PM interrompe ação cultural de rap no centro de SP

    Rapper Dugueto se apresentava no evento quando passou microfone para outro músico; polícia interrompeu ao ouvir versos críticos à corporação

    Rappers e populares se apresentavam em frente à Galeria Olido, centro da cidade de São Paulo, na noite de quarta-feira (13/11). Os versos e rimas eram ditos livremente até a aparição da Polícia Militar, que interrompeu a intervenção artística e a colocou para o lado de dentro da Galeria.

    O rapper Dugueto Shabazz, que está há 16 anos na estrada, conta que se apresentava para as pessoas e, em determinado momento, abriu o microfone para quem quisesse cantar, rimar ou desabafar. Não precisa ser artista para ter espaço, quem quiser participa. Segundo Dugueto, a ação tem apoio da Secretaria Municipal de Cultura.

    “Aconteceu que um cara parou, não sei se foi convidado ou quis fazer um som, e o som falava de brutalidade policial, não lembro a letra da música, mas era de protesto”, relembra o rapper. “Uns quatro minutos depois que um policial passou e ficou olhando, vieram um monte de viaturas, duas pequenas e uma base. O policial veio abordando, já chegou fazendo como se fosse um pai falando com as crianças: ‘Acabou'”, conta.

    Dugueto explica que não teve paciência para dialogar, uma profissional do projeto “Oficinas Culturais”, da Secretaria de Cultura, dialogou com o policial. Mas, no fim das contas, não teve conversa, segundo o rapper. Eles precisaram pegar as caixas de som e colocar no lado de dentro da galeria. Tabata de Souza, que conversou com os policiais, relembra como tudo aconteceu.

    “Temos o Projeto Saraund System, com microfone aberto para a galera do rap. Os PMs despacharam a feira do rolo e ficaram por ali na região, entre a Galeria do Rock e a Galeria do Rap. Rolou um som protesto e eles chegaram, se incomodaram com a música e não foram truculentos, mas chegaram querendo desligar ou levar para a DP”, diz. “Perguntei o que aconteceu e eles disseram que alguém denunciou importunação. Era 19h30, nem 20h ainda. Falei que estávamos trampando, que temos contrato com a [Galeria] Olido para fazer isso, é parte da oficina. Pediu documentação, eu mostrei… Ficamos uns 40 minutos na resenha”, continua.

    A tentativa dos PMs era para desligar o som ou levar todos para a DP (Delegacia de Polícia). De acordo com ela, o primeiro policial chamou seus superiores para seguir na tentativa de interromper a intervenção. “Depois que viram que estávamos em um rolê certo, de trabalho, pediram para abaixar. Fizemos isso, colocamos a caixa de som para dentro da galeria e, só aí, foram embora. Eles quiseram encrencar, mesmo”, relembra. Ela reafirma que os PMs estavam tranquilos até começar a música de protesto.

    Dugueto se apresenta enquanto integrante do projeto dialoga com PMs | Foto: Dani Leon/Divulgação

    O rapper Dugueto critica a censura que sofreu por parte da polícia. “Fica uma zona de não direito, de não legalidade. O que entendemos que é sofremos um processo de militarização de tudo. Hoje vão implicar que o som está virado para a rua, depois vão pegar um cara com baseado e por aí vai”, conta. “Sabemos que vai continuar acontecendo, que não tem dispositivo legal para o que ele fez, alguma lei que o PM se prendeu para virar a caixa”, prossegue.

    O projeto, segundo Dugueto, possui verbas federais e teve início adiado pelos bloqueios feitos a partir de Brasília. Antes planejado para junho, a ação começou apenas no fim de setembro. Além de intervenções de rua, o rapper dá aulas em ocupações no centro da cidade.

    Segundo ele, a violência e repressão são constantes para quem vive no mundo hip hop. “Já vivi situações semelhantes com hip hop, de estar trabalhando e lidar com esse tipo de abordagem pelo conteúdo que expressamos, às vezes pela vestimenta, às vezes é todo o junto. Já tomei abordagem clássica do PM pedir para cantar um rap falando bem da policia. Sempre tento ir pelo viés de liberdade de expressão, que eles não gostam”, explica.

    Para ele, o atual momento do país potencializa ações como esta. “O povão está sempre sendo empurrado para os rincões mais distantes da cidade, o policiamento está muito ostensivo de um ano para cá e perseguição aos gêneros funk e hip hop nunca diminuíram, sentimos mais folga, liberdade dos caras”, explica. “Nesse dia o PM se outorgou no direito de dizer que estávamos errados. E ele falou: ‘isso aqui não pode, está xingando a polícia'”, crava Dugueto.

    A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) do Estado de São Paulo, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), e também a Secretaria Municipal de Cultura, sobre a abordagem à intervenção artística, e aguarda posicionamentos oficiais das pastas.

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