PM não pode socorrer baleados. Mas também não pode deixar morrer

    Nesta semana, dois homens morreram em Osasco (SP) à espera de socorro e, em Rio Claro, PMs demoraram a socorrer ferido que já estava na viatura; especialistas apontam falhas nas ações

    À esquerda ação policial que deixou dois mortos em Osasco e à direita PMs mantem jovem baleado dentro de viatura em Rio Claro | Foto: reprodução

    “Ele é meu irmão!”. “E se fosse um filho seu?”. Essas frases foram ditas por parentes e vizinhos de jovens que foram baleados pela Polícia Militar, em Osasco, região metropolitana de São Paulo, e Rio Claro, interior de São Paulo, nesta semana.

    Em ambos os vídeos, é possível ver pessoas pobres e negras revoltadas com a demora da polícia em socorrer jovens atingidos por disparos da PM. No caso de Osasco, revelado pela Ponte, os policiais ainda jogaram bombas na população que se revoltou com a demora em socorrer dois jovens, que teria levado mais de uma hora.

    No vídeo de Rio Claro, a mãe de Maicon Souza Soares, 20 anos, implora para que policiais levem seu filho para o hospital. Ela questiona os PMs, que negam terem atirado em Maicon. Dentro da viatura, o jovem, sangrando, afirma que foi baleado.

    O caso aconteceu na última terça-feira (25/2), na Avenida João Vite, em Santa Gertrudes. O jovem foi atendido e segue internado na Santa Casa de Rio Claro, segundo informou o UOL. A Ponte tentou, por telefone, saber o estado de saúde de Maicon, mas não obteve resposta.

    A resolução nº 5, criada em 7 de janeiro de 2013, na gestão do então secretário de Segurança Pública Fernando Grella Vieira, determina que a PM não pode socorrer pessoas baleadas em confrontos.

    Embora Grella nunca tenha admitido publicamente o motivo real da medida, quem acompanha os bastidores da ação policial sabia do que se tratava. A intenção era impedir que policiais fizessem o “resgate” de suspeitos que já estavam mortos, apenas para modificar o local do crime e atrapalhar o trabalho da perícia, ou que a PM executasse os feridos a caminho do hospital.

    Após a resolução, a letalidade policial, de fato, caiu. O primeiro semestre de 2013 registrou 157 mortes por policiais em serviço, 34% a menos do que as 238 mortes dos primeiros seis meses do ano anterior. Em 2014, contudo, o número de mortes pela polícia voltou a subir e não parou mais.

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    Para Samira Bueno, socióloga e diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a resolução nº 5 deve ser mantida, mas não pode ser usada como desculpa para que a PM deixe uma pessoa morrer.

    “Não faz sentido ficar esperando e a pessoa morrer. Isso é um problema do Samu e da área de saúde, mas eu ainda acho preferível o Samu fazer o resgate do que voltar à dinâmica anterior da polícia fazer o resgate e você não saber o que ela fica fazendo com essa pessoa até chegar no hospital”, argumenta.

    A socióloga aponta que, no caso de Osasco, em tese, a polícia seguiu a resolução, mas que deveria haver outra opção além de esperar o atendimento.

    “Se o Samu está demorando e a vítima pode não aguentar, uma alternativa é levar a vítima ao hospital e permitir que um familiar acompanhe dentro da viatura. Assim o policial não seria punido, por fazer o socorro, a pessoa teria o atendimento e o familiar se responsabilizando”, defende Bueno.

    Já no caso de Rio Claro, a ação dos policias, afirma Samira Bueno, foi totalmente errada. “Se o menino já estava dentro da viatura, não tinha porque não levar o menino para o hospital nem esperar o Samu. Colocaram o menino ferido dentro da viatura e ficaram com o carro parado. Estão esperando algo ou alguém? O protocolo não está sendo seguido”.

    O tenente-coronel reformado da PM paulista Adilson Paes de Souza, mestre em Direitos Humanos e autor do livro “O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares (Escrituras, 2013)”, tem entendimento semelhante.

    Adilson argumenta que, no caso de Osasco, os policiais, por mais triste que tenha sido a ação, agiram dentro da norma. “Se demorou para chamar, está errado porque quando o resgate chegar, a pessoa pode estar morta. A resolução pede que acione imediatamente a equipe de resgate”, explica Souza.

    Já no caso de Rio Claro, os PMs violaram as normas da corporação. “Não tem justificativa ficar esperando. Isso poderia ocasionar a morte do rapaz. Ou segue a resolução à risca e aciona o Samu, ou a polícia resgata com urgência”, aponta.

    “Em nenhum momento se deve colocar a pessoa ferida no guarda-preso e ficar esperando. Esperando o que? A frieza dos policiais… o máximo que eles falam é que o comando está vindo. Mas e o socorro à vida? E se esse menino morre? Se fica com alguma sequela grave? Os policiais militares são responsáveis por isso”, argumenta Adilson.

    O tenente-coronel ainda explica que o caso de Rio Claro pode ser considerado como cárcere privado, uma vez que “a pessoa foi colocada no compartimento, não podia sair e não podia ter contato com ninguém”.

    Procurado pela Ponte, o ouvidor da Polícia de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, informou que “a Ouvidoria vai acompanhar as investigações dos dois casos, com o objetivo de verificar se os policiais seguiram os protocolos da corporação”.

    Outro lado

    A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por meio da assessoria terceirizada InPress, sobre os dois casos citados na reportagem.

    Sobre Rio Claro, a SSP-SP informou que o caso foi registrado como lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial, desobediência e posse de drogas para consumo pessoal. Também disse que o caso está sendo investigado em inquérito policial pela Delegacia de Santa Gertrudes e em IPM pela Polícia Militar. A arma do policial, segundo a pasta, foi apreendida e encaminhada para perícia.

    Já sobre os baleados em Osasco, a pasta argumentou que os moradores da região “danificaram uma viatura, um semáforo e um radar” e, por conta disso, a tropa precisou usar bombas para “conter o tumulto”. Segundo a pasta, “um policial, que estava a caminho do trabalho, presenciou os fatos e interveio. Os dois suspeitos foram socorridos ao Hospital Municipal da cidade, mas não resistiram aos ferimentos”.

    A reportagem também solicitou, na terça-feira (25/2), à Secretaria da Saúde de Osasco, administrada pelo secretário Fernando Machado Oliveira neste mandato do prefeito Rogério Lins (Podemos) informações sobre o horário do pedido de socorro, em quanto tempo as vítimas foram atendidas e se a espera entre 1h e 1h30 está dentro dos padrões e também aguarda um posicionamento.

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