PM é indiciado por matar adolescente que foi comprar bolacha na Grande SP

    Perícia comprovou que tiro disparado pelo cabo Alécio José de Souza acertou a nuca de Luan Gabriel, de 14 anos. Polícia Civil o enquadrou por homicídio culposo, quando não há intenção de matar

    Luan Gabriel morreu com um tiro na nuca | Foto: arquivo pessoal

    A Polícia Civil indiciou o PM Alécio José de Souza, do 10º BPM (Batalhão de Polícia Militar) de Santo André pelo assassinato do estudante Luan Gabriel Nogueira de Souza, de 14 anos, na periferia da cidade, localizada na Grande São Paulo. Em 5 de novembro de 2017, o garoto havia saído de casa para comprar um pacote de bolachas com um amigo e acabou baleado na nuca. Após a investigação, o cabo responderá por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar.

    A perícia comprovou que o disparo que atingiu o adolescente partiu da arma do cabo. O delegado Georges Amauri Lopes, responsável pela apuração no 2º DP (Distrito Policial) de Santo André, entendeu que a morte aconteceu “por erro” do PM, que, segundo sua versão, perseguia suspeitos de furtarem motos – nenhum suspeito foi identificado. Segundo o delegado, não há provas de que Luan tenha disparado contra o policial, versão confirma pelo cabo.

    De Souza e o também cabo Adilson Antônio Senna de Oliveira apontam que, ao atenderem uma denúncia de furto de motocicletas, um grupo de jovens que desmontava um dos veículos saiu correndo na Travessa 7 da Rua Paraúna. Na fuga, um suspeito descrito no boletim de ocorrência como de “cor parda, 1,70 m de altura, magro, aparentando 20 anos e de bermuda, empunhava um revólver calibre 38” e teria disparado. Alécio aponta que revidou com três tiros. Esse suspeito não foi reconhecido por nenhum dos jovens ouvidos nas investigações  e ninguém com essas características foi preso, Nenhuma arma foi encontrada com o grupo ou na cena do assassinato de Luan.

    Na época, o amigo que ia com Luan num mercadinho do bairro disse à Ponte que os dois foram comprar bolacha e passaram pela travessa para cumprimentar outros conhecidos quando “os policiais deram voz de abordagem e já atiraram”. “Não tinha reação, não deu tempo de nada, só correr para a viela”, contou.

    Além da Polícia Civil, os cabos também foram investigados pela própria PM. Segundo o relatório, obtido pela Ponte, a dupla não atendeu os procedimentos operacionais padrões de atendimento da ocorrência. Por ser um grupo de seis pessoas a ser abordado, o texto aponta que os agentes deveriam ter aguardado reforço.

    Além disso, o relatório aponta que o cabo Alécio cometeu uma transgressão grave do RDPM (Regimento Disciplinar da Polícia Militar) ao “disparar arma por imprudência, negligência, imperícia, ou desnecessariamente” e ao “deixar de cumprir ou fazer cumprir as normas legais ou regulamentares, na esfera de suas atribuições”, ambas do artigo 13. Essas infrações são consideradas graves por atentar os direitos humanos fundamentais, conforme o documento. O relatório aponta que o cabo De Oliveira, parceiro de Alécio, cometeu as demais infrações – exceto atirar. No inquérito da Polícia Civil, ele foi ouvido apenas como testemunha e não foi indiciado.

    Os dois cabos (Adilson de vermelho e Alécio de preto) na reconstituição da morte de Luan Gabriel | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte.org

    Tanto na investigação da Polícia Civil quanto na da Militar os relatórios pontuam a possibilidade de confronto pelo número de disparos divergentes que foram mencionados nos depoimentos dos cinco jovens que presenciaram a morte de Luan Gabriel. Todos afirmam que Alécio José de Souza chegou atirando. A prima de Luan, que mora numa casa com visão para a viela onde o garoto foi morto, aponta o som de um disparo isolado e outros três em seguida. Depois, ouviu um dos policiais dizer “derrubei um”.

    As motos apreendidas no local tinham sido furtadas do pátio de apreensão de veículos da prefeitura de Santo André, na Avenida Doutor Jorge Marcos de Oliveira, mas não foi comprovado o envolvimento de nenhum dos jovens que estavam no local. Em depoimento, um deles apontou que um rapaz identificado como Richard havia chegado com o veículo dizendo que era dele, mas não sabia que era furtada. Este homem não foi encontrado pelos investigadores.

    A apuração da PM foi enviada ao Ministério Público Militar e o inquérito realizado pela Polícia Civil está sob análise no Ministério Público. Caberá à Promotoria de Justiça Criminal de Santo André, que determinará o encaminhamento: pedido de arquivamento, concordar com a avaliação do delegado e denunciar o cabo Alécio José de Souza por homicídio culposo, ou então acrescentar elementos na denúncia – como mudar a qualificação para doloso.

    Procurada pela reportagem, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou que o cabo Alécio está afastado das atividades operacionais, realizando apenas tarefas administrativas.

    Família questiona qualificação

    Para a família de Luan, apesar do policial ter sido indiciado por homicídio, a sensação é de que a resposta foi dada parcialmente. Para eles, a motivação não deveria ter sido colocada como culposa e sim como dolosa, quando há intenção de matar.

    “Eles não tinham o direito de sair atirando, um tiro no pescoço é para matar. Meu filho não era bandido, é inocente, e mesmo se fosse, não é assim que a polícia tem que agir”, declarou Maria Medina Costa Ribeiro, de 43 anos, mãe do adolescente que lembrou que o sonho do menino era ser médico. “Todo o dia eu vou ao cemitério e é horrível. Não quero que nenhuma mãe tenha que passar por isso e eu vou lutar para que a justiça seja feita. O policial tem que pagar pela vida que ele tirou”, prossegue emocionada.

    Mãe de Luan recebe abraço no enterro do garoto | Foto: Arthur Stabile/Ponte.org

    Os advogados da família apontam que os policiais adulteraram a cena do crime. Segundo um amigo de Luan, o garoto caiu de barriga para baixo quando tentou correr dos tiros. Já os policiais disseram que só tocaram no corpo para averiguar a presença de arma, que não foi encontrada. No local, o corpo do menino estava de barriga para cima, como se tivesse de frente para os PMs.

    De acordo com Maria Medina, o clima na região está menos tenso em comparação com novembro de 2017 e que não teve ocorrências de denúncias de abuso policial. A mãe do adolescente que acompanhou Luan no dia de sua morte denunciou à Corregedoria da PM que o filho estava sendo ameaçado por Adilson Antônio Senna de Oliveira. A Ponte procurou a SSP sobre este inquérito, mas a assessoria de imprensa da pasta não retornou até a publicação.

    À reportagem, a defesa do policial disse que “é prematuro nos posicionarmos nesse momento sobre o indiciamento. Preferimos aguardar a manifestação do Ministério Público sobre o inquérito para, então, nos manifestarmos a respeito”.

    Luan Gabriel e a mãe Maria Medina | Foto: arquivo pessoal

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