Policial mata homem negro em situação de rua no centro de São Paulo, segundo testemunha

Raimundo Fonseca Junior, 32, foi baleado na noite de quinta-feira (12), no centro de SP, um dia após operação que espalhou população de rua pela região; após repercussão, três policiais civis se apresentaram como autores dos disparos

Moradores gravaram momento em que pessoas em situação de rua e dependentes químicos atravessavam a Avenida Rio Branco, começa uma correria e é possível ver e ouvir disparos | Fotos: reprodução/Instagram/arquivo pessoal

Um homem negro foi morto durante uma ação da Polícia Militar contra pessoas em situação de rua na noite desta quinta-feira (12/5), na Avenida Rio Branco, nos Campos Elíseos, na região central da capital paulista. O conflito ocorreu dois dias após uma operação conjunta do governador Rodrigo Garcia (PSDB) e do prefeito Ricardo Nunes (MDB) ter expulsado o grupo que se abrigava na Praça Princesa Isabel, como parte da cena aberta de consumo de drogas chamada pejorativamente de “Cracolândia”.

A vítima foi identificada como Raimundo Donato Rodrigues Fonseca Júnior, 32 anos, e o disparo que a atingiu partiu de um policial militar que estava atrás de uma viatura, segundo o depoimento de uma testemunha a membros da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB-SP), que registraram boletim de ocorrência na Polícia Civil.

Atualização em 13/5, às 19h10 – Na tarde desta sexta-feira (13), após a repercussão da morte de Raimundo, três policiais civis “se apresentaram voluntariamente” e confirmaram terem sido “autores de disparos durante ação contra o tráfico de drogas na região central de São Paulo, na noite anterior”, segundo nota da assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública. “A perícia vai apurar se o tiro que causou a morte do homem saiu da arma de um destes policiais e as circunstâncias do fato”, afirma o governo.

Um vídeo gravado por moradores do bairro mostra uma ação policial contra um grupo de pessoas no cruzamento da Avenida Rio Branco com a Rua General Osório. É possível ouvir barulhos de tiros e ver um homem armado atirando. A vítima aparece caída em frente a um supermercado, na altura do número 764 da Rio Branco. Depois, as imagens mostram um caminhão do Corpo de Bombeiros no local e policiais militares isolando o espaço com escudos.

De acordo com o G1, os policiais civis pertencem ao Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), reconheceram-se no vídeo e disseram que atiraram para o chão. Um perito também apresentou projéteis que indicam que as balas ricochetearam no chão, segundo o site.

A Ponte recebeu um áudio em que uma testemunha conta o que presenciou: “Os usuários [de drogas] começaram a chutar o ponto de ônibus e aí começou o primeiro tiro: tei, tei, tei. Eu gritei e falei ‘gente, recua, isso não é bomba, isso é tiro”. Ela prossegue dizendo que gritou que tinha moradores na rua ali. “Nisso, deram mais dois tiros. Foi quando o usuário caiu na minha frente”.

A Polícia Civil afirma que o caso aconteceu por volta das 20h33 e que foi comunicada, à 1h da madrugada desta sexta-feira (13/5), que um homem foi baleado após “um tumulto”. A vítima morreu no pronto-socorro da Santa Casa. O registro de homicídio foi feito no 2º DP (Bom Retiro), que está funcionando no espaço do 77º DP (Santa Cecília), por conta da reforma da delegacia. A investigação fica por conta do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil. A Corregedoria Geral da Polícia Civil também acompanha o caso.

A reportagem esteve no 77º DP, mas a delegada se recusou a passar informações e pediu para procurar a assessoria de imprensa. A Fator F, empresa terceirizada que faz a assessoria da Secretaria da Segurança Pública, informou que “diligências estão em andamento para esclarecer todas as circunstâncias do fato e identificar o autor do crime” e que as imagens divulgadas estão sendo analisadas. “Mais detalhes serão preservados para garantir autonomia ao trabalho policial”, disse em nota.

A assessoria de imprensa da Polícia Civil frisou que Raimundo tinha passagens por tráfico de drogas e roubo. A Ponte consultou os autos e constatou que as ocorrências são de de 11 anos atrás: um processo já está arquivado e, no outro, ele estava cumprindo pena em regime aberto, com a prestação de serviços à comunidade.

Também estivemos no local onde ocorreu a morte de Raimundo, mas comerciantes disseram que as pessoas que trabalham no turno da noite não estavam no horário da manhã e não saberiam informar mais detalhes.

A Ponte esteve no local e presenciou um grupo de cinco pessoas sendo retiradas por quatro guardas civis em motocicletas do cruzamento das Avenidas Rio Branco e Duque de Caxias. Algumas pessoas em situação de rua dormiam em frente ao terminal de ônibus Princesa Isabel, outras estavam na Alameda Barão de Piracicaba. Comerciantes contaram que estão fechando os estabelecimentos mais cedo por medo da violência.

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Procurada, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que Raimundo esteve acolhido na rede socioassistencial da Prefeitura de São Paulo até 27 de abril.

(*) Atualizada em 13/5, às 18h55, para acrescentar a informação da Prefeitura de São Paulo

(*) Atualizada em 13/5, às 19h50, para trocar “PM” por “policial” no título da reportagem (a testemunha de fato indicou um policial militar, mas novas evidências apontam para a possível participação de policiais civis)

(*) Atualizada em 13/5, às 21h05, para incluir que os policiais pertencem ao Garra.

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