PM mata 4 adolescentes e fere outro em SP; familiares denunciam ‘execução’

    Policiais sustentam que grupo roubou um carro e atirou, mas testemunhas desmentem versão; segundo parentes, um dos jovens sofria de depressão pela morte da mãe

    Quatro adolescentes com idades entre 15 e 17 anos foram mortos pela Polícia Militar na noite do último sábado (6/10) na comunidade do Areião, Jaguaré, zona oeste de São Paulo. A suspeita era de que os jovens haviam roubado um carro e atirado nos PMs, mas testemunhas e familiares desmentem a versão oficial e falam em “execução”.

    Segundo a versão oficial, às 19h40 uma viatura perseguia um Ford Focus preto que tinha sido roubado. Dentro dele, estavam os quatro jovens vítimas e uma adolescente, de 15 anos, que sobreviveu. Na altura do número 2.800 da avenida Presidente Altino, a versão oficial é de que os então suspeitos começaram a atirar, o que fez os PMs revidarem.

    Dois dos rapazes morreram no local, outros dois foram socorridos, mas não resistiram aos ferimentos. A garota sobreviveu. Um vídeo obtido pela Ponte mostra o momento em que há a abordagem. É possível ver apenas os PMs atirando e o som de cinco disparos. Na imagem é possível ouvir dois disparos antes da chegada de um policial com arma nas mãos, enquanto outro PM dá a volta atrás de um carro e mais um aparece abrindo a porta da viatura.

    Familiares de duas das vítimas contestam essa versão apresentada pelos PMs. De acordo com eles, os garotos já tinham se rendido quando foram mortos. A tia de José Jonhatan Marques da Costa, de 17 anos e morto ao ser socorrido, não quis se identificar por questões de segurança. Ela explica que testemunhas disseram aos parentes que os meninos saíram do carro e se renderam, mas os policiais atiraram mesmo assim.

    “Quando a gente viu, a comunidade já estava cheia de policiais que chegaram atirando com bala de borracha”, diz. Segundo ela, quando as pessoas viram o que estava acontecendo, se revoltaram e foram atingidas com os disparos de borracha dos PMs. Depois disso, alguns moradores se revoltaram e colocaram fogo em um ônibus em forma de protesto.

    “Ele [José] já teve passagem, teve os erros dele, mas estamos falando de vidas. Eles são seres humanos. Erraram, mas se eu me rendo, qual era a da polícia? Tem que prender os meninos! Não chegar dando tiro à queima roupa”, desabafa a tia.

    Ela afirma que não conhecia os amigos do sobrinho, mas acredita que, se fosse de fato uma perseguição, os meninos teriam morrido dentro do carro. “A polícia matou friamente eles. Se deviam, teriam que pagar perante a lei. Vamos fazer a justiça direitinho, não justiça com as próprias mãos”, afirma a familiar, dizendo que irá buscar os meios legais para provar que seu sobrinho foi assassinado.

    “Isso destruiu a família da gente. Eles tiraram a vida do meu sobrinho que tinha 17 anos. Eu zelo não só pela vida dele, mas pela vida de todos. [Os policiais] Estão para defender, não para matar”, diz, afirmando que a sua irmã, mãe do rapaz morto, está “arrasada”. “Não vai ficar impune. A mãe dele está acabada, destruída. A gente vai até o fim. Até a gente saber que foram os policias que mataram eles por vingança e frieza”, afirma.

    Familiares de Mateus Damaceno de Sá, de 16 anos, também afirmam que irão buscar justiça para a morte do jovem, que morreu no local dos tiros. Aline e Alice, irmãs do jovem, acreditam na versão de que os policiais teriam atirado para matar. Segundo elas, será preciso conversar com as famílias de todas as vítimas para saber o que farão em conjunto.

    Segundo Aline, o irmão saiu de casa normalmente no sábado e, de noite, eles receberam a notícia de que ele tinha sido morto. Ela afirma que conhecia de vista todos os outros que estavam com ele, que eram todos colegas, mas não era próxima de nenhum. “O Mateus estava estudando. Ia pra escola sempre”, conta.

    Mateus (à esq.) e José morreram na ação, chamada de ‘execução’ por testemunhas e familiares | Foto: Arquivo pessoal

    De acordo com Alice, seu irmão teria mudado muito depois que a mãe deles faleceu, há aproximadamente dois anos, e chegou a responder na justiça por tráfico de drogas. Porém, elas explicam que Mateus tinha feito um acordo de serviços comunitários e não chegou a ir para a Fundação Casa para cumprir medida sócio-educativa.

    “Ele era muito companheiro, muito carinhoso, mas ficou um pouco distante quando minha mãe faleceu. A gente tentou levá-lo numa psicóloga para ver se ele estava entrando em depressão, mas não sabíamos o que era”, explica Alice, que diz ter conversado com o irmão quando ele foi pego traficando. “A gente foi lá e falou: ‘Mateus, você não precisa disso. Tem família que te apoia’. E nunca mais ele mexeu com essas coisas”, conta.

    Segundo a irmã, o rapaz levou um tiro no abdome e ficou agonizando no meio da rua. “A polícia não deixou ninguém chegar pra socorrer”, explica a familiar, dizendo que uma testemunha chegou a gravar um vídeo do jovem morrendo no chão, mas que o policial teria mandado ele apagar o registro. “A gente ainda está sem acreditar. Achamos que ele foi ali na rua e vai voltar. Meu pai está muito arrasado. A gente está sem rumo, mas espera que Deus acalme nosso coração”, lamenta.

    Procurada pela Ponte, a SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) afirmou, por meio de nota divulgada pela sua assessoria de imprensa terceirizada, a InPress, que o caso está em investigação pela 5ª Delegacia do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), que “todos os envolvidos foram identificados” e o veículo no qual estavam passará por perícia.

    “Durante a preservação do local, houve um início de tumulto e os policiais tiveram que intervir fazendo uso de meios não letais. A Corregedoria da Polícia Militar instaurou IPM para apurar todos os fatos”, finaliza a nota.

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