PM que atirou em sobrinho de rapper pelas costas diz que agiu em legítima defesa

Versão é rechaçada pela família e pelo MP-SP. Vídeo mostra vítima, Gabriel Soares, de costas quando é atingido por vários disparos. Jovem estava desarmado

A defesa do policial militar Vinicius de Lima Britto, réu pela morte do jovem Gabriel Renan da Silva Soares, de 26 anos, alega que o PM agiu em legítima defesa. A versão é rechaçada pela família e pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Imagens da câmera de segurança do mercado OXXO [veja acima], onde o crime ocorreu, reforçam o repúdio. Elas mostraram Gabriel de costas quando foi alvo de tiros. O jovem, que é sobrinho do rapper Eduardo Taddeo, ex-Facção Central, estava desarmado.

A audiência de instrução pelo crime foi finalizada em 5 de fevereiro. A juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro deu prazo para que a defesa de Vinicius apresentasse as alegações finais de forma escrita. O documento foi entregue na terça-feira (18/2) pela advogada Carolina Marques Mendes.

Leia também: PM atirou pelas costas em sobrinho de rapper, ex-Facção Central, no OXXO

Foi neste contexto que veio a alegação de legítima defesa, amparada na ideia de que o policial estava “protegendo a sua integridade física e sua vida”, além do funcionário do mercado. No entanto, o vídeo não mostra nenhuma interação entre Gabriel e o policial antes dos tiros.

A defesa também pediu que Vinícius fosse julgado por homicídio culposo. A alegação tem como base uma suposta ameaça verbal e simulação do jovem de estar armado — versão que também é confrontada pelo depoimento do funcionário do mercado. Em juízo, ele disse não ter havido nenhuma conversa ou ameaça por parte de Gabriel.

Leia também: Vítimas da violência policial fazem oitavo protesto em Bauru: ‘Desejamos justiça’

Com a manifestação da defesa, o próximo passo é a juíza Michelle decidir pela pronúncia ou não de Vinicius. Isso significa que a magistrada vai deliberar se existem ou não elementos para levar o réu ao Tribunal de Júri. Neste caso, Vinícius será julgado por jurados e caberá ao juiz avaliar a dosimetria da pena (por quanto tempo ele ficará preso). O policial permanece preso preventivamente desde o dia 6 de dezembro.

A tia de Gabriel, Fátima Taddeo acredita que o PM será levado à júri popular. “O processo foi muito bem instruído com provas, testemunhas e, o mais importante, as imagens que estão aí para todo mundo ver”, afirma ela. “Nós estamos confiantes de que ele [policial] será pronunciado. Ele vai sim para o Tribunal do Júri, essa é a nossa esperança.”

Relembre o caso

Gabriel foi morto no dia 3 de novembro do ano passado, por volta das 22h40, no estacionamento do mercado OXXO, na Avenida Cupecê, Zona Sul de São Paulo. O vídeo mostra o jovem entrando no mercado, pegando produtos de limpeza e deixando o local sem pagar. Ao sair, Gabriel escorregou em um papelão que estava na entrada do mercado. Neste momento, Vinicius sacou a pistola .40, que pertence à Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM-SP), e atirou ao menos oito vezes.

A ação foi “covarde e desproporcional”, escreveu o MP-SP. Naquele dia, o soldado da PM estava de folga e fazia compras no mercado.

Leia também: PMs estão rondando casa da família de jovem morto após empinar moto, diz mãe

Vinicius foi denunciado pelo MP-SP em 4 de dezembro de 2024. Com a denúncia aceita pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o policial se tornou réu por homicídio qualificado — por motivo fútil, com recurso que impossibilitou a defesa da vítima e com emprego de meio que resultou em perigo comum. No vídeo é possível ver que próximo de Gabriel estava um homem, o que corrobora a tese do MP-SP, de que mais pessoas poderiam ter sido feridas pela ação do soldado.

“O denunciado agiu de forma absolutamente desarrazoada, executando sumariamente a vítima sem que houvesse qualquer ameaça ou risco à sua integridade física ou de terceiros”, escreveu o promotor Rodolfo Justino Morais na denúncia.

Histórico de mortes e reprovação em teste

Antes de matar Gabriel, Vinícius já tinha se envolvido na morte de duas pessoas em São Vicente, na Baixada Santista, em 2023. A situação também aconteceu quando o soldado estava de folga e foi revelada pelo portal de jornalismo investigativo O Joio e o Trigo. Em depoimento, Vinícius contou que dois homens em uma motocicleta anunciaram um assalto contra ele e um grupo de amigos. A reação do soldado e do também policial militar Davi dos Santos de Souza foi atirar. Matheus Quintino e Davi Ferreira morreram. A investigação sobre o caso ainda não foi concluída.

O Joio também revelou que Vinicius fora reprovado no exame psicológico para ingresso na Polícia Militar. A reprovação ocorreu em 2021 após psicólogos apontarem “descontrole emocional”. Em 2022, após novo concurso, o soldado foi aprovado. Na época da morte de Gabriel, ele atuava no 22º Batalhão da Polícia Militar (BPM/M).

Assine a Newsletter da Ponte! É de graça

Um levantamento exclusivo da Ponte mostrou que, no ano passado, esse grupamento policial foi responsável pela morte de 33 pessoas — sendo o 21º mais letal do estado.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude
Inscrever-se
Notifique me de
0 Comentários
Mais antigo
Mais recente Mais votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários

mais lidas

0
Deixe seu comentáriox
Sobre a sua privacidade

Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.