Vídeo e testemunha desmentem versão do policial; “deveria ter sido preso na hora”, afirma coronel da reserva sobre PM
Uma perseguição policial terminou com um morto na Avenida Getúlio Vargas, número 400, no Jardim Piratininga, em Osasco, na Grande SP, por volta das 21h30 de quinta-feira (16/1).
No vídeo é possível ver Ivan Alves Tuchtler, 50 anos, sendo baleado duas vezes pelas costas enquanto corre para o lado oposto ao do PM. Ele foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. Segundo a versão oficial da PM, Ivan havia roubado um bar e teria ido para cima de um PM com uma arma.
Segundo o BO (Boletim de ocorrência), os PMs Alípio Pereira Rodrigues e Layrton Levi Gonçalves de Almeida participaram da ação. O PM Alípio declarou que Ivan estava acompanhado de um outro homem, identificado como Sandro, 48 anos, em um automóvel Ford Fiesta, cor vermelha, e, em determinado momento, desembarcaram do veículo. Foi quando Sandro, segundo o BO, foi alcançado e detido em flagrante com uma arma de fogo pelo PM Layrton.
O depoimento do PM Alípio é contraditório. Segundo consta no BO, Ivan, que era o motorista, “partiu para cima” do PM Alípio segurando uma arma de fogo. Na linha seguinte, o PM Alípio afirma que Ivan portava algo na cintura que “aparentemente” era uma arma de fogo. Nos registros constam a apreensão de apenas três armas de fogo: a de Sandro e as armas dos PMs.
Uma testemunha ouvida pela Ponte, que não quis se identificar, conta que houve uma luta corporal entre Ivan e o PM Alípio, mas que não conseguiu ver uma arma na mão do suspeito. Os únicos disparos que a testemunha ouviu foram os dois tiros efetuados pelo PM Alípio. A testemunha acredita que o policial agiu corretamente.
Em entrevista à Ponte, Adilson Paes de Souza, tenente-coronel reformado da PM paulista, mestre em Direitos Humanos e autor do livro “O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares (Escrituras, 2013)”, criticou a ação dos policiais. Para ele, a ação não tem amparo legal e não pode ser vista como legítima defesa.
“Temos que separar em dois momentos. No primeiro, em que a testemunha fala que houve uma luta corporal entre os dois, porque naquele momento o policial até poderia ter dado algum disparo para vencer a resistência e agressão que estava sofrendo com a luta corporal. Passado isso, o civil está fugindo, ele não está disparando contra o policial e o policial friamente dispara nas costas desse rapaz”, aponta Souza.
O tenente-coronel reformado relembra que todas as normas existentes na Polícia Militar falam em atirar apenas em caso de legítima defesa da própria vida e de terceiros, que, na visão de Adilson, não foi o caso. “A única resposta legal para isso seria prisão em flagrante e delito, porque foi um homicídio doloso fora de qualquer hipótese legal que garanta uma legítima defesa”, critica.
Nessa situação, explica Adilson, o PM não deveria ter atirado no suspeito – nem nas costas e nem nos pés ou pernas. “Atirar no pé é muito perigoso, porque o PM pode querer atirar no pé e atirar em uma terceira pessoa que não tem nada a ver com o fato, porque tinha gente na rua, tinha veículos passando. Imagina ele disparando no pé, ele erra, essa bala atinge o solo e atinge uma pessoa?”, conta.
“A ação do policial deve, antes de tudo, evitar a maior possibilidade de danos, deve defender a integridade física e a vida das pessoas. Ele só poderia usar a arma de fogo, nessa situação, se a pessoa se voltasse contra ele, colocasse a vida dele em perigo”, defende o tenente-coronel.
O sociólogo Benedito Mariano, ouvidor das policias de São Paulo, disse à Ponte que solicitou que a Corregedoria da PM avocasse o caso e afastasse os PMs envolvidos.
As vítimas ouvidas na delegacia alegam que Ivan e Sandro eram os autores dos roubos. Uma mulher compareceu ao DP informando que, horas antes, sofreu um roubo com tentativa de estupro e, segundo o B.O., as características batiam com as de Ivan.
O caso foi registrado no 10º DP de Osasco como roubo, tentativa de estupro, morte decorrente de intervenção policial e legítima defesa.
Procurada pela Ponte, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) paulista, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), informou que todas as circunstâncias relativas ao fato estão sendo apuradas pela Polícia Militar, que instaurou um IPM (Inquérito Policial Militar).
“As armas dos PMs envolvidos no fato foram encaminhadas para perícia, assim como um revólver calibre .38 e uma faca, que estavam com os criminosos”, finaliza a pasta em nota.