Segundo vítimas que tinham ido até o local participar de ato contra o golpe de 64, policiais foram agressivos e apagaram a imagem do celular; PM afirma que rapazes foram abordados por causa de sacola com garrafas de vidro
“Estamos nos sentindo humilhados, com vontade de chorar. É uma coisa chata de passar, estou angustiado. Não achei necessária a agressividade que eles usaram na abordagem. Não fizemos nada de errado, estávamos tirando fotos na avenida”, desabafa o professor da rede pública Jefte Rodrigues, 34 anos, após sofrer abordagem policial junto com o adolescente Gustavo Oliveira, 17, na Avenida Paulista, centro de São Paulo, neste domingo (31/3). “A gente é de São Mateus [zona leste de São Paulo]. Lá é pior. Uma hora dessas a gente estaria enterrado, porque lá eles abordam atirando”, critica.
Segundo Jefte, os dois são amigos e tinham ido até o local para participar do ato contra o golpe de 1964, que deu início à ditadura militar no país. Vestindo camisetas em apoio ao ex-presidente Lula e com adesivos de “Fora, Bolsonaro”, a dupla se aproximou do Masp e enquanto esperavam o início do ato contra o regime militar, quando Gustavo pediu a ele que tirasse uma foto.
A alguns metros do local escolhido para a fotografia, bem no meio da avenida que fica fechada para carros aos domingos, havia algumas viaturas da Força Tática da PM. “Eles chegaram na gente, já em tom agressivo e pediram o celular, perguntaram por que estávamos tirando fotos. Eu argumentei que não daria meu celular sem um respaldo legal para a ordem. Aí eles tomaram meu celular, fizeram eu desbloquear e apagaram a foto”, relata Jefte. Na sequência, ainda segundo o professor, um dos PMs teria dito: “Ah, vocês são contra o Bolsonaro? Nós apoiamos ele, nós somos seguidores dele e não quero que vocês fiquem perto da gente, fotografem aqui”, em referência aos adesivos e camisetas que vestiam. “A alegação é que eu tinha tirado foto deles, mas isso não é verdade. A gente estava a metros da viatura”, afirmou.
“Eles foram excessivos, agressivos e disseram que se a gente retrucasse, iríamos para a delegacia. Um deles, que estava mais exaltado, me disse: ‘Não vem com esse papinho de Che [Guevara], de juventude revolucionária que a gente quebra você no meio’. Eu tentei argumentar que sou professor de rede pública e rede municipal, que não estava ali para atrapalhar o trabalho deles e que, aliás, valorizo muito a atividade do policial, mas não adiantou”, disse Jefte.
Assustado, Gustavo disse à Ponte que não tinha palavras para expressar o que estava sentido naquele momento. “Estou chocado. Só isso que consigo dizer neste momento”, disse o adolescente. “A gente foi bem agredido, mas eles esconderam a agressão até pelo local visível onde estamos. Mas é uma forma de agredir. Mais tímida, mas é. Agora, lá em São Mateus a coisa é feia. A polícia esculacha e agride mesmo a moçada. Os policiais fazem isso sempre na periferia”, reitera Jefte. Uma sacolinha com refrigerantes e lanches foi confiscada pelos policiais.
Outro lado
A Ponte questionou a conduta da Polícia Militar, comandada pelo Coronel Marcelo Vieira Salles, através da assessoria de imprensa da SSP (Secretaria de Segurança Pública de SP). Em nota, a corporação esclarece que “abordou os dois rapazes por estarem portando sacolas com garrafas de vidro. Como em todos os eventos democráticos, a instituição atua junto a normas que controlam materiais perigosos que possam ferir à integridade física dos participantes, retirando esses objetos. Os agentes solicitaram os celulares para verificação de IMEI, a fim de identificar se não eram produtos de roubo ou furto. Em nenhum momento, os policiais verificaram dados pessoais contidos nos aparelhos”.