Soldado disse que disparou quatro vezes porque Paulo Neves, 37, teria ameaçado agredí-lo com um tijolo em Jaú, nesta terça-feira (11); pastor afirma que vítima tinha transtornos mentais: “poderiam ter imobilizado ele de outra forma, não matar”
Vídeos publicados nas redes sociais mostram, de longe, um homem se contorcendo com um ferimento que parece ser na barriga em frente à Igreja da Matriz em Jaú, no interior paulista. Ao fundo, enquanto policiais estavam ao redor dele, comentários como “eu acho que ele está sem o remédio dele, eu falei [para ele]: ‘vai pegar seu remédio, Paulinho”, disse uma mulher. Outra complementa: “ele tem transtorno”.
O flanelinha Paulo Henrique Silva Neves, 37, que era conhecido como Paulinho, foi morto por um policial militar na tarde desta terça-feira (11/1) porque teria tentado agredí-lo com um tijolo.
De acordo com o boletim de ocorrência, o cabo Anderson Ribeiro de Freitas e o soldado Ciro de Oliveira Junior estavam em patrulhamento próximo à igreja quando foram acionados por populares para apartar uma briga entre dois homens em situação de rua e que um deles tinha ferimentos no rosto. Ao separarem a dupla, um deles, que “mostrava-se bastante alterado” e “emocionalmente agressivo”, pegou um bloco de cimento que estava atrás de uma árvore, tentou agredir o outro homem em situação de rua e depois teria ido em direção ao cabo, o qual “buscou abrigo atrás da viatura”.
O soldado afirma que sacou a arma e pediu para que ele soltasse o objeto, mas Paulo não teria obedecido e ido atrás dele com o bloco com o sentido de arremessá-lo. Ciro declarou que Paulo “avançava de forma mais rápida do que ele conseguia recuar e por isso, ficaram bem próximos”. O homem, segundo ele, “fez movimento de efetivamente arremessar o objeto contra o rosto” e, por isso, “não teve outra alternativa que não efetuar disparos de arma de fogo”.
O soldado disse que fez um disparo, mas Paulo não parou, e fez outros em seguida. O PM declarou que, “apesar da adrenalina e nervosismo do momento”, fez quatro disparos no total e o homem só teria caído no chão quando o acertou com o último. O cabo Anderson acionou o resgate e o outro homem em situação de rua ferido também foi socorrido, mas fugiu ao descer da viatura. Ele, um catador de recicláveis de 51 anos, foi encontrado no dia seguinte e confirmou, em outro boletim de ocorrência, que teria sido agredido por Paulo e não quis receber atendimento médico.
Segundo o registro, foram ouvidos na delegacia de Jaú um secretário e um pintor que presenciaram a cena e teriam corroborado a versão dos policiais. Ciro disse que soube por outros colegas que Paulo teria agredido policiais em outras ocasiões. O delegado Durval Izar Neto escreveu que viu no corpo de Paulo três perfurações na região frontal do corpo, mas a análise sobre os tiros ainda será feita pelo IML (Instituto Médico Legal), e entendeu que a ação ocorreu em legítima defesa.
Para o pastor Rafael Amaral, 38, que conhecia Paulo há pouco mais de cinco anos, a situação poderia ter sido diferente. “A polícia poderia ter agido de outra forma, ter imobilizado ele, jogado um spray de pimenta, uma arma de choque, mas não matar”, lamentou à Ponte. Ele, que tem uma comunidade terapêutica na cidade, afirma que mantinha contato com a vítima. “Ele foi abandonado pela família, tinha epilepsia, transtorno bipolar, fazia uso de medicamentos, e fazia acompanhamento com equipamentos da prefeitura”, conta.
“Recomendaram que ele fosse atendido por mim, mas ele não usava droga nem nada, ele tinha problema de saúde e sem os remédios costumava ficar um pouco mais agressivo, mas não fazia mal a ninguém, ele frequentava minha casa, brincava com meus filhos, e estava fazendo esse trabalho de olhar carro para conseguir comprar uma comida”, afirma.
O que diz a prefeitura
A Ponte procurou a Prefeitura de Jaú e questionou a assessoria se Paulo fazia acompanhamento de saúde e/ou de assistência social em equipamento público no município e aguarda uma resposta.
O que diz a polícia
A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública e a PM se os policiais em questão dispunham de armas menos letais para a abordagem e se tinham conhecimento que a vítima poderia ter transtorno mental. A InPress, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu as perguntas e encaminhou a seguinte nota:
Policiais militares foram acionados para atenderem a uma ocorrência de dois homens que estavam trocando agressões, na tarde da última terça-feira (11), na rua Visconde do Rio Branco, no centro de Jaú. No endereço indicado, os agentes se depararam com um dos envolvidos machucado enquanto o outro o agredia – os agentes separaram as partes. Um deles se muniu com um bloco de cimento e avançou contra um dos policiais. Foi solicitado que ele soltasse o objeto, mas o autor não obedeceu. O agente interveio e o homem foi baleado – ele foi socorrido, mas não resistiu. A outra parte recusou atendimento médico. A arma do PM foi apreendida e o caso foi registrado pela Central de Polícia Judiciária (CPJ) de Jaú, que requisitou perícia aos institutos Médico Legal (IML) e de Criminalística (IC). Um Inquérito Policial Militar (IPM) foi instaurado para apuração dos fatos.