Emerson Abílio da Silva, 21, foi levado por dois PMS baleado e morto para uma UPA em Recife. Testemunha diz ter recebido ligação do jovem ainda vivo em horário diferente da apontada por policiais
“Acordei com a ligação de uma vizinha avisando que a polícia tinha matado meu filho”. Assim começou a quinta-feira, 8 de outubro, para a empregada doméstica e cozinheira Valéria Maria Pires da Silva, de 54 anos. As horas seguintes foram de pesadelo.
Com ajuda da filha mais nova, Meireane, e de outras pessoas da comunidade, ela conseguiu reconstituir parte dos acontecimentos da noite de quarta-feira e da madrugada de quinta. Seu filho, Emerson Abílio da Silva, de 21 anos, estava na rua Bela Vista, em Dois Unidos, em Recife (PE), perto da casa onde morava com a mãe, quando foi abordado por policiais militares que chegaram em uma viatura.
O que aconteceu entre o momento da abordagem e o primeiro disparo, entre 22h40 e 23h da quarta-feira, não está claro para Valéria e Meireane, mas o que, após ser baleado numa das pernas, Emerson conseguiu correr e, cambaleando, jogou-se do alto de uma barreira. Pouco depois, às 23h39min, chegou morto à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Nova Descoberta, levado pelos próprios policiais que o abordaram. No boletim de ocorrência registrado pelos PMs, consta apenas o nome de uma testemunha: Hugo Briano de Santana, também policial militar, que estaria de plantão na UPA.
De uma amiga do filho, Valéria escutou um relato intrigante. “Ele telefonou para ela pedindo ajuda, disse que estava caído, se escondendo da polícia, na parte de baixo da barreira. Esse telefonema foi depois de 1h de quinta-feira. Como ele pode ter dado entrada na UPA antes disso?”.
A versão da PM, registrada no boletim de ocorrência feito pelos policiais civis da Força Tarefa de Homicídios, informa que uma “guarnição da Polícia Militar estava realizando a ronda rotineira, no bairro de Nova Descoberta, quando recebeu a denúncia que cinco homens armados e encapuzados estariam no Córrego do Morcego”. Isso é que diz a nota oficial da Polícia Civil.
O B.O é mais preciso, detalhando que o encontro com os misteriosos cinco homens encapuzados teria ocorrido na rua Tupiraçaba, a 1,5 quilômetro da rua da Bela Vista. Quando viram a viatura chegando, os supostos bandidos abriram fogo e correram, deixando Emerson para trás.
Nos próprios documentos oficiais da Polícia Civil, nenhuma testemunha é citada para confirmar o tiroteio e a presença dos encapuzados circulando numa rua estreita, repleta de pequenas casas geminadas, como pode ser constatado pelas imagens do Google Maps. Segundo a PM, uma pistola automática 9mm e 17 projéteis foram encontrados com Emerson. Uma balaclava – o tal capuz de motoqueiro – também estava entre os objetos apreendidos como sendo do rapaz.
Uma mãe em fúria
De acordo com parentes e amigos ouvidos pela Marco Zero, Emerson estava fazendo autoescola, pois pretendia obter a carteira de habilitação profissional e tentar a vida como motorista. Ele também fazia pequenos serviços para os patrões de sua mãe, um casal de idosos que moram em Boa Viagem.
Partiu dos patrões de Valéria, além da filha deles, uma artista plástica, a iniciativa de mobilizar entidades da sociedade civil e acionar jornalistas para que o assassinato do jovem não passasse despercebido. A União de Negros pela Igualdade (Unegro) e os advogados e advogadas do Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) também foram avisados do caso. O professor Wellington Lima, presidente da Unegro em Pernambuco, confirmou ter recebido a denúncia.
No enterro do rapaz, na tarde de sexta-feira, no cemitério de Santo Amaro, seus amigos e amigas dezenas de vizinhos levaram cartazes pedindo por justiça.
Entre a tristeza por ter perdido um filho e a raiva provocada pela versão policial, Valéria contou que irá em busca da verdade. “Já fui muito injustiçada pela justiça e pela polícia. Já tive um filho mais velho assassinado. Depois da morte do irmão, meu segundo filho, Felipe, envolveu-se com drogas e está preso, mas Emerson, não, Emerson estava no caminho certo, era meu principal apoio. Vou dar a cara à tapa, vou fazer de tudo para limpar o nome dele. Mesmo que esses assassinos nunca sejam presos, quero a verdade”, afirmou.
Agora, ela está procurando apoio jurídico para que uma perícia seja realizada tanto no celular do filho morto quanto no da moça que diz ter recebido uma ligação de Emerson duas horas depois do registro de sua entrada na UPA. “As câmaras de segurança da UPA devem estar funcionando e devem ter filmado quando os policiais chegaram trazendo ele”, alerta a mãe. A família também pretende realizar um protesto em Boa Viagem, próximo à casa dos patrões de Valéria.
Matéria publicada originalmente em Marco Zero.