Gustavo Pires preside Comissão de Direitos Humanos da OAB em Piracicaba (SP) e acompanha testemunhas do caso de Gabriel Junior Oliveira Alves da Silva — o jovem morto ao tentar proteger a esposa grávida de agressões da PM

O advogado Gustavo Pires e um estagiário de seu escritório, Brunno Barbosa, foram vítimas de uma abordagem truculenta da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) na noite de ontem (10/4) em Piracicaba (SP). Os policiais insistiram para que os dois entregassem seus celulares e chegaram a intimidá-los com um fuzil. Ambos atuam no caso de Gabriel Junior Oliveira Alves da Silva — jovem de 22 anos morto por policiais na terça da semana passada (1/4) ao tentar defender a esposa grávida de agressões da PM.
Gustavo é presidente da Comissão de Direitos Humanos da subseção de Piracicaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), enquanto Brunno é estudante de Direito e integrante de um comitê de direitos humanos na cidade. Em razão dos cargos que ocupam, eles têm prestado apoio à família de Gabriel e a outras testemunhas do episódio. Na quinta à tarde, os dois acompanharam três depoimentos e se reuniram com o Ministério Público estadual (MP-SP) para tratar do caso.
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Já à noite, eles se deslocaram ao bairro Vila Sônia, onde Gabriel vivia e foi morto, para conversar com novos moradores. Na ocasião, havia intensa circulação de policiais no local — conforme a Ponte já havia mostrado. Desde a morte do jovem, a PM tem tido maior presença no bairro, no que a vizinhança vê como uma tentativa de intimidação.
Quando o advogado e seu assessor saíram de lá com um carro, por volta das 19h20, duas viaturas antes posicionadas na entrada da comunidade passaram a segui-los. Eles foram então interceptados na Rua Cupuaçu — a essa altura, desconfiados da movimentação policial, Brunno já filmava as viaturas, e Gustavo falava por chamada de vídeo com uma colega da Comissão de Direitos Humanos.

Policiais questionaram o que advogado “queria” com caso
Eram quatro policiais, sendo três homens e uma mulher. De início, ordenaram que Gustavo e Brunno descessem do carro, o que eles acataram. Também aos gritos, determinaram que o advogado encerrasse a ligação e, por várias vezes, exigiram que entregasse o celular. Ele se negou a ceder o aparelho. Antes mesmo dos abordados se identificarem, os agentes já passaram a aludir ao caso de Gabriel.
“Nunca vi advogado querer tanto saber de um caso”, teria dito um dos policiais. Um outro agente, que parecia alterado e chegava a se aproximar do advogado com um fuzil, também tentava intimidá-lo aos gritos: “O que mais você quer com esse caso?”. “Eles falaram também para a gente tomar cuidado com o onde estávamos andando, que era um local perigoso dependendo do horário”, diz Brunno.
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Gustavo solicitou que pudesse acionar um integrante da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB local — direito previsto aos advogados para que não tenham garantias violadas, mas teve o pedido negado pelos policiais. Eles revistaram itens pessoais da dupla, como notebook, mochila e roupas, e questionaram sobre o motivo de estarem com um carro registrado em nome de uma empresa.
O veículo pertence a uma locadora de veículos de atuação nacional — por segurança pessoal, o advogado opta por utilizar carros alugados, que consegue trocar a cada semana. Alertados pelos gritos dos policiais, moradores do entorno passaram a se aglomerar na rua e a fazer imagens da abordagem. Foi o que amenizou a tensão, conta presidente da Comissão de Direitos Humanos de Piracicaba. “Se não houvessem populares no local, ou teriam forjado coisas no nosso carro, ou talvez a gente estivesse hoje desaparecido, morto”, afirma o advogado.
Advogado vai prestar queixa à PM
Gustavo e Brunno foram a uma delegacia em Piracicaba ao final da abordagem para relatar o ocorrido. A investigação sobre a conduta dos policiais compete, no entanto, à PM. Em razão disso, o comando dos militares compareceu à sede da Polícia Civil para registrar o relato do advogado e seu assistente.
As duas vítimas do episódio terão de voltar a prestar queixa nesta sexta (11/4), mas desta vez em um batalhão da Polícia Militar. Eles vão estar acompanhados de outros representantes da OAB local.
A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) sobre o ocorrido e se pretende afastar os policiais que intimidaram Gustavo e Brunno. Em resposta, a pasta reenviou uma nota já cedida anteriormente, citando ter afastado os dois policiais da ocorrência em que Gabriel foi morto. A reportagem contestou que o posicionamento não contemplava a abordagem ao advogado e pediu uma nova manifestação. Ainda não houve um segundo retorno da SSP-SP.
Também em contato com a Ponte, a seção paulista da OAB prestou solidariedade a Gustavo e comunicou acompanhar o caso. “O presidente da Ordem paulista, Leonardo Sica, já entrou em contato com a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo para pedir providências”, escreveu.

Vítima foi morta com tiro por trás
A vítima do caso no qual o advogado Gustavo Pires atua foi morta por um policial com um tiro por trás, conforme revelou a Ponte. O disparo entrou entre a nuca e a orelha direita e saiu um pouco mais acima, também por trás da cabeça. A informação consta em um laudo médico.
Na ocasião em que foi morto pela PM, Gabriel e a esposa — Rebeca Alves Braga, grávida de quase oito meses — voltavam para casa após terem ido a um comércio comprar refrigerante, na vizinhança de onde moram, por volta das 19h30. O jovem caminhava um pouco à frente na Rua Cosmorama, próximo à esquina com a Rua Raul Ataíde, no bairro Vila Sônia, quando foi abordado por dois policiais que chegaram ao local a bordo de uma viatura — a mulher de Gabriel ainda tentava alcançar o marido também a pé, após ter parado brevemente para comprar milho cozido com um ambulante na rua.
Além do jovem, os policiais abordaram um outro rapaz que passava pelo local, alheio ao casal. Os dois homens foram colocados de frente para um muro e revistados, sob a alegação de que teriam um “volume suspeito”. Não foi apreendida arma de fogo ou qualquer item ilícito com a vítima.
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Em dado momento, o policial Júnior César Rodrigues passou a agredir Gabriel. A esposa dele, já mais perto da cena, repreendeu o agente e afirmou que aquilo não era necessário. O segundo PM da ocorrência, Leonardo Machado Prudêncio, que até ali cercava o outro homem abordado, veio então em direção a Rebeca e passou a também agredi-la, com empurrões e puxões nos cabelos. Foi quando Gabriel tentou interceder pela esposa e acabou baleado.
Rebeca diz que o socorro demorou cerca de 40 minutos e só veio por insistência dos vizinhos que presenciaram a cena — eles chegaram a filmar em parte a ocorrência. Já os policiais tiveram reforço em cinco minutos e isolaram o local para que ninguém se aproximasse de Gabriel. Ela afirma ainda ter sido mantida dentro do camburão da viatura enquanto o marido agonizava. Leonardo, um dos policiais, teria debochado da situação, dizendo que o jovem morto seria “lixo”. A vítima chegou a ser levada ao Hospital dos Fornecedores de Cana, mas não resistiu.
Os PMs alegaram que teriam agido em legítima defesa. Segundo eles, Gabriel teria pego uma pedra para atacá-los durante a abordagem, o que Rebeca nega. Em contato anterior com a Ponte, a SSP-SP disse que o caso é investigado e que não compactua com “desvios de conduta ou excessos”.
Leia a íntegra do que diz a OAB-SP
A Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB SP) expressa sua total solidariedade ao Dr. Gustavo Henrique Pires, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Piracicaba, pelos fatos ocorridos na data de ontem (10) naquela cidade.
Como medida frente ao caso, o presidente da Ordem paulista, Leonardo Sica, já entrou em contato com a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo para pedir providências e acompanhamento do caso.
A OAB SP se coloca à inteira disposição do advogado, especialmente para assegurar o respeito aos seus direitos e prerrogativas no exercício da profissão. Reafirmamos nosso compromisso inabalável com a ética, dedicando-nos incansavelmente à defesa e proteção dos direitos de todos os advogados e advogadas.