma tesoura;
  • Michael Douglas de Souza Carvalho: uma tesoura, um estilete, três “explosivos plásticos” (aqui são os fogos de artifício) e seis pilhas grandes;
  • Vinicius Brito: uma faca

Wendel, que estava com duas tesouras de artesanato, foi liberado sem imputação de crime. O adolescente vai responder pelo porte de droga e foi liberado com a presença do pai.

Imagem dos escudos com palavras de ordem. A Ponte censurou RG e ficha de identificação do detido por conter dados pessoais | Foto: Polícia Civil de SP

No boletim de ocorrência, a delegada Sabrina de Almeida justificou o pedido de prisão contra os cinco ao dizer que os objetos apreendidos “são comumente utilizados por transgressores da lei como arma química incendiária que combinada com líquidos inflamáveis é utilizada em protestos contra agentes públicos, visando incapacitar a atuação dos agentes públicos, podendo causar inclusive lesões permanentes e até a morte e também atentar aos manifestantes que estavam no local de forma ordeira e pacífica”.

Ela justificou os indiciamentos ao escrever que mensagem de rede social, não explicitando qual, convocando o protesto que “evolui para um chamado de que se não tiver seus anseios atendidos irão ‘parar a cidade’ alimenta por si só um sentimento de enfrentamento” porque o horário marcado para a caminhada do ato começar coincidia com a saída das pessoas do trabalho, o que motivaria, para ele, “caos e desordem urbana” e causaria “um genuíno atentado contra o Estado Democrático de Direito no seu viés de aplicação de políticas públicas prevista na Constituição Federal, não sendo a violência a forma adequada e legal para solução de lides”.

Todos esses trechos em aspas são os mesmos escritos pelo delegado Alexandre Henrique A. Dias na detenção de 13 jovens, sete deles adultos e seis adolescentes, referentes ao ato do dia 10 de janeiro.

Manifestantes empunham faixa “Tarifa zero todo o dia e pra geral” em concentração na Praça da República | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

A delegada ainda disse que a Constituição prevê liberdade de reunião “pacífica e sem armas” e “quando um grupo reunido extrapola a previsão constitucional e com ARMAS como essas se insurgem contra representantes do Estado, que ali estão para garantir o bom e pacífico andamento da manifestação, estes querem violar as regras constitucionais e atacar o Estado Democrático de Direito, no seu viés de impor normas públicas para atender o interesse da sociedade e não apenas de um grupo”.

No inquérito que a Ponte teve acesso, ainda foram anexadas postagens feitas no Instagram pelo MPL a respeito da convocação do protesto de quinta-feira e uma publicação do partido Unidade Popular (UP) em que pedia a liberdade de Matheus de Moura Nascimento, que integra o movimento União Juventude e Rebelião (UJR).

À reportagem, o advogado João Gilberto, que representou Matheus na delegacia, considerou que a detenção foi ilegal. “Foi imputado a ele o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito quando ele estava exercendo um direito legítimo de manifestação e não existe nenhuma ação que vincule ele a fazer isso, com o uso de uma tesoura para o trabalho dele que é de artesanato. Já a associação criminosa, que foi imputado a ele com os outros, sendo que ele não conhecia nenhum dos que foram detidos com ele”, disse. “Estamos diante de prisões políticas. São prisões que são usadas como maneira de retaliação. O governador Tarcísio está usando a Polícia Militar e a Polícia Civil para retaliar os manifestantes para colocar na narrativa de que são equiparáveis às pessoas do dia 8 de janeiro”.

Um grupo de manifestantes não seguiu trajeto do ato e se dirigiu ao 3º DP para protestar contra as detenções | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

O advogado Daniel Buarque, que representou o adolescente, também concorda. “Ele [adolescente] não conhece nenhuma das outras pessoas e nem elas conhecem ele. A Polícia Militar realizou uma série de prisões desconexas entre si e todas essas pessoas foram taxadas coletivamente como possível associação criminosa por princípio, sob a alegação de que haveriam provas da ‘inteligência policial’ que seriam disponibilizadas em juízo de que todos os detidos estariam em conluio para atos contra o Estado Democrático de Direito”, relatou. Essas provas de “inteligência” incluiriam as postagens do MPL.

Diferentemente do primeiro protesto, integrantes da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB-SP) e da Defensoria Pública estavam presentes para acompanhar os protestos e as detenções. Um dos membros da Comissão disse que foi empurrado por um dos policiais quando tentava registrar as revistas.

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A Ponte procurou a Defensoria Pública, já que ao menos dois defensores acompanharam as detenções na delegacia e outros estiveram presentes no protesto, para um posicionamento. A assessoria informou que o órgão “atua em regime de plantão no intuito de garantir o direito à manifestação. Sobre os eventos ocorridos nesta quinta-feira (18/1) na capital paulista, a instituição acompanhou in loco os acontecimentos, tendo atuado na audiência de custódia em favor dos detidos que não constituíram defesa com advogado/a particular”.

Nesta quinta-feira, a Ponte entrevistou especialistas que apontaram como a Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito, sancionada em 2021 para substituir a Lei de Segurança Nacional, proveniente da ditadura civil-militar, tem sido usada como forma de criminalização ao direito de protesto.

Até a publicação deste texto, o MPL ainda não havia publicado possibilidade de convocação de um terceiro protesto.

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