PM empurra aluna com calibre 12 e apreende estudantes a pedido de diretor na Grande SP

    Alunos denunciam que policiais foram acionados pelo diretor da Escola Estadual Professor Frederico de Barros Brotero, acusados de tráfico e ameaça por protestarem; eles passaram a noite na delegacia e foram liberados nesta sexta-feira

    Um policial militar de São Paulo empurrou com sua calibre 12 uma estudante que protestava na Escola Estadual Professor Frederico de Barros Brotero, no centro de Guarulhos, cidade da Grande São Paulo, na noite de quinta-feira (4/4). Outros dois estudantes de 16 anos foram apreendidos pela PM e permaneceram quase 24h na cela do 1º DP (Distrito Policial) da cidade, liberados em audiência de custódia na Vara da Infância da Justiça local, no início da noite desta sexta-feira (5/4).

    Os estudantes denunciaram que a PM estava no colégio desde 18h, no intervalo entre o período vespertino e noturno, atendendo um pedido do diretor, José Maria Stanzani. Um grupo de jovens chegou após o fechamento do portão para as aulas que têm início às 19h. Eles afirmam que protestaram pois o diretor se recusou a atender a tolerância de 15 minutos para entrada na escola.

    “O protesto foi estabelecido para exercer os nossos diretos como alunos, o diretor deixou bem claro que não abriria o portão para aqueles que chegassem atrasados. A maioria depende de transporte público e muitos trabalham. Na reunião, ele dizia que os alunos e os responsáveis era obrigados a escolher entre o trabalho ou a escola”, conta Gabriel, 17 anos, estudante do 3º ano do ensino médio no período noturno.

    Vídeos registram o momento em que há uma aglomeração de alunos enquanto PMs bloqueiam a passagem. Há uma discussão e, enquanto um professor tenta afastar os alunos, um policial armado de uma espingarda calibre 12 empurra uma aluna, primeiro com as mãos, depois usa o armamento apontado para ela e a joga para trás. Nessa hora, o professor corre e se coloca à frente da garota.

    Os estudantes denunciam que enfrentam problemas com as aulas na Frederico de Barros Brotero, sendo mais comum períodos “de aulas vagas do que aulas”, explicam. Essa situação somada a alegada intransigência do diretor detonaram o protesto desta quinta. Os estudantes dizem que José Maria Stanzani aciona de forma recorrente a PM desde que assumiu o colégio e que não se coloca aberto ao  diálogo.

    “Era quase uma sala inteira fora da escola, uns 40 alunos. Boa parte deles trabalha e o diretor chegou falando que para eles não teria segunda aula. Eles perderam prova, entrega de trabalho”, conta Gabriel, que estuda há 7 anos no local e também depende de ônibus para chegar à escola. Ele conta que pelo menos cinco alunos foram revistados pelos policiais, dois deles levados para a delegacia.

    Conforme relato do professor e militante da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) Ivan Canoletto, que acompanhou os dois adolescentes de 16 anos ao longo desta sexta-feira, nem mesmo os PMs sabiam o motivo de a dupla seguir no 1º DP. Os estudantes fora levados até a delegacia a pedido do diretor.

    “Conversei com os PMs, eles não estavam entendendo porque estavam detidos, não teve flagrante de delito nenhum, só conduziram porque o diretor pediu. O Stanzani lavrou um B.O. [Boletim de Ocorrência] alegando ameaça e também tráfico de drogas”, explica Ivan, citando que o delegado manteve os dois apreendidos mesmo com a presença dos pais, comprovação de residência fixa e emprego.

    Nesta sexta-feira, os adolescentes passaram por audiência de custódia na Vara da Infância de Guarulhos e foram liberados. O juiz entendeu que não era necessário manter as apreensões durante as investigações da denúncia. O militante protocolou uma denúncia no MP (Ministério Público), na diretoria de ensino, no Conselho Tutelar e na Ouvidoria das Polícias de São Paulo.

    “Aconteceu uma série de abusos, desde as ações relativas ao diretor, a dirigente de ensino que não interveio ao pedido de apoio da polícia, os PMs que estavam claramente despreparados para agir com os alunos, e o diretor”, critica Canoletto.

    Momento em que PM empurra a estudante com sua calibre 12 | Foto: Reprodução

    Ouvidor das Polícias, Benedito Mariano condenou a ação do PM e informou que a Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo confirmou a ele que o PM que empurrou a aluna com sua calibre 12 está afastado dos trabalhos até o encerramento das apurações.

    “As imagens falam por si, é uma ação que só temos parte dela, mas há indícios claros de ação excessiva e abusiva. Foi nesses termos que instauramos procedimento interno na ouvidoria e vamos acompanhar os trabalhos”, explica Mariano.

    Conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos) e advogado especializado em questões de infância e juventude, Ariel de Castro Alves avalia que houve claro abuso de autoridade na ação policial, com “violação do direito de reunião dos estudantes e da integridade e incolumidade de alguns deles”.

    “Os policiais despreparados apontando e agredindo os estudantes com armas de grosso calibre. Se ocorresse um disparo, certamente o policial alegaria falha da arma e disparo acidental para ficar impune, como costuma ocorrer”, condena, apontando a quebra dos artigos 15, 17 e 18 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) na ação da PM.

    “Reivindicações e questões educacionais não podem ser tratados como caso de polícia. A escola certamente tem professores e educadores capacitados para a mediação de conflitos”, continua Ariel, repassando a responsabilidade do ocorrido também para o diretor do colégio. Tanto o diretor quando os PMs teriam infringido o artigo 232 do ECA, ao “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”, com pena prevista de detenção de seis meses a dois anos.

    A Ponte questionou a PM, comandada pelo coronel Marcelo Vieira Salles, sobre a ação do policial e, segundo a corporação, “foi instaurada uma sindicância para apurar todas as circunstâncias relativas aos fatos. O policial que aparece no vídeo empurrando um aluno foi afastado do serviço operacional”, informa. Também perguntamos para a Secretaria de Educação do Estado, liderada pelo secretário Rossieli Soares da Silva, como avalia a presença da PM na Brotero e o decorrer da ação. A pasta explicou que “vai apurar o episódio da Escola Estadual Frederico de Barros Brotero, em Guarulhos, e colaborar com Polícia para esclarecer o fato”.

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