Comandante da PM disse que ‘aviso foi dado’ e ameaçou mandar suspeitos para o hospital ou IML; ‘Isso a gente não pode aceitar’ diz ativista de Manaus sobre mortes
“Foi assassinato”. É assim que Priscila Sena, moradora da zona norte da capital de Manaus e integrante do Coletivo de Familiares de Presos e Presas, que luta por direitos humanos dentro do sistema prisional, enxerga a ação da Polícia Militar do Amazonas, que deixou 17 mortos na madrugada desta quarta-feira (30).
“Eles mataram nove dentro de uma residência, residência essa que estava trancada. A dona estava dentro com a sua família e não tinham para onde correr. Eles se renderam e foram mortos. E os outros foram mortos e só a família vai saber”, completa à Ponte.
Em vídeo compartilhado nas redes sociais, o coronel Ayrton Norte, chefe da Polícia Militar do Amazonas, ameaçou: “O criminoso vai sempre receber o tratamento legal de que ele tem que se entregar, se ele resistir o tratamento é esse aqui: ou é 28 de Agosto (hospital público de Manaus) ou IML (Instituto Médico Legal)”.
A ação da Rocam (Rondas Ostensivas Cândido Mariano, equivalente à Rota, Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, de São Paulo) aconteceu na zona sul da de Manaus, no bairro Crespo, periferia da capital. A versão oficial conta que os policiais foram ao local depois de uma denúncia avisar que cerca de 50 pessoas estavam dentro de um caminhão baú, que pretendiam invadir e dominar um ponto de venda de drogas de supostos traficantes rivais na Rua Magalhães Barata. O grupo teria envolvimento com a FDN (Família do Norte), grupo local que rivaliza com o CV (Comando Vermelho), originário do Rio de Janeiro.
“Isso a gente não pode aceitar. Essa guerra de facção acontece aqui em Manaus mesmo, mas foge totalmente da minha alçada”, comenta Priscila.
O coronel Norte diz que os PMs interceptaram a ação e reagiram após os suspeitos atirarem nos policiais. Ele conta que, com a chegada da tropa, houve “troca de tiros”. Nenhum policial foi ferido e não há marca de tiros nas viaturas usadas nesta ação.
O sociólogo Ítalo Lima, formado no Amazonas e atualmente integrante do LEV (Laboratório de Estudos da Violência), da UFC (Universidade Federal do Ceará), revela que uma ação com tantos mortos não é uma surpresa pelo atual momento da segurança pública do estado. “Não nos causa espanto essa situação porque é uma ação que já vem sendo reforçada ao longo do tempo. Na verdade, se formos observar a atual situação da cidade, tem sido recorrente chacinas e homicídios extremamente brutais. Ocorrendo, principalmente, nas chamadas áreas periféricas de Manaus”, pontua Ítalo Lima à Ponte.
Para Lima, há uma naturalização do extermínio. Nas periferias, onde a população vive à margem, sem direitos básicos garantidos, os corpos tornam-se matáveis e justificados pela chamada “guerra às drogas”. “Quais são os interesses para essas guerras, que sempre são bastante lucrativas? Na questão penitenciária do Amazonas, onde nós temos um sistema terceirizado. Quais são os grupos que têm interesse em um conflito maior, nas ruas? São questões importantes, justamente para a gente pensar qual tipo de sociedade queremos estar”, completa.
Entre os 17 mortos somente um foi identificado até o momento, Alessandro Custódio de Carvalho tinha 16 anos. A mãe dele, Cristiane Custódio, 41 anos, disse ao D24am, que o filho saiu ontem de casa lhe prometendo 20 reais. Alessandro morava com a avó porque Cristina é viciada em drogas e não tem condições de se internar. “Uma vez ele escapou de morrer, levou um tiro na mão. Estou muito triste, ele era uma ótima pessoa”, disse, emocionada, ao jornal.
Lima traz ao debate o número de jovens dentro do crime organizado e a ineficácia em uma alternativa para “quebrar esse tipo de adesão”. A falta de direito básicos, como emprego, educação, leva o destino dos jovens “matáveis” para dois destinos: “ou é a prisão ou é o cemitério”. “A cidade precisa apostar em alternativas efetivas para esses jovens. Causa bastante espanto o assassinato de um jovem de 16 anos nesta madrugada, em um suposto confronto entre policiais e um grupo que estaria ligado a uma das facções do crime, em Manaus. É preciso fortalecer que o destino desses jovens é a escola, a universidade e emprego. Uma vida digna”, finaliza.
O coronel Ayrton Norte, que comandou a ação, disse em entrevista ao jornal Bom dia Amazônia, que o “aviso foi dado”. “A gente não quer comemorar morte de ninguém, mas esse aviso foi dado. Não vamos aceitar ousadia de bandido. A polícia está na rua para aplicar a lei e preservar vidas. porém, nós vamos para atender a ocorrência e conduzi-los presos. Agora, se houver enfrentamento o tratamento será a altura e o tratamento é esse”, declarou.
O posicionamento é criticado pelo sociólogo Itálo Lima. “Que tipo de sociedade nós estamos aderindo? Estamos ficando cada vez mais distante de uma construção democrática”, finaliza Ítalo.
A reportagem questionou a SSP (Secretaria de Segurança Pública) e a Polícia Militar do Amazonas sobre a ocorrência. A PM pediu, por meio da assessoria de imprensa, para procurarmos a SSP, que, por sua vez, não respondeu com seu posicionamento oficial até a publicação desta reportagem.
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[…] No norte do país, em Manaus, no Amazonas, um programa televisivo debocha e vibra com mortes decorrentes de ações policiais. “17 CPF cancelado” era o nome da reportagem que foi ao ar no programa Alerta Amazonas, da TV A Crítica, da Rede Calderaro de Comunicação, em outubro de 2019. A emissora era filiada à Rede Record até junho de 2019 e tem sinal da Jovem Pan em Manaus. A expressão é comumente usada para se referir de forma elogiosa a ações da polícia que terminam em morte. O caso aconteceu na madrugada do dia 30 de outubro. […]